É Qu Yaun! Nasceu no ano 340 a. C. e hoje, dia 31 de Maio, em toda a China, comemora-se o seu suicídio que ocorreu no ano 278 a. C., a 60 anos de o seu Reino passar a fazer parte do Reino Qin. O poeta afogou-se no Rio Miliu, depois de perceber que o seu Reino de Chu tinha sido ocupado e que nada podia fazer, apesar de ser conselheiro do rei,… Conta a lenda que todos ficaram tão tristes que deitaram arroz ao rio para que os peixes não devorassem o corpo do poeta e conselheiro.
A China comemora esse dia, no calendário lunar, no dia 5 do mês 5, de cada ano. Sim, hoje mesmo, e é feriado. Hoje é o Festival do Barco do Dragão também conhecido por Duanwu. Além dos alimentos, nomeadamente arroz, que deitam aos rios, também comem pamonhas de arroz glutinoso, doces ou salgados,embrulhadas em folhas de bananeira, bambu ou cana, que devem ser cozidas ao vapor e podem ser acompanhadas com vinho xionghuangjin. Os barcos aqui do Rio da Pérola estão enfeitados e muito coloridos e, com os remadores,às duas e meia, começam as corridas. O poema que transcrevemos, Li São (O Lamento), é bastante longo e evidencia o sofrimento do poeta… São as suas mais belas, derradeiras e eternas palavras, num dos mais belos momentos líricos da Humanidade…num desejo ardente e brutal de salvar o seu Reino. Os que procuram palavras têm tentado várias traduções para Li Sao e, sem grande euforia, encontraram “encountering sorrow”, “sorrow after departure” e “sorrow in shangement” para esse sentimento de choro do exilado poeta do seu reino de Chu. Venceu o Reino de Qin e o poema perdura na China, dá origem a um feriado e festejos nos rios, principalmente nos do Sul, e “Li Sao” tem aproximadamente 2.300 anos…
“/…/A prince am I of ancestry renowned, Illustrious name my royal sire hath found. When Sirius did in spring its light display, A child was born, and Tiger marked the day. When first upon my face my lord's eye glanced, For me auspicious names he straight advanced, Denoting that in me Heaven's marks divine Should with the virtues of the earth combine. With lavished innate qualities indued, By art and skill my talents I renewed; Angelic herbs and sweet selineas too, And orchids late that by the water grew, I wove for ornament; till creeping Time, Like water flowing, stole away my prime. Magnolias of the glade I plucked at dawn, At eve beside the stream took winter-thorn. Without delay the sun and moon sped fast, In swift succession spring and autumn passed; The fallen flowers lay scattered on the ground, The dusk might fall before my dream was found. /…/ Swift jade-green dragons, birds with plumage gold, I harnessed to the whirlwind, and behold, At daybreak from the land of plane-trees grey, I came to paradise ere close of day. I wished within the sacred brove to rest, But now the sun was sinking in the west; The driver of the sun I bade to stay, Ere with the setting rays we haste away. The way was long, and wrapped in gloom did seem, As I urged on to seek my vanished dream.
The dragons quenched their thirst beside the lake Where bathed the sun, whilst I upon the brake Fastened my reins; a golden bough I sought To brush the sun, and tarred there in sport. The pale moon's charioteer I then bade lead, The master of the winds swiftly succeed; Before, the royal blue bird cleared the way; The lord of thunder urged me to delay. I bade the phoenix scan the heaven wide; But vainly day and night its course it tried; The gathering whirlwinds drove it from my sight, Rushing with lowering clouds to check my flight; Sifting and merging in the firmament, Above, below, in various hues they went. /…/ Epilogue Since in that kingdom all my virtue spurn, Why should I for the royal city yearn? Wide though the world, no wisdom can be found. I'll seek the stream where once the sage was.
