A cafetaria Soraya
Este estabelecimento, designado oficialmente como "café", situa-se no centro histórico de Vila Nova de Gaia, mais precisamente na zona ribeirinha.
O seu interior é de dimensões bastante reduzidas, cabendo aí apenas duas mesas de quatro lugares.
[...] À falta de clientes que se faz sentir aos dias de semana junta-se também o facto de serem quase sempre os mesmos a frequentarem este espaço, com a excepção de raras situações.
Pelo contrário, aos fins de semana e feriados o estabelecimento é bastante mais concorrido, nomeadamente ao domingo, incidindo nestes dias da semana o maior dinamismo da clientela. De registar que aos domingos, durante o período da manhã e especialmente antes do almoço, a afluência das pessoas é enorme. Trata-se, na sua maioria, de clientes semanais que provêm dos mais variados locais do norte do país, para beberem o vinho do Porto que aqui é servido - note-se que, em média, a sua maioria ingere uma garrafa de vinho do Porto que partilham uns com os outros. Esta realidade acutilante repercute-se nos lucros da casa, uma vez que é voz corrente que ao domingo de manhã de ganha para o resto da semana.
O volume de clientes é de tal ordem elevado, ao domingo de manhã - não só na Soraya mas em estabelecimentos idênticos e contíguos -, que se torna impossível contabilizá-los. Ainda assim, e tentando uma pequena aproximação, dir-se-ia que habitualmente estão presentes 40 a 50 indivíduos entre o minúsculo espaço interior, o passeio imediatamente a seguir e ainda uma certa expansão dos clientes pelo passeio oposto, posicionando-se em redor dos carros, de caixas de fruta vazias ou mesmo dos tubos de obras onde colocam os cálices de vinho do Porto - as "buchas" de pão e queijo também lá adquirido, uma carrinha que se posiciona enfrente dos estabelecimentos, os aperitivos, e não raro a própria garrafa de vinho do Porto.
[...] São visíveis relacionamentos muito animados, muito vivos e muito calorosos, entre os clientes do mesmo grupo. À mesma mesa sentam-se todos quantos lá cabem, com o seu cálice de vinho do Porto e frequentemente um pratinho de aperitivos ou queijo. Como as mesas são em número reduzido, encontram-se muitos grupinhos em pé, em volta, por exemplo, de um caixote a servir de mesa, ou de um banco emprestado por uma das lojas, onde rapidamente improvisam uma mesa. Também nestes casos a conversa é animada e solta e os relacionamentos parecem facilitados pela proximidade, senão social pelo menos física. Aliás a proximidade física facilita o outro tipo de proximidade, mas entendida como real e vivida entre iguais.
Dulce Magalhães, Vinhos: Arte e Manhas em Consumos Sociais. Apreensão de Uma Prática Sociocultural em Contexto de Mudanca. Porto, Edições Afrontamento, 2010, p. 127-132
Soneto do Vinho
ResponderEliminarEm que reino, em que século, sob que silenciosa
Conjugação dos astros, em que dia secreto
Que o mármore não salvou, surgiu a valorosa
E singular ideia de inventar a alegria?
Com outonos de ouro a inventaram.
O vinho flui rubro ao longo das gerações
Como o rio do tempo e no árduo caminho
Nos invada a música, seu fogo e seus leões.
Na noite do júbilo ou na jornada adversa
Exalta a alegria ou mitiga o espanto
E a exaltação nova que este dia lhe canto
Outrora a cantaram o árabe e o persa.
Vinho, ensina-me a arte de ver minha própria história
Como se esta já fora cinza na memória.
Jorge Luís Borges
A viagem de comboio tinha um cunho espirituoso. Sempre se encontravam pessoas raras, porque a província preservava o indivíduo e conservava o seu dialeto e os seus costumes. Eram recoveiras, caixeiros-viajantes, gente do negócio e do contrabando, estudantes em férias ou que as tinham terminado, padres e professores; e um sem número de passageiros precavidos com um farnel de pombos estufados em vinho do Porto e cavacas de Resende. Comida de gente regalada e antiga como havia na província profunda. (...)
