Impressionantes as viagens e os viajantes de Bosch. Enigmáticas. Contemporâneas. Naquele sentido que Agamben atribui à contemporaneidade:
"A contemporaneidade se escreve no presente assinalando-o antes de tudo como arcaico, e somente quem percebe no mais moderno e recente os índices e as assinaturas do arcaico pode dele ser contemporâneo. Arcaico significa: próximo da Arké, isto é , da origem. Mas a origem não está situada apenas num passado cronológico: ela é contemporânea ao devir histórico e não cessa de operar neste, como o embrião continua a agir nos tecidos do organismo maduro e a criança na vida psíquica do adulto. A distância - e, ao mesmo tempo, a proximidade - que define a contemporaneidade tem o seu fundamento nessa proximidade com a origem, que em nenhum ponto pulsa com mais força do que no presente." "O que é o contemporâneo?" - lição inaugural do curso de filosofia teorética 2006/2007 (p. 69)
Também Walter Benjamim dizia que o índice histórico contido nas imagens do passado mostra que estas alcançarão plena legibilidade somente num determinado momento da sua história.
Há uma perenidade singular nestas imagens! (digo eu agora)
Nascem também na nossa terra cavalos e burros selvagens, homens de cornos, bois selvagens, homens selvagens, monóculos, homens com olhos adiante e atrás, homens sem cabeça, com a boca e os olhos no peito, cujo comprimento é de doze pés, e a largura seis; na cor, são semelhantes ao ouro puríssimo; homens com doze pés e seis braços, doze mãos, quatro cabeças, em cada uma das quais têm duas bocas e três olhos. Nascem ainda na nossa terra mulheres com grandes corpos, barbas até às mamas, cabeças rapadas, vestidas de peles, óptimas caçadoras, que criam animais selvagens como cães para a caça, leão contra leão, urso contra urso, cervo contra cervo e assim todos os outros; sagitários, faunos, sátiros e mulheres da mesma raça, pigmeus, cinocéfalos, gigantes, cuja altura é de quarenta côvados, cíclopes e uma ave a que chamam fénix e quase todo o género de animais que existem debaixo do céu.
CARTA DO PRESTE JOÃO DAS ÍNDIAS, trad. de Leonor Buescu, Lisboa, Assírio & Alvim, 1998, pp. 57.
Existe também, em direcção ao Setentrião, naquela parte em que o mundo acaba, um certo lugar que nos pertence, que é chamado a caverna dos dragões. Em toda a extensão, em comprimento e largura, em enorme dificuldade e aspereza, profundíssima em profundíssima profundidade, é muito cavernosa e obscura. Neste lugar, na verdade, existem infinitos milhares de terríveis dragões, os quais os habitantes das províncias circunvizinhas guardam com a maior diligência para que nenhuns encantadores dos índios ou provenientes de qualquer outro lugar tentem roubar estes dragões. Com efeito, costumam os príncipes dos índios, em suas bodas e outras festas, ter dragões, e sem dragões consideram que a festa não teve esplendor. E tal como os pastores costumam domar e domesticar as crias de cavalos dos seus rebanhos de éguas, ensiná-las e adestrá-las e chamá-las com nomes próprios, impor-lhes freio e sela e cavalgá-las sempre que queiram, do mesmo modo esses homens que têm a guarda e adestramento desses dragões, domam-nos, domesticam-nos, põem-lhes freio e sela e, quando e onde querem, cavalgam-nos.
CARTA DO PRESTE JOÃO DAS ÍNDIAS, trad. de Leonor Buescu, Assírio & Alvim, 1998, pp. 70-71.
Impressionantes as viagens e os viajantes de Bosch.
ResponderEliminarEnigmáticas.
Contemporâneas.
Naquele sentido que Agamben atribui à contemporaneidade:
"A contemporaneidade se escreve no presente assinalando-o antes de tudo como arcaico, e somente quem percebe no mais moderno e recente os índices e as assinaturas do arcaico pode dele ser contemporâneo. Arcaico significa: próximo da Arké, isto é , da origem. Mas a origem não está situada apenas num passado cronológico: ela é contemporânea ao devir histórico e não cessa de operar neste, como o embrião continua a agir nos tecidos do organismo maduro e a criança na vida psíquica do adulto. A distância - e, ao mesmo tempo, a proximidade - que define a contemporaneidade tem o seu fundamento nessa proximidade com a origem, que em nenhum ponto pulsa com mais força do que no presente."
"O que é o contemporâneo?" - lição inaugural do curso de filosofia teorética 2006/2007 (p. 69)
Também Walter Benjamim dizia que o índice histórico contido nas imagens do passado mostra que estas alcançarão plena legibilidade somente num determinado momento da sua história.
Há uma perenidade singular nestas imagens!
(digo eu agora)
VISÕES PARADISÍACAS
ResponderEliminarNascem também na nossa terra cavalos e burros selvagens, homens de cornos, bois selvagens, homens selvagens, monóculos, homens com olhos adiante e atrás, homens sem cabeça, com a boca e os olhos no peito, cujo comprimento é de doze pés, e a largura seis; na cor, são semelhantes ao ouro puríssimo; homens com doze pés e seis braços, doze mãos, quatro cabeças, em cada uma das quais têm duas bocas e três olhos. Nascem ainda na nossa terra mulheres com grandes corpos, barbas até às mamas, cabeças rapadas, vestidas de peles, óptimas caçadoras, que criam animais selvagens como cães para a caça, leão contra leão, urso contra urso, cervo contra cervo e assim todos os outros; sagitários, faunos, sátiros e mulheres da mesma raça, pigmeus, cinocéfalos, gigantes, cuja altura é de quarenta côvados, cíclopes e uma ave a que chamam fénix e quase todo o género de animais que existem debaixo do céu.
CARTA DO PRESTE JOÃO DAS ÍNDIAS, trad. de Leonor Buescu, Lisboa, Assírio & Alvim, 1998, pp. 57.
VISÕES PARADISÍACAS (cont.)
ResponderEliminarExiste também, em direcção ao Setentrião, naquela parte em que o mundo acaba, um certo lugar que nos pertence, que é chamado a caverna dos dragões. Em toda a extensão, em comprimento e largura, em enorme dificuldade e aspereza, profundíssima em profundíssima profundidade, é muito cavernosa e obscura. Neste lugar, na verdade, existem infinitos milhares de terríveis dragões, os quais os habitantes das províncias circunvizinhas guardam com a maior diligência para que nenhuns encantadores dos índios ou provenientes de qualquer outro lugar tentem roubar estes dragões. Com efeito, costumam os príncipes dos índios, em suas bodas e outras festas, ter dragões, e sem dragões consideram que a festa não teve esplendor.
E tal como os pastores costumam domar e domesticar as crias de cavalos dos seus rebanhos de éguas, ensiná-las e adestrá-las e chamá-las com nomes próprios, impor-lhes freio e sela e cavalgá-las sempre que queiram, do mesmo modo esses homens que têm a guarda e adestramento desses dragões, domam-nos, domesticam-nos, põem-lhes freio e sela e, quando e onde querem, cavalgam-nos.
CARTA DO PRESTE JOÃO DAS ÍNDIAS, trad. de Leonor Buescu, Assírio & Alvim, 1998, pp. 70-71.