in "Poem by Qu Yuan", traduzido por Yang Hsien-yi e Gladys Yang
Estando neste porto a bela Armada Tomando o necessário mantimento, Para poder seguir sua jornada, E dar terceira vez o tréu ao vento; Sendo parte da noite já passada, A Virgem lá no seu retraimento, Quando estava dormindo toda a frota, Ao Cristo orou assim, branda e devota:
-Amor, divino Amor, Amor suave, Amor que amando vou toda rendida; Com quem não há na vida pena grave, Sem quem glória real não há na vida; Amor, que do meu peito tens a chave, Amor, de cujo amor sendo ferida, Quando verei, Amor, o que desejo, Para que veja, Amor, o que não vejo?
Amor, que d´amor cheio e de brandura, D´amor enches está alma saudosa; Amor, sem cujo amor e formosura, Não pode haver cousa formosa; Amor, com cujo amor anda segura Uma vida tão fraca e duvidosa, Quando verei, Amor, o que desejo, Para que veja, Amor, o que não vejo?
Amor, que por amor te dispuseste A restaurar o mundo errado e triste; Amor, que por amor do céu desceste; Amor, que por amor à Cruz subiste; Amor, que por amor a vida deste; Amor, que por amor a glória abriste, Quando verei, Amor, o que desejo, Para que veja, Amor, o que não vejo?
Amor, que mais e mais sempre te aumentas No coração que lá contigo trazes; Amor, que d´amor puro te sustentas No fogo em que tu mesmo arder me fazes; Amor, que sem amor não te contentas, De tudo com amor te satisfazes, Quando verei, Amor, o que desejo, Para que veja, Amor, o que não vejo?
Amor, que com amor me cativaste; (se livre pode ser quem não cativas) Amor, qu´em tais prisões m´asseguraste As esperanças d´antes fugitivas; Amor, que suspirando m´ensinaste A derramar por ti lágrimas vivas, Quando verei, Amor, o que desejo, Para que veja, Amor, o que não vejo?
As noções de vitória e de derrota não são tão nítidas como muitas vezes aparentam. O poeta que se suicidou por ver derrotado o reino que era o seu, venceu pela memória do poema que inscreveu no tempo uma marca maior e mais duradoura do que a vitória política obtida pelas armas. Este comentário da Deolinda fez-me lembrar um filme chinês que vi há algum tempo, chamado Poesia. A protagonista era uma avó se vê confrontada com problemas graves provocados pelo neto, que integrava um grupo que violava, de forma sistemática, uma menina que se suicidou num rio. Ao mesmo tempo, a avó estava apostada em escrever poesia, frequentando um curso de poesia para esse fim. Algo que não conseguia e lhe parecia impossível vir a conseguir. As duas histórias vão evoluindo em paralelo. No final do filme, a avó acaba por escrever um poema longo, extraordinário, exatamente quando decide suicidar-se nas águas do mesmo rio, algo que é mais insinuado do que dito e muito menos visto, mas sobre cuja realidade não subsiste qualquer dúvida. O poema é lido no curso sem a sua presença. Escreve esse poema assumindo a personalidade da menina que se suicidara nesse mesmo rio. O filme é belíssimo, um poema em si mesmo.
Em Portugal, o dia 10 de junho, atual "Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas", que já foi comemorado como "Dia da Raça", também se refere à morte do grande poeta nacional, Luís de Camões. Começou por ser feriado municipal, em Lisboa, no período republicano, no intuito de substituir as festas dos santos populares, numa tentativa de laicização dessas festas, escolhendo-se esse dia por conveniência decorrente da proximidade de calendário. Só em 1925, ainda no período da I República, foi tornado feriado nacional.