ResponderEliminarO comboio sempre me pareceu ter qualquer coisa de profético. Abria-se a portinhola duma carruagem e imediatamente se abria na imaginação um processo romanesco. Tratávamos de divisar os passageiros e explorar a réstia de conforto que podíamos partilhar. Era o prelúdio duma viagem que podia ser o primeiro capítulo duma história. (...)
Agustina de Bessa-Luís, in As Estações da Vida, Lisboa, Quetzal, 2002
(Se não for oportuno, não publiques, s.f.f.)
ResponderEliminarVINHOS NACIONAIS APROXIMAM-SE DOS IMPORTADORES CHINESES
Press Release ViniPortugal - China 22/5/2014
"24 produtores nacionais têm encontro marcado com 60 empresas de importação e distribuição chinesas no próximo dia 03 de Junho, no Le Royal Meridien Shanghai, entre as 13h30 e as 20h. O Find Importer Event, promovido pela ViniPortugal, vai apresentar os vinhos nacionais a importadores e distribuidores do mercado chinês, alargar os canais de distribuição existentes e potenciar a criação de oportunidades.
O Find Importer Event foi projectado pela ViniPortugal após a realização de um estudo exaustivo junto de um grupo de 60 empresas de distribuição e importação, sediadas em Xangai, com o propósito de conhecer o perfil empresarial das empresas, monitorizar o nível de conhecimento dos vinhos, castas e regiões portuguesas e identificar segmentos de vinhos que mais interesse poderiam suscitar. A oferta foi direcionada indo ao encontro do que estas empresas procuravam. O estudo foi conduzido por uma equipa de 10 pessoas incluindo a Huiquin Ma, uma reputada especialista de vinho chinesa e Professora na Universidade de Agricultura de Pequim. Após a análise/pesquisa Huiquin Ma foi convidada a visitar Portugal onde provou e selecionou a lista final de vinhos a participar, conforme os requisitos identificados junto dessas mesmas 60 empresas de importação e distribuição.
Aos importadores e distribuidores chineses serão apresentados mais de 100 vinhos que representam variadas regiões portuguesas. O programa do evento integrará provas e reuniões presenciais entre o trade local e os produtores nacionais, cruciais para potenciar a criação de ligações e oportunidades de negócio. O Find Importer Event será finalizado com um jantar volante entre os vários participantes.
Jorge Monteiro, presidente da ViniPortugal, afirma “A China é o quinto principal mercado dos vinhos nacionais, fora do espaço europeu. Os vinhos portugueses devem afirmar-se e competir neste mercado pela diferença e devem ser potenciados momentos de aproximação aos principais públicos e líderes de opinião deste mercado, fortalecendo o conhecimento e a notoriedade dos vinhos portugueses.” "
CORVO
ResponderEliminarQuê? À porta duma tasca?
Onde a tristeza bata
Ou a poesia se enfrasca?
De lendas não sei.
Outro, o destino que busquei.
"Hoje, como me oprimisse a sensação do corpo aquela angústia antiga que por vezes extravasa, não comi bem, nem bebi o costume, no restaurante ou casa de pasto, em cuja sobreloja baseio a continuação da minha existência. E, como , ao sair eu, o criado verificasse que a garrafa de vinho ficara em meio, voltou-se para mim e disse: "Até logo, sr. Soares, e desejo as melhoras."
Ao toque de clarim desta frase simples a minha alma aliviou-se como se num céu de nuvens o vento de repente as afastasse. E então reconheci o que nunca claramente reconhecera, que nestes criados de café e de restaurante, nos barbeiros, nos moços de frete das esquinas, eu tenho uma simpatia espontânea, natural, que não posso orgulhar-me de receber dos que privam comigo em maior intimidade, impropriamente dita...
