Dos setes meses que permaneci em Castelo Branco,
em 1971, poucas lembranças conservo dos seus arredores. Além das idas aos colégios de Proença-a-Nova
e Fundão, por altura dos exames, creio que visitei Penha Garcia, Idanha-a-Nova
e Monsanto, Almortão, Vila Velha de Ródão e as margens do Ponsul. O facto de
não ter carro limitava-me a mobilidade e as frequentes vindas a Lisboa, aos
fins de semana, inutilizavam essa oportunidade para reconhecimento turístico do
espaço geográfico envolvente.
A visita a Monsanto e Idanha e sobretudo a Penha
Garcia foi-me proporcionada pelo prof. Guimarães (não me lembro do nome), um
professor de Geografia que acabava de se efectivar em Castelo Branco.
Organizava visitas de estudo com os seus alunos e eu inscrevi-me numa. Eram
visitas muito bem preparadas, com textos de apoio e orientação no terreno.
Impressionou-me a ancestralidade e rudeza das construções e a estratificação
geológica muito marcada na paisagem. À ermida da Senhora do Almortão fui também em expedição
pedagógica, da responsabilidade do professor de Canto Coral (como então se designava a disciplina de
Educação Musical), Carlos Gama. Fomos em dia de ensaio para a
romaria (que se realiza duas semanas depois da Páscoa), para ouvirmos os
cantares e o toque dos adufes, manejados por mulheres beirãs trigueiras e com
os dedos tolhidos por atroses.
O professor Carlos Gama, além de dirigir
diversos grupos de canto e música na cidade (o Orfeón de Castelo Branco e a
Orquestra Típica Albicastrense), promovia e apreciava o convívio com os colegas
do Liceu. Os seus interesse porém não se cingiam à música.
Gostava de pescar e era um bom apreciador de gastronomia tradicional. Também
apreciava as paisagens surpreendentes da região, nomeadamente as do leito e
margens do Rio Ponsul, de facto uma das mais extraordinárias daquele
território.
Com o Professor Guimarães eu tivera já uma
visita guiada pelo leito do Ponsul junto a Penha Garcia. O Professor Gama
levou-me aos sectores localizados junto do ponto de encontro com o Tejo, perto
de Vila Velha de Ródão.
Nas tardes de Sábado, essas excursões tinham um final feliz
gastronómico. Num barracão aquecido por uma lareira, nas traseiras de uma
taberna de beira de estrada, o Professor Gama agenciava um jantar que envolvia
obrigatoriamente uma sopa de peixe de rio confeccionada na hora e com o peixe
pescado entre o momento da nossa chegada e o fim dos aperitivos (queijo,
chouriço, pão e vinho) e um coelho à
caçadora acompanhado de batata cozida.
Das experiências
gastronómicas da época, além dessa sopa de peixe
feita com fatias de pão
de trigo de véspera, caldo condimentado de cozer os peixes e
ovo escalfado, a mais marcante foi a da lampreia. Comi pela primeira vez
lampreia na Pensão Império, onde, como já referi, a comida era bem
confeccionada. A lampreia era um prato dos meses da Primavera e preparado aos
fins de semana. Alguns dos meus colegas desdenhavam a lampreia do Tejo,
exaltando a do Minho, mas para mim, que desconhecia por completo a existência daquela prato, declarei-me rendido
desde a primeira experiência.
A cozinha mais afamada de lampreia na altura situava-se em Vila Velha de Ródão.
A gastronomia do interior beirão colocou-me em
presença de alternativas ao peixe de mar. Além dos pequenos peixes de rio, a
boga, o achigã, e da lampreia, um peixe entrou também pela primeira vez na
minha ementa: o sável.
O sável acompanhava a época da lampreia e surgia
na mesa sobretudo na forma de delgadas postas fritas e conservadas em molho de
escabeche. Tapear, a meio da tarde, era um dos hábitos albicastrenses. Nos
cafés e pensões, serviam-se pratos com queijos e enchidos, lulas fritas e pão.
No tempo do sável, este destronava os concorrentes anteriores. A pequena
refeição era acompanhada por uma garrafa de vinho. Na época, a relação
qualidade-preço pendia a favor do Covilhã 1967 (um vinho da Adega Cooperativa
da Covilhã, que, creio, se denomina hoje Piornos).
A ESCARPA DO PONSUL
ResponderEliminar[...] e entra-se num chão nu, levemente ondulado, repartido entre matagais de esteva e folhas de cereal, enormes campos abertos onde pastam rebanhos de ovelhas pelos restolhos e pousios. Depois a estrada desce através de uma profusão de cabeços xistentos, de galbo perfeito e uniforme, a grande muralha ou escarpa da falha do Ponsul. O rio corre num leito largo, pouco caudaloso no Verão, sobre rochedos azulados ou claros areais e cascalheiras cinzentas. Para lá dele, deixa-se o xisto e entra-se numa terra clara, de saibros terciários, enormes campos de cereal salpicados de azinheiras. Ao longo do rio, algumas instalações rudimentares centralizam a exploração desta terra, rica à força de ser extensa e quase despovoada.
GUIA DE PORTUGAL III. BEIRA. II - BEIRA BAIXA E BEIRA ALTA, 2.ª ed., Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1994, p. 683.