Como se vê, os objetivos da respetiva criação não foram atingidos, e o feriado acabou por ser essencialmente aproveitado pelo regime do Estado Novo, e ficaria indelevelmente ligado a esse regime, se não tivesse sido assumido pelo regime democrático que lhe conferiu uma nova feição, mais atual e adequada à nova realidade. Parece-me bem. No entanto, ao contrário do que conta a Deolinda quanto ao que se passa neste dia na China, em Portugal as comemorações resumem-se às oficiais. Mesmo assim, eu gostava muito de ouvir os discursos de Bénard da Costa, quando era ele que presidia às comemorações do 10 de junho. Tinham uma marca própria, diferente do que costumam ser os discursos oficiais. E gosto que o dia de Portugal seja o dia de um poeta.
E de Santa Úrsula, não se fala? O embarque dar-se-ia porquê? para fugir ao casamento com um pagão cuja conversão ao cristianismo aguardava? Falo sem saber; daí as interrogações.
Uma das coisas de que mais gosto em pinturas como esta é o anacronismo envolvente relativamente ao facto representado, o anacronismo da envolvência pictórica, se assim se pode dizer.
De uma fermosa Virgem desposada, Que de outras onze mil, também fermosas, Entrou no claro Olimpo acompanhada, Com coroas de lírios e rosas; De Cristo esposo seu tão namorada, Que dele as quis fazer todas esposas; Amor, vida e martírio cantar quero, Fiado no favor que dela espero.
Alcança, Úrsula bela (que diante De tão belo esquadrão foste guia), De teu suave Amor, que de ti canto, O seu amor que no teu peito ardia. Meu verso para ti mais se levante, Ó Cristífera, ó heroica companhia; Tanto se mostre aqui mais soberano, Quanto o divino Amor excede o humano!
(...) Sereníssima Infante, produzida Do grão tronco real, sublime planta; No título, nas obras e na vida, Retrato natural de Úrsula Santa, Desta Virgem também de reis nascida, Ouvi com ledo rosto o que se canta; Dai o sentido um pouco a tal sujeito: Não lhe tire o seu preço o meu defeito.
No tempo que Ciríaco se sentava Na cadeira de Pedro pescador De que com sã doutrina apacentava As ovelhas de Cristo, Bom Pastor; Teve Bretanha um Rei, que professava A Lei que deu ao mundo o Redentor, Justo e temente ao Céu, pio e devoto, Chamado Mauro duns, e doutros Noto.
De virtudes um novo exemplo e raro, Em idade e beleza florescia Úrsula, por quem Noto era mais claro Que por todo o poder que possuía; Com quem o Céu em nada quis ser avaro, Com quem todas as graças repartia; Prudente, honesta e douta maravilha, De tão ditoso pai ditosa filha. (...) Ouvidos seus louvores, muitas vezes Desejou desta virgem fazer nora Um rei que o ceptro tinha dos Ingleses, Idólatras então, cegos agora. Ó povo cego e eleve, as torpes fezes Aparta do ouro pura e lança fora, Torna-te ao teu pastor, perdido gado! Olha que vás sem ele mal guiado.
Um filho deste rei (de quem dizia Que ser de Úrsula sogro desejava) Movido do rumor que dela ouvia, Já dentro no seu peito a namorava. Ali seu amor, dele, lhe oferecia; Ali por o amor dela suspirava. Suspira ele por ela; ela suspira Também por outro amor que nunca vira.
Mandou o rei inglês embaixadores Com pompa régia e lustre sumptuoso (Do grande reino seus grandes senhores) A Noto, rei não tanto poderoso. Pediu-lhe a bela filha (que em amores Ardia toda do celeste Esposo) Pêra esposa do filho, que sabia Que já de amores dela todo ardia.
O rei bretão se achava descontente Com a nova embaixada de Inglaterra: Receia que se nela não consente, O gentio lhe mova cruel guerra: Porque sendo mais rico e potente, Assi no largo mar, como na terra, Quando desprezes visse de seu rogo, Podia pôr Bretanha a ferro e fogo.
