CX
Ai de mim, é verdade, errante aqui e ali
truão me viram todos, vendi ao desbarato
o que mais caro tinha, meu íntimo despi,
de novas afeições fiz velho desacato.
E ainda mais verdade é que olhei a virtude
alheado e indif'rente: mas ao coração deram
tais desvios ao fim uma outra juventude
e que me és todo o amor ensaios pior's disseram.
Toma o que não acaba. Fiz o que fiz. Prometo:
Não mais hei-de aguçar este meu apetite
de nova provação dar ao antigo afecto,
Deus deste amor que quero agora me limite-
Pois dá-me então guarida, ó meu céu mais perfeito,
dentro desse teu puro e desvelado peito.
Vasco Graça Moura, Dezassete Sonetos de Shakespeare, com um desenho de José Rodrigues. Porto, O Oiro do Dia, 1977, p. 9.
Da promessa assim dita não duvido.
ResponderEliminarPois decorre de uma descoberta de si, de uma consciência própria
Tão bonito que soa! Mesmo em tradução. A cópia e o original, um caso sério de compatibilidades e de invenções. A palavra certa, qual será?.
ERROS MEUS, MÁ FORTUNA., MUNDO VIL
ResponderEliminarCantei e choro agora, e a doçura
não é menor no choro que no canto;
que à causa, não a efeitos, vai portanto
o meu sentir ansioso só de altura.
Assim, é a dureza ou a cordura,
ou gesto fero, humilde e cortês, quanto
a par suporto; e a pesos não quebranto,
nem desdéns me penetram na armadura.
O estilo do costume usem comigo
Amor, dama, fortuna, mundo vil;
que nunca penso ser senão feliz.
Que ou viva, ou morra, ou sofra, não lobrigo
sob a lua um estado mais gentil;
tão doce deste amargo é a raiz.
Petrarca, AS RIMAS, Tradução de Vasco Graça Moura, Lisboa, Bertrand, 2003, p. 607.