A fraternidade tem subtilezas.
Uns governam o mundo, outros são o mundo. Entre um milionário americano, um César ou Napoleão, ou Lenine, e o chefe socialista da aldeia - não há diferença de qualidade, mas apenas de quantidade. Abaixo destes estamos nós, os amorfos, o dramaturgo atabalhoado William Shakespeare, o mestre-escola John Milton, o vadio Dante Alighieri, o moço de fretes que me fez ontem o recado, eu, o barbeiro que me conta anedotas, o criado que acaba de me fazer a fraternidade de me desejar aquelas melhoras, por eu não ter bebido senão metade do vinho.
Fernando Pessoa, LIVRO DO DESASSOSSEGO - COMPOSTO POR BERNARDO SOARES, AJUDANTE DE GUARDA-LIVROS NA CIDADE DE LISBOA, Lisboa, Assírio & Alvim, 2013, p. 65.
Tem manhas, sim, a ingestão de vinhos em meio social, principalmente entre as mulheres.
ResponderEliminarHá alguns anos atrás (não sei quantos, nunca os conto) conhecia uma senhora que, sempre que ia ao "café", pedia um "chá". Serviam-lhe então uma chávena de "chá" que tinha a particularidade de não fumegar. Dentro da chávena, vinho branco. Assisti diversas vezes à situação. Passava-se na cidade onde vivo. Depois dessas ingestões, atravessava, afoita, as ruas das Caldas da Rainha, sem reparar no trânsito, que lá lhe ia dando "prioridade" conforme podia.
Num desses dias, durante uma dessas incursões, morreu. Como a todos nos há de acontecer... um dia. Espero que longínquo, e em circunstâncias diferentes.
Esta história passada em Vila Nova de Gaia é tanto mais interessante quanto inusitada, dada a exiguidade do lugar. Criou-se uma prática, suscetível de ganhar adeptos, e com ela uma identidade. Há laços difíceis de quebrar, principalmente os que se alicerçam na celebração (ou na adição?), bebendo vinho. E assim o lugar impõe-se.
ResponderEliminarJá Fernando Pessoa dizia, a propósito de um amigo que o convidava para o Abel Pereira da Fonseca, que "não estimava beber sozinho". Quem estimará?
Já uma vez ouvi uma outra história de alguém que se colocava estrategicamente à frente de um espelho quando bebia, para ter a ilusão de o fazer acompanhado, numa espécie de desdobramento de si, muito conveniente naquelas circunstâncias.
Bem faziam os gregos que pensavam os seus deuses em relação com os homens e, completando-lhes a respetiva natureza, conferiam a esta espécie de práticas um caráter sagrado ou mesmo divino.
Da opção cultural entre Apolo e Diónisos nos fala Nietzsche, na Origem da Tragédia, dizendo: "Contrariamente aos que se aplicam a fazer derivar as artes de um princípio único, princípio que seria a nascente da vida necessária a toda a obra de arte, contemplo eu duas divindades artísticas dos Gregos, Apolo e Diónisos, e nelas reconheço os representantes vivos e evidentes de dois mundos de arte que diferem essencialmente nas respetivas essências e nos respetivos fuins. Apolo ergue-se em frente de mim como génio do princípio da individuação, aquele que pode realmente suscitar a felicidade liberatriz na aparência transfigurada; ao passo que pelos gritos de júbilo de Diónisos se quebra o jugo da individuação e se abre novo caminho para as causas geradoras do Ser, para o fundo mais secreto das coisas."