Sobre este não errado pensamento Do medo de perder seu senhorio,~ Novo discurso tinha e novo intento, Com que se achava mais medroso e frio. Estranhava o fazer ajuntamento Da católica filha cuim gentio; Pois nem a lei de Cristo o permitia. Nem Úrsula fiel o admitiria.
Estando o pai em tal angústia posto, Divinamente a filha já inspirada, Lhe assegurava com sereno rosto Que consentir podia na embaixada; Dizendo que se o Inglês levava gosto Dela com seu herdeiro ser casada, Primeiro lhe mandasse dez donzelas, Do reino as mais ilustres, as mais belas. (...) Com estas condições Úrsula disse Ao caro pai, que, a ser delas contente, Podia responder, e despedisse A proposta daquela rei potente: Ou porque ouvindo-as ele desistisse, Podendo-se aceitar dificilmente; Ou porque, quando as virgens concedesse, Consigo a seu senhor onze mil desse. (...) Já se partem as belas peregrinas, As mãos ao claro empíreo levantadas, já rompem, já, por ondas cristalinas As naus de fermosura carregadas. Quando, dezei, ó águas neptuynianas, Fostes de tal beleza navegadas? Nunca, depois que a terra descobristes, A tal frota por vós caminho abristes.
Com vento sempre igual, com mar bonança, Sem perigos alguns, sem algum pejo, Ceila foram tomar, porto de França, Onde pouca demora fazer vejo. O coralção da Virgem não descansa, Saudosa do fim de seu desejo; Manda que levem ferro, soltem linho que leve pelo mar o negro pinho. (...)
Como só consigo dormir seis horas seguidas, respondo à pergunta retórica de Isabel que com toda a razão nos recorda Claude Lorrain e Santa Úrsula… o tema infelizmente é muito actual… a lenda medieval fala de 101 donzelas que embarcaram em Inglaterra com destino à Bretanha onde Eleutério esperava Úrsula com quem deveria casar. As outras 100 jovens destinar-se-iam aos seus soldados... mas uma tempestade desviou a embarcação até ao Rio Reno e em Colónia foram maltratadas e martirizadas por bárbaros… Claude Lorrain pintava um imaginário perfeito, pois ninguém pode comprovar nem os factos nem os detalhes em que ocorreram… É a serenidade, a cor aliada a uma simbologia em que a luz nos remete para o sagrado e para o divino. É o pintor renascentista da terra, água, ar e fogo. Com ele recordamos Oscar Wilde “a vida imita a arte muito mais que a arte imita a vida”. Onde ficou a vida de Claude Lorrain?
A Dio Florida bella, il cor piagato
A Dio Florida bella, il cor piagato nel mio partir ti lascio e porto meco la memoria di te si come seco cervo trafitto suol lo strale alato.
Caro mio Floro a Dio, l'amaro stato consoli amor del nostro viver cieco Che s'el tuo cor mi resta il mio vien teco Com'augellin che vola al cibo amato.
Così sul Tebro a lo spuntar del sole Quinci e quindi confuso un suon s'udia Di sospiri, di baci e di parole.
Ben mio rimanti in pace, e tu ben mio vattene in pace e sia quel ch'el ciel vole A Dio Floro dicea Florida, a Dio.
O Príncipe dos Poetas
ResponderEliminarÉ Qu Yaun! Nasceu no ano 340 a. C. e hoje, dia 31 de Maio, em toda a China, comemora-se o seu suicídio que ocorreu no ano 278 a. C., a 60 anos de o seu Reino passar a fazer parte do Reino Qin. O poeta afogou-se no Rio Miliu, depois de perceber que o seu Reino de Chu tinha sido ocupado e que nada podia fazer, apesar de ser conselheiro do rei,…
Conta a lenda que todos ficaram tão tristes que deitaram arroz ao rio para que os peixes não devorassem o corpo do poeta e conselheiro.
