Depois, para se alegrar, Ergueu-se, e bailando,e rindo, Poz-se a cantar Um canto molhado e lindo.
O seu hálito perfuma, E o seu perfume faz mal!
Deserto de aguas sem fim.
Ó sepultura da minha raça Quando me guardas a mim?...
Elle afastou-se calado; Eu afastei-me mais triste, Mais doente, mais cansado...
Ao longe o Sol na agonia de rôxo as aguas tingia.
«Voz do mar, mysteriosa; Voz do amôr e da verdade! - Ó voz moribunda e dôce Da minha grande Saudade! Voz amarga de quem fica, Trémula voz de quem parte...»
"Todavia, dizia de si para si, desde a alvorada dos tempos que se têm entoado odes ao amor; se têm acumulado grinaldas e rosas; e, se se perguntasse, nove de entre dez pessoas declarariam que nada mais desejavam senão isso mesmo; enquanto as mulheres, a avaliar pela sua própria experiência, a todo o instante sentiriam Não era isto que eu queria; nada existe de mais enfadonho, de mais pueril, de mais desumano do que o amor; todavia é também belo e necessário."
Sextina Tanto de amor se disse que não sei Como dizer que amor é outra coisa Que nem só o teu corpo me fez rei Nem tua alma só me deu a rosa Tanto se disse menos o dizer Esta paixão que é de todo o ser
E ao fim do ser ainda a outra coisa Mais do que corpo e alma e ser não ser Como entre vida e morte e sexo e rosa Um morrer e um nascer. Como dizer Este reino em que sou o servo e o rei Como dizer se tanto e ainda não sei
Como dizer este Elsenor sem rei Se tanto disse menos o dizer Esta paixão que sabe o que não sei Em Elsenor de ser e de não ser Senão que amor ainda é outra coisa Como entre o corpo e a morte o anjo e a rosa
Como dizer do sexo a alma e a rosa Se amor é mais que ter e mais que ser Um morrer ou nascer ou outra coisa Entre a vida e a morte e um não dizer Senão que disse tanto e ainda não sei Como dizer de amor se servo ou rei
Se disse tanto menos o dizer Esta paixão da alma que não sei Se é o sexo ou seu anjo ou só o ser Entre a vida e a morte o breve rei Deste reino que fica à beira-rosa Do teu corpo onde amor é outra coisa
Como dizer de amor ser e não ser Se amor mais do que amor é outra coisa Mais do que ser e ter mais que dizer Um morrer e nascer entre anjo e rosa Ou entre o corpo e a alma o servo e o rei Como dizer se tanto e ainda não sei
As formigas e as rãs “O mundo está dentro de mim”, escreveu Paulina Chiziane, a propósito de Rami. Cada dia me sinto mais inteira. Cresci tanto que encho a casa toda… Já sei até que hoje vai chover imenso… andava a ameaçar mas agora ficou muito escuro e as ramagens começaram a ouvir-se. Fico muito contente quando chove copiosamente. A terra precisa de água, sobretudo esta terra que procria tanto. Nesta altura do ano, há muitas flores, muita vegetação e muitas mulheres hão-de dar à luz. Continuo a tentar desvendar este mundo enovelado… que trago comigo. Hoje aconteceu um incidente que me perturbou e que não consigo interpretar com precisão… sei que agora, facilmente as lágrimas acontecem… não ria nem chorava nunca… nunca… e agora choro e rio e nem sei se isso é bom… fiquei muito perturbada… recuei no tempo… para mim havia a infância, o dia do meu casamento, o dia do nascimento dos meus filhos e um presente cheio de afazeres domésticos, profissionais, académicos… O meu currículo mostra que dormia muito pouco… o meu dia começava às seis da manhã e acabava a altas horas… e fazia de tudo… não tinha tempo para recordar nada e até nem gostava muito… um amigo chamava-me “formiguinha” e queria que eu trocasse os meus afazeres irremediavelmente inadiáveis, pelos seus jantares e tertúlias… Poucas vezes o fiz… Mas hoje, fascinada pela redescoberta do FB, resolvi procurar dois sítios e num deles, como por magia, havia uma fotografia onde eu estava, tirada há mais de 40 anos… com alunos… olho-me e vejo-me tão pequenina como as alunas que me rodeiam, tão indefesa na minha bata obrigatoriamente branca…, tão distante daquele lugar que me custou quase a vida, tão voluntariamente atirada para a guerra… que não resisti… (tenho feito aqui, nesta casa e nesta China, as minhas curas…). Li os comentários dos que tiveram que abandonar Angola que suponham sua… Como pode um povo, feito de vivências tão diversas, ter uma só vontade? Como pode um povo “que deixou a vida pelo mundo em pedaços repartida“ querer algo, se já se habituou à efemeridade e ao transitório? Como pode se somos muitos os tão diversamente estrangeirados? Drummond explicava que no elevador pensava na roça e na roça pensava no elevador…. Quando sair daqui, por opção ou não, que vontades terei? É