- Nietzsche, A Origem da Tragédia (1982), Lisboa, Guimarães Editores (p.117)
O Vinho da Crimeia
ResponderEliminarEntre cabras vivia numa aldeia em Dolna Solar, no sudeste da Crimeia, um discípulo de Avicena, médico e curandeiro, que sabia de magia, de ervas e também das leis do movimento dos corpos celestes. Apenas por generosidade, dava sábios conselhos médicos e tinha talento para receitar e curar os seus habitantes e por isso, tratavam-no por médico, apesar das suas competências não se limitarem à prática da medicina. Na sua terra, estudou viticultura e depois de alguns anos de trabalho, conseguiu duas castas raras de uvas e com elas preparou uma preciosa bebida cor de vinho muito escuro, como jóias mágicas. Com esse vinho, ele realizava milagres, restituindo vida aos pacientes sem esperança.
Um dia, para essa terra distante, escondida e encantadora, a Crimeia, veio um Coronel, perseguido por intrigas na corte. O Coronel era, por natureza, um homem corajoso e amargado, tendo arriscado a vida muitas vezes. Tinha uma casa bonita, entre as montanhas e florestas, no Mar Negro e passava a vida a caçar, conversando muito com o inteligente médico. Um dia, à caça do javali, o coronel levou um tiro e ficou gravemente ferido. Sangrando muito, foi levado para casa do seu amigo médico pelos caçadores. O médico não se encontrava em casa naquele momento, e os vizinhos aconselharam os caçadores a pôr o tal vinho miraculoso na ferida do Coronel. E também com a intenção de o curar, deram-lhe a beber um jarro cheio da mágica bebida. O milagre aconteceu e o Coronel abriu os olhos, sentando-se... Mas o jarro era muito grande. A ferida também se curou e como, por encanto, o Coronel recuperou a força, mas a sua cabeça andava à roda e nem conseguia ver… Intoxicado pelo vinho, sem querer, quando o médico chegou, o Coronel matou-o, pois viu-o como um inimigo no campo de batalha. Quando se recuperou da bebida, teve um desgosto muito grande e nunca mais se esqueceu do que lhe acontecera. Fez uma promessa de nunca mais beber nem uma gota de vinho. Os habitantes resolveram homenagear o seu querido médico e amigo, pondo o nome de ambos às castas das videiras, eternizando assim esta história. Uma das castas chamava-se "Ekim kara" - "Black Doctor " e a outra - " Dzhevat kara" - "Black Coronel " .
Há muitas lendas sobre o vinho e as suas propriedades destrutivas e simultaneamente curativas, produzindo efeitos semelhantes ao veneno e ao mel. Estas variedades crescem e mantêm o sabor e as propriedades medicinais apenas num único solo e zona climática, Dolna Solar, na Crimeia. Quando levadas para outros lugares e regiões, as variedades podem ter grande qualidade, mas também perdem algumas que são exclusivas daquela zona.
Pela primeira vez, os especialistas, produtores de vinho, produziram a variedade de vinho "Black Doctor" que foi testado entre 1933 e 1944. Em 1940 o vinho da colheita de 1939, da aldeia Kozy, foi elogiado numa prova nacional de vinhos em Moscovo. Como muitos outros vinhos tintos, "Black Doctor" tem um efeito radioprotector , é um alimento rico em vitamina P. Contém vitaminas B1, B2, B6, B12, ácidos orgânicos raros e substâncias biologicamente activas . De acordo com a antiga lenda, o vinho deve ser bebido quando há perda de sangue, de força e quando há cansaço. Aos soldados que voltavam do campo de batalha, era-lhes permitido beber, e também lavavam as feridas com o vinho. Possui propriedades bactericidas elevadas e, por essa razão,"Black Doctor" contribui para uma rápida cicatrização.
Estes vinhos devem ser bebidos como aperitivo ou como vinhos de sobremesa, com moderação.
Nadezhda Ivashova,
Universidade Federal dos Urais, Ekaterinburgo, Federação Russa,
Faculdade de Filologia. Cursos Internacionais
(Docente de Russo e Latim, especialista em lexicografia)
Informação in Almanaque de Vinhos Russos (Российский альманах вин)
Tradução de Nadezhda Ivashova e de Deolinda Barros