A China comemora esse dia, no calendário lunar, no dia 5 do mês 5, de cada ano. Sim, hoje mesmo, e é feriado. Hoje é o Festival do Barco do Dragão também conhecido por Duanwu. Além dos alimentos, nomeadamente arroz, que deitam aos rios, também comem pamonhas de arroz glutinoso, doces ou salgados,embrulhadas em folhas de bananeira, bambu ou cana, que devem ser cozidas ao vapor e podem ser acompanhadas com vinho xionghuangjin.
Os barcos aqui do Rio da Pérola estão enfeitados e muito coloridos e, com os remadores,às duas e meia, começam as corridas.
O poema que transcrevemos, Li São (O Lamento), é bastante longo e evidencia o sofrimento do poeta… São as suas mais belas, derradeiras e eternas palavras, num dos mais belos momentos líricos da Humanidade…num desejo ardente e brutal de salvar o seu Reino.
Os que procuram palavras têm tentado várias traduções para Li Sao e, sem grande euforia, encontraram “encountering sorrow”, “sorrow after departure” e “sorrow in shangement” para esse sentimento de choro do exilado poeta do seu reino de Chu.
Venceu o Reino de Qin e o poema perdura na China, dá origem a um feriado e festejos nos rios, principalmente nos do Sul, e “Li Sao” tem aproximadamente 2.300 anos…
“/…/A prince am I of ancestry renowned,
Illustrious name my royal sire hath found.
When Sirius did in spring its light display,
A child was born, and Tiger marked the day.
When first upon my face my lord's eye glanced,
For me auspicious names he straight advanced,
Denoting that in me Heaven's marks divine
Should with the virtues of the earth combine.
With lavished innate qualities indued,
By art and skill my talents I renewed;
Angelic herbs and sweet selineas too,
And orchids late that by the water grew,
I wove for ornament; till creeping Time,
Like water flowing, stole away my prime.
Magnolias of the glade I plucked at dawn,
At eve beside the stream took winter-thorn.
Without delay the sun and moon sped fast,
In swift succession spring and autumn passed;
The fallen flowers lay scattered on the ground,
The dusk might fall before my dream was found.
/…/
Swift jade-green dragons, birds with plumage gold,
I harnessed to the whirlwind, and behold,
At daybreak from the land of plane-trees grey,
I came to paradise ere close of day.
I wished within the sacred brove to rest,
But now the sun was sinking in the west;
The driver of the sun I bade to stay,
Ere with the setting rays we haste away.
The way was long, and wrapped in gloom did seem,
As I urged on to seek my vanished dream.
The dragons quenched their thirst beside the lake
Where bathed the sun, whilst I upon the brake
Fastened my reins; a golden bough I sought
To brush the sun, and tarred there in sport.
The pale moon's charioteer I then bade lead,
The master of the winds swiftly succeed;
Before, the royal blue bird cleared the way;
The lord of thunder urged me to delay.
I bade the phoenix scan the heaven wide;
But vainly day and night its course it tried;
The gathering whirlwinds drove it from my sight,
Rushing with lowering clouds to check my flight;
Sifting and merging in the firmament,
Above, below, in various hues they went.
/…/
Epilogue
Since in that kingdom all my virtue spurn,
Why should I for the royal city yearn?
Wide though the world, no wisdom can be found.
I'll seek the stream where once the sage was.
in "Poem by Qu Yuan", traduzido por Yang Hsien-yi e Gladys Yang
Que bela história e que belo poema! Vamos ter fotografias do barco do dragão? Gostava muito de as ver por aqui. Abraço, Deolinda. Bom fim de semana.
ResponderEliminarFazer de poetas heróis nacionais é uma tendência universal.
EliminarNão sei mostrar fotografias... mas vou aprender e mais tarde, vou postar sim...
