quinta-feira, 8 de maio de 2014

Lugares extraordinários: viagem às Berlengas (1)
















8 comentários:

  1. Passei o Dia Ouvindo o que o Mar Dizia

    Eu hontem passei o dia
    Ouvindo o que o mar dizia.

    Chorámos, rimos cantámos.

    Fallou-me do seu destino,
    Do seu fado...

    Depois, para se alegrar,
    Ergueu-se, e bailando,e rindo,
    Poz-se a cantar
    Um canto molhado e lindo.

    O seu hálito perfuma,
    E o seu perfume faz mal!

    Deserto de aguas sem fim.

    Ó sepultura da minha raça
    Quando me guardas a mim?...

    Elle afastou-se calado;
    Eu afastei-me mais triste,
    Mais doente, mais cansado...

    Ao longe o Sol na agonia
    de rôxo as aguas tingia.

    «Voz do mar, mysteriosa;
    Voz do amôr e da verdade!
    - Ó voz moribunda e dôce
    Da minha grande Saudade!
    Voz amarga de quem fica,
    Trémula voz de quem parte...»

    E os poetas a cantar
    São echos da voz do mar!

    António Botto, in Canções

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  2. A arte tem preço? Os olhares como fazem para serem tão azuis?! Obrigada, nunca fui às Berlengas e mereço...penso!

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  3. Mereces sim. As Berlengas merecem a tua visita!

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  4. "Todavia, dizia de si para si, desde a alvorada dos tempos que se têm entoado odes ao amor; se têm acumulado grinaldas e rosas; e, se se perguntasse, nove de entre dez pessoas declarariam que nada mais desejavam senão isso mesmo; enquanto as mulheres, a avaliar pela sua própria experiência, a todo o instante sentiriam Não era isto que eu queria; nada existe de mais enfadonho, de mais pueril, de mais desumano do que o amor; todavia é também belo e necessário."

    Virgínia Woolf, in Rumo ao Farol

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    1. Sextina
      Tanto de amor se disse que não sei
      Como dizer que amor é outra coisa
      Que nem só o teu corpo me fez rei
      Nem tua alma só me deu a rosa
      Tanto se disse menos o dizer
      Esta paixão que é de todo o ser

      E ao fim do ser ainda a outra coisa
      Mais do que corpo e alma e ser não ser
      Como entre vida e morte e sexo e rosa
      Um morrer e um nascer. Como dizer
      Este reino em que sou o servo e o rei
      Como dizer se tanto e ainda não sei

      Como dizer este Elsenor sem rei
      Se tanto disse menos o dizer
      Esta paixão que sabe o que não sei
      Em Elsenor de ser e de não ser
      Senão que amor ainda é outra coisa
      Como entre o corpo e a morte o anjo e a rosa

      Como dizer do sexo a alma e a rosa
      Se amor é mais que ter e mais que ser
      Um morrer ou nascer ou outra coisa
      Entre a vida e a morte e um não dizer
      Senão que disse tanto e ainda não sei
      Como dizer de amor se servo ou rei

      Se disse tanto menos o dizer
      Esta paixão da alma que não sei
      Se é o sexo ou seu anjo ou só o ser
      Entre a vida e a morte o breve rei
      Deste reino que fica à beira-rosa
      Do teu corpo onde amor é outra coisa

      Como dizer de amor ser e não ser
      Se amor mais do que amor é outra coisa
      Mais do que ser e ter mais que dizer
      Um morrer e nascer entre anjo e rosa
      Ou entre o corpo e a alma o servo e o rei
      Como dizer se tanto e ainda não sei

      Manuel Alegre, in "Chegar Aqui"

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  5. As formigas e as rãs
    “O mundo está dentro de mim”, escreveu Paulina Chiziane, a propósito de Rami.
    Cada dia me sinto mais inteira. Cresci tanto que encho a casa toda… Já sei até que hoje vai chover imenso… andava a ameaçar mas agora ficou muito escuro e as ramagens começaram a ouvir-se. Fico muito contente quando chove copiosamente. A terra precisa de água, sobretudo esta terra que procria tanto. Nesta altura do ano, há muitas flores, muita vegetação e muitas mulheres hão-de dar à luz.
    Continuo a tentar desvendar este mundo enovelado… que trago comigo. Hoje aconteceu um incidente que me perturbou e que não consigo interpretar com precisão… sei que agora, facilmente as lágrimas acontecem… não ria nem chorava nunca… nunca… e agora choro e rio e nem sei se isso é bom… fiquei muito perturbada… recuei no tempo… para mim havia a infância, o dia do meu casamento, o dia do nascimento dos meus filhos e um presente cheio de afazeres domésticos, profissionais, académicos… O meu currículo mostra que dormia muito pouco… o meu dia começava às seis da manhã e acabava a altas horas… e fazia de tudo… não tinha tempo para recordar nada e até nem gostava muito… um amigo chamava-me “formiguinha” e queria que eu trocasse os meus afazeres irremediavelmente inadiáveis, pelos seus jantares e tertúlias… Poucas vezes o fiz…
    Mas hoje, fascinada pela redescoberta do FB, resolvi procurar dois sítios e num deles, como por magia, havia uma fotografia onde eu estava, tirada há mais de 40 anos… com alunos… olho-me e vejo-me tão pequenina como as alunas que me rodeiam, tão indefesa na minha bata obrigatoriamente branca…, tão distante daquele lugar que me custou quase a vida, tão voluntariamente atirada para a guerra… que não resisti… (tenho feito aqui, nesta casa e nesta China, as minhas curas…). Li os comentários dos que tiveram que abandonar Angola que suponham sua… Como pode um povo, feito de vivências tão diversas, ter uma só vontade? Como pode um povo “que deixou a vida pelo mundo em pedaços repartida“ querer algo, se já se habituou à efemeridade e ao transitório? Como pode se somos muitos os tão diversamente estrangeirados? Drummond explicava que no elevador pensava na roça e na roça pensava no elevador…. Quando sair daqui, por opção ou não, que vontades terei? É importante aceitar que tive muitas vidas, igualmente vividas com muitas pessoas de quem gosto e que todos e eu continuamos a existir, pelo menos dentro de mim…
    Terei que encarar, na minha partida, a minha chegada e o que disse Pessoa, que sabia muito de si e por isso era tão contraditório,…tenho que reagir como se ”não tivesse mais irmandade com as coisas
    Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
    A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
    De dentro da minha cabeça,
    E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.”
    Recomponho-me, voltando a Camões. Mais do que a emoção de olhar-me é ler Camões… que lindeza… nunca publiquei nada porque sempre acompanhei os maiores e com eles ao lado sou mesmo essa formiguinha de que falava francamente o meu amigo…Mas, e somos mais que formigas?!
    Afinal, recomposta totalmente, tenho uma prioridade, sim,… mais papéis, outros! Enquanto isso, as rãs coaxam lá fora. Hoje, com mais insistência…
    Sorrio e, sílaba a sílaba, sussurro, devo ser mesmo uma formiga !!!

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  6. Obrigado, Deolinda. Este texto não pode deixar de suscitar emoção e uma imensa curiosidade. Começo a entender porque falaste em há tempos em "reivenção" de ti própria. Um longo (mas não distante) abraço.

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  7. Agradecida pelo que dizes sobre o texto. A arte ajuda e este blogue também. Retribuo o abraço.

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