Entrou no café,
quase deserto àquela hora,
em busca do esquivo Franz Kafka, mas foi o som de um telemóvel que lhe prendeu a atenção. - Sim, estou bem. Já fiz o reconhecimento do
trajecto. Era inevitável
seguir a conversa em português.
- António - apresentou-se
ele. Desculpe, não pude
deixar de ouvir. Ela sorriu: - Oh, fui apanhada! Fez bem em apresentar-se. Amália. Quer sentar-se à minha mesa?
Sem reservas, ela contou-lhe o motivo da vinda a Praga.
Participava em corridas de meia maratona em cidades europeias. Lisboa, Paris,
Barcelona, Dublin, Pisa, Berlim... Todos os anos, escolhia uma e marcava as férias de acordo com a data das
provas. Fazia uma preparação
cuidada de modo a não ter
problemas em concluir o percurso. Gostava da sensação de correr entre gente de tantas paragens, idades
e condições sociais.
Adorava ver os centros históricos
das cidades como palco por momentos exclusivo de gente que andava a pé, as ruas cortadas ao trânsito, as praças com gente a ver e a incitar,
ou, simplesmente a sorrir. Estavam a 7 Maio, a corrida teria lugar dois dias
depois, Dia da Europa. - Tenho de confessar que é
uma forma original de coleccionar cidades - disse ele, surpreendido.
Combinaram novo encontro nesse dia, ao fim da tarde na Praça da Cidade. Sentaram-se numa
esplanada, de frente para a torre do relógio
medieval. Pediram cerveja, uma salada de tomate com mozzarella e pesto.
Agora era ela quem inquiria o motivo que o trouxera à cidade. - Queria experimentar a
sensação de estar no centro
- respondeu ele. Crescera numa pequena cidade, sonhando com Lisboa, o centro de
Portugal. Frequentara a Universidade, no tempo da guerra colonial, sonhando com
Paris, o centro da liberdade. Tornara-se professor, sonhando com Florença, o centro da civilização. Deambulara pelo mundo
sonhando com Praga, o centro da Europa.
- Vais assistir à corrida
amanhã? - perguntou ela. -
Sim, mas vais ter de me descobrir. - Fá-lo-ei
- respondeu ela.
Encetara o último
terço da corrida, pela rua
Resslova, na margem do Vitava, quando o avistou. Empunhava um cartaz, mas não conseguiu perceber o que
dizia. Reconheceu o prédio
da esquina, a "Casa Dançante".
Sabia que tinha sido construído
sob o patrocínio de Vacklav
Havel. "Fred e Ginger", fora assim denominado. - Oh, pensou, ele
encontrou o seu "centro", a utopia que preencheu o quarteirão bombardeado em 1945. Um símbolo de fragilidade e emoção.
[Texto publicado na edição do semanário Região de Leiria. de 4 de Abril de 2014]
Gosto da expressão: "colecionar cidades". Mais ainda por se completar com a descoberta de "casa dançante".
ResponderEliminarEstes textos estão cada vez melhores: cheios de ritmo, fazem-se das palavras certas e não mais. Um luxo!
Eis mais uma excelente crónica. Confesso que a acho tão boa que fui procurar as outras três, para apreciar a evolução.
ResponderEliminarNa terceira pessoa os seus textos são extraordinários. Esquecido o filtro de malha apertada, habitualmente impermeável a emoções, as personagens fluem, como comuns mortais, ricas de colorido. O texto imprime o ritmo de leitura e possui o número certo de palavras, nem uma a mais, nem uma a menos, tal como se refere no comentário anterior. Parabéns.
O que seriam as cidades despidas de pessoas? E as pessoas despidas de emoções?
O UMBIGO DO MUNDO
ResponderEliminar"Junto das duas Fedríades, encontramo-nos com qualquer coisa que parece ter sido o abismo dos abismos: dois rochedos separados por uma tremenda garganta, estreita e inacessível... Ali, lá bem no fundo da garganta, no lugar em que os dois rochedos se fundem, brota inesperadamente a água mais cristalina, a água de Castália, a fonte entre todas a mais famosa, em que cada um, sacerdote ou peregrino, se purifica antes de entrar no templo. " C. Carouzos
Fotios M. Petsas, DELFOS. OS MONUMENTOS E O MUSEU, Atenas, Krini, 2004, p. 5.