EliminarSanta Úrsula
ResponderEliminarEstando neste porto a bela Armada
Tomando o necessário mantimento,
Para poder seguir sua jornada,
E dar terceira vez o tréu ao vento;
Sendo parte da noite já passada,
A Virgem lá no seu retraimento,
Quando estava dormindo toda a frota,
Ao Cristo orou assim, branda e devota:
-Amor, divino Amor, Amor suave,
Amor que amando vou toda rendida;
Com quem não há na vida pena grave,
Sem quem glória real não há na vida;
Amor, que do meu peito tens a chave,
Amor, de cujo amor sendo ferida,
Quando verei, Amor, o que desejo,
Para que veja, Amor, o que não vejo?
Amor, que d´amor cheio e de brandura,
D´amor enches está alma saudosa;
Amor, sem cujo amor e formosura,
Não pode haver cousa formosa;
Amor, com cujo amor anda segura
Uma vida tão fraca e duvidosa,
Quando verei, Amor, o que desejo,
Para que veja, Amor, o que não vejo?
Amor, que por amor te dispuseste
A restaurar o mundo errado e triste;
Amor, que por amor do céu desceste;
Amor, que por amor à Cruz subiste;
Amor, que por amor a vida deste;
Amor, que por amor a glória abriste,
Quando verei, Amor, o que desejo,
Para que veja, Amor, o que não vejo?
Amor, que mais e mais sempre te aumentas
No coração que lá contigo trazes;
Amor, que d´amor puro te sustentas
No fogo em que tu mesmo arder me fazes;
Amor, que sem amor não te contentas,
De tudo com amor te satisfazes,
Quando verei, Amor, o que desejo,
Para que veja, Amor, o que não vejo?
Amor, que com amor me cativaste;
(se livre pode ser quem não cativas)
Amor, qu´em tais prisões m´asseguraste
As esperanças d´antes fugitivas;
Amor, que suspirando m´ensinaste
A derramar por ti lágrimas vivas,
Quando verei, Amor, o que desejo,
Para que veja, Amor, o que não vejo?
Luís de Camões
As noções de vitória e de derrota não são tão nítidas como muitas vezes aparentam. O poeta que se suicidou por ver derrotado o reino que era o seu, venceu pela memória do poema que inscreveu no tempo uma marca maior e mais duradoura do que a vitória política obtida pelas armas.
ResponderEliminarEste comentário da Deolinda fez-me lembrar um filme chinês que vi há algum tempo, chamado Poesia. A protagonista era uma avó se vê confrontada com problemas graves provocados pelo neto, que integrava um grupo que violava, de forma sistemática, uma menina que se suicidou num rio. Ao mesmo tempo, a avó estava apostada em escrever poesia, frequentando um curso de poesia para esse fim. Algo que não conseguia e lhe parecia impossível vir a conseguir.
As duas histórias vão evoluindo em paralelo. No final do filme, a avó acaba por escrever um poema longo, extraordinário, exatamente quando decide suicidar-se nas águas do mesmo rio, algo que é mais insinuado do que dito e muito menos visto, mas sobre cuja realidade não subsiste qualquer dúvida. O poema é lido no curso sem a sua presença. Escreve esse poema assumindo a personalidade da menina que se suicidara nesse mesmo rio.
O filme é belíssimo, um poema em si mesmo.
Em Portugal, o dia 10 de junho, atual "Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas", que já foi comemorado como "Dia da Raça", também se refere à morte do grande poeta nacional, Luís de Camões.
ResponderEliminarComeçou por ser feriado municipal, em Lisboa, no período republicano, no intuito de substituir as festas dos santos populares, numa tentativa de laicização dessas festas, escolhendo-se esse dia por conveniência decorrente da proximidade de calendário. Só em 1925, ainda no período da I República, foi tornado feriado nacional.
