3. Provas
Foi precisamente a este expediente que recorri.
Informei-me sobre o mercado local desses instrumentos de salvação e
apresentei-me ao fornecedor na segunda-feira seguinte, munido do bilhete de
identidade e da contrapartida monetária que me tinham indicado. Sobre o motivo
da queixa, limitei-me a tossir e a declarar: gripe. À note telefonou-me, do Porto, o Artur. Uma
peripécia mais ou menos rocambolesca retivera-o ali desde o final da semana
anterior e não conseguiria regressar a Castelo Branco antes de um dia ou dois.
Contei-lhe o que se passara e como corria o sério risco de faltas
injustificadas. - Meu caro, tens que me ajudar, desencantando aí um atestado
médico e entregando-o na secretaria do Liceu - foi a resposta.
A empresa era arriscada, mas não havia
alternativa. No dia seguinte, lá subi as escadas do mesmo fornecedor e
apresentei-me tossindo e alegando gripe. O seu nome? – foi-me perguntado.
Debitei o nome completo do meu colega. Bilhete de Identidade? Esqueci-me, mas
sei o número de cor.
Pela primeira vez, o meu interlocutor olhou para mim, quase incrédulo.
E também sabe a data de emissão? Sim – retorqui, e debitei-a.
Como se pode perceber deste abreviado relato
memorialistico, não enfrentei dificuldades significativas de integração, tanto
no quotidiano escolar como no meio local. Pouco tempo decorrido sobre o início
do ano de 1971, adquirira um crescente à vontade na relação
com alunos e colegas, conseguira dominar os problemas do irrequietismo
adolescente nas turmas dos mais novos e afirmar um razoável domínio das matérias exigentes da leccionação
aos mais velhos. De alguns colegas mais velhos, recebera mesmo manifestações de
apreço e simpatia, e, à mediada que o tempo passava, o gelo
inicial do próprio reitor por vezes parecia querer derreter.
Terminadas as aulas, os meus serviços podiam ser
dispensados. Em princípio, os professores provisórios não faziam exames,
limitando-se a colaborar em tarefas de vigilância nas provas escritas. A 7 de
Julho, o mais tardar, perdiam o vínculo precário que os ligava ao Estado. Mas,
em finais de Junho, Catanas Diogo chamou-me ao seu gabinete para me dizer que
contava comigo para ver provas escritas e talvez fazer algumas orais, pelo que
podia contar com trabalho (e remuneração) até ao fim do mês de Julho.
Assim sucedeu. Fiz vigilâncias de escritas em
Castelo Branco e no colégio de Proença a Nova (onde cheguei no velho carro do
velho professor de matemática Lopes Dias que cortava as curvas a direito num
exercício de improvável
sucesso). Era uma prática corrente os professores de liceu irem fazer exames
aos colégios da área (recordo de mais tarde, quando professor no Padre António
Veira em Lisboa ir fazer exames aos colégios de São João de Brito e
Padre Manuel Bernardes).
Uma tarde, regressado de prova orais em Castelo
Branco, tinha na pensão uma mensagem inesperada: o Reitor telefonara a pedir
que me fosse encontrar com ele à
esplanada do café Avis (o café frequentada pelo elementos
conservadores da cidade). Tudo aquilo me pareceu estranho: o pedido, o local de
encontro, vindo de alguém que eu nunca encontrara num café, sequer na rua.
Intrigado corri a confirmar a mensagem. E lá
estava, na sua figura franzina e de outro tempo, o temido Catanas Diogo. A
conversa foi tão inusitada que eu tive dificuldade em perceber exactamente do
que se tratava. Mas entendi o que me pedia: que no dia seguinte, em vez das
provas orais que me estavam destinadas em Castelo Branco, eu me deslocasse de
manhã ao Fundão, para aí substituir um professor no júri das provas de
Filosofia. Tratava-se de uma emergência.
Embaraçado mas determinado, o reitor ainda disse: confio em si para esta
missão. Na sua competência,
no seu bom senso e na sua juventude. Eu ficarei atento e à mínima dificuldade, pode estar certo de
que não deixarei de agir. Mas tenho a certeza de que vai conseguir dominar a
situação.
À noite
tomei conhecimento de qual ela era verdadeiramente. Nesse dia, o professor
destacado para fazer as orais de filosofia no Fundão só aprovara um aluno.
Indignados, os pais tinham invadido as instalações do colégio e durante algum
tempo “sequestrado”
o júri. Alegavam que as perguntas eram capciosas e destinadas a intimidar os
jovens e não a descobrir o que sabiam. Só com a intervenção da GNR os
professores tinham podido regressar a Castelo Branco.
Investido da missão apaziguadora que o reitor me
confiara entrei no Colégio do Fundão, com os restantes membros do júri,
apreensivo e circunspecto. O Director recebeu-nos à porta, mas não fez referencia aos
acontecimentos da véspera. Junto dele, a filha, saudou-me com afectividade.
Tinha sido minha colega na Faculdade. Este encontro aliviou a tensão.
O dia de exames decorreu sem incidentes. A sala
estava cheia quando a sessão se iniciou e foi esvaziando ao longo da manhã,
sinal de que a normalidade regressara às salas do Colégio. O Presidente do júri, um experiente
professor de Geografia, fez questão, no regresso, de me deixar junto da Pensão
Império. Catanas Diogo, nervoso, aguardava, ali mesmo, a nossa chegada para
confirmar as boas notícias.
Café Avis (o Café Arcadia, entretanto desaparecido, situava-se à direita)
RODA, RODA AOS CINCO CANTINHOS...
ResponderEliminarNovo Reitor do Liceu
Em substituição do Sr. Dr. Sebastião Morão Correia, que passou a desempenhar o lugar de Reitor do Liceu Nacional de Portalegre, tomou posse do cargo de Reitor do Liceu Nacional de Castelo Branco, no passado dia 3, o Sr.. Dr. José Catanas Diogo, professor efectivo do Liceu Nacional de Portalegre e que, durante o passado ano lectivo, prestou serviço no Liceu de Guimarães, a quem endereçamos as nossas saudações, pondo em destaque a sua actuação nos vários liceus em que tem trabalhado, bem como a homenagem que Guimarães lhes prestou no final do ano escolar, pelos relevantes serviços que aquela cidade lhe ficou devendo.
A RECONQUISTA, Semanário Regionalista, Castelo Branco, 18 de Outubro de 1959.
Sim, encontrei rasto de Catanas Diogo em Guimarães.
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