Como se vê, os objetivos da respetiva criação não foram atingidos, e o feriado acabou por ser essencialmente aproveitado pelo regime do Estado Novo, e ficaria indelevelmente ligado a esse regime, se não tivesse sido assumido pelo regime democrático que lhe conferiu uma nova feição, mais atual e adequada à nova realidade. Parece-me bem. No entanto, ao contrário do que conta a Deolinda quanto ao que se passa neste dia na China, em Portugal as comemorações resumem-se às oficiais. Mesmo assim, eu gostava muito de ouvir os discursos de Bénard da Costa, quando era ele que presidia às comemorações do 10 de junho. Tinham uma marca própria, diferente do que costumam ser os discursos oficiais. E gosto que o dia de Portugal seja o dia de um poeta.
Confesso que para mim, o rei dos poetas é Camões... O prazer de ler Camões,...por isso a nossa língua tem tão boa saúde...
EliminarE de Santa Úrsula, não se fala? O embarque dar-se-ia porquê? para fugir ao casamento com um pagão cuja conversão ao cristianismo aguardava? Falo sem saber; daí as interrogações.
ResponderEliminarUma das coisas de que mais gosto em pinturas como esta é o anacronismo envolvente relativamente ao facto representado, o anacronismo da envolvência pictórica, se assim se pode dizer.
Afinal, graças a MC, havia um poema sobre Santa Úrsula! Mas ainda não estava visível quando escrevi o meu comentário anterior.
ResponderEliminarA Santa Úrsula
ResponderEliminarDe uma fermosa Virgem desposada,
Que de outras onze mil, também fermosas,
Entrou no claro Olimpo acompanhada,
Com coroas de lírios e rosas;
De Cristo esposo seu tão namorada,
Que dele as quis fazer todas esposas;
Amor, vida e martírio cantar quero,
Fiado no favor que dela espero.
Alcança, Úrsula bela (que diante
De tão belo esquadrão foste guia),
De teu suave Amor, que de ti canto,
O seu amor que no teu peito ardia.
Meu verso para ti mais se levante,
Ó Cristífera, ó heroica companhia;
Tanto se mostre aqui mais soberano,
Quanto o divino Amor excede o humano!
(...)
Sereníssima Infante, produzida
Do grão tronco real, sublime planta;
No título, nas obras e na vida,
Retrato natural de Úrsula Santa,
Desta Virgem também de reis nascida,
Ouvi com ledo rosto o que se canta;
Dai o sentido um pouco a tal sujeito:
Não lhe tire o seu preço o meu defeito.
No tempo que Ciríaco se sentava
Na cadeira de Pedro pescador
De que com sã doutrina apacentava
As ovelhas de Cristo, Bom Pastor;
Teve Bretanha um Rei, que professava
A Lei que deu ao mundo o Redentor,
Justo e temente ao Céu, pio e devoto,
Chamado Mauro duns, e doutros Noto.
De virtudes um novo exemplo e raro,
Em idade e beleza florescia
Úrsula, por quem Noto era mais claro
Que por todo o poder que possuía;
Com quem o Céu em nada quis ser avaro,
Com quem todas as graças repartia;
Prudente, honesta e douta maravilha,
De tão ditoso pai ditosa filha.
(...)
Ouvidos seus louvores, muitas vezes
Desejou desta virgem fazer nora
Um rei que o ceptro tinha dos Ingleses,
Idólatras então, cegos agora.
Ó povo cego e eleve, as torpes fezes
Aparta do ouro pura e lança fora,
Torna-te ao teu pastor, perdido gado!
Olha que vás sem ele mal guiado.
Um filho deste rei (de quem dizia
Que ser de Úrsula sogro desejava)
Movido do rumor que dela ouvia,
Já dentro no seu peito a namorava.
Ali seu amor, dele, lhe oferecia;
Ali por o amor dela suspirava.
Suspira ele por ela; ela suspira
Também por outro amor que nunca vira.
Mandou o rei inglês embaixadores
Com pompa régia e lustre sumptuoso
(Do grande reino seus grandes senhores)
A Noto, rei não tanto poderoso.
Pediu-lhe a bela filha (que em amores
Ardia toda do celeste Esposo)
Pêra esposa do filho, que sabia
Que já de amores dela todo ardia.
O rei bretão se achava descontente
Com a nova embaixada de Inglaterra:
Receia que se nela não consente,
O gentio lhe mova cruel guerra:
Porque sendo mais rico e potente,
Assi no largo mar, como na terra,
Quando desprezes visse de seu rogo,
Podia pôr Bretanha a ferro e fogo.
Sobre este não errado pensamento
Do medo de perder seu senhorio,~
Novo discurso tinha e novo intento,
Com que se achava mais medroso e frio.
Estranhava o fazer ajuntamento
Da católica filha cuim gentio;
Pois nem a lei de Cristo o permitia.
Nem Úrsula fiel o admitiria.
Estando o pai em tal angústia posto,
Divinamente a filha já inspirada,
Lhe assegurava com sereno rosto
Que consentir podia na embaixada;
Dizendo que se o Inglês levava gosto
Dela com seu herdeiro ser casada,
Primeiro lhe mandasse dez donzelas,
Do reino as mais ilustres, as mais belas.
(...)
Com estas condições Úrsula disse
Ao caro pai, que, a ser delas contente,
Podia responder, e despedisse
A proposta daquela rei potente:
Ou porque ouvindo-as ele desistisse,
Podendo-se aceitar dificilmente;
Ou porque, quando as virgens concedesse,
Consigo a seu senhor onze mil desse.
(...)
Já se partem as belas peregrinas,
As mãos ao claro empíreo levantadas,
já rompem, já, por ondas cristalinas
As naus de fermosura carregadas.
Quando, dezei, ó águas neptuynianas,
Fostes de tal beleza navegadas?
Nunca, depois que a terra descobristes,
A tal frota por vós caminho abristes.
Com vento sempre igual, com mar bonança,
Sem perigos alguns, sem algum pejo,
Ceila foram tomar, porto de França,
Onde pouca demora fazer vejo.
O coralção da Virgem não descansa,
Saudosa do fim de seu desejo;
Manda que levem ferro, soltem linho
que leve pelo mar o negro pinho.
(...)
Luís de Camões
Como só consigo dormir seis horas seguidas, respondo à pergunta retórica de Isabel que com toda a razão nos recorda Claude Lorrain e Santa Úrsula… o tema infelizmente é muito actual… a lenda medieval fala de 101 donzelas que embarcaram em Inglaterra com destino à Bretanha onde Eleutério esperava Úrsula com quem deveria casar. As outras 100 jovens destinar-se-iam aos seus soldados... mas uma tempestade desviou a embarcação até ao Rio Reno e em Colónia foram maltratadas e martirizadas por bárbaros…
ResponderEliminarClaude Lorrain pintava um imaginário perfeito, pois ninguém pode comprovar nem os factos nem os detalhes em que ocorreram… É a serenidade, a cor aliada a uma simbologia em que a luz nos remete para o sagrado e para o divino. É o pintor renascentista da terra, água, ar e fogo. Com ele recordamos Oscar Wilde “a vida imita a arte muito mais que a arte imita a vida”. Onde ficou a vida de Claude Lorrain?
A Dio Florida bella, il cor piagato
A Dio Florida bella, il cor piagato
nel mio partir ti lascio e porto meco
la memoria di te si come seco
cervo trafitto suol lo strale alato.
Caro mio Floro a Dio, l'amaro stato
consoli amor del nostro viver cieco
Che s'el tuo cor mi resta il mio vien teco
Com'augellin che vola al cibo amato.
Così sul Tebro a lo spuntar del sole
Quinci e quindi confuso un suon s'udia
Di sospiri, di baci e di parole.
Ben mio rimanti in pace, e tu ben mio
vattene in pace e sia quel ch'el ciel vole
A Dio Floro dicea Florida, a Dio.
Giambattista Marino (1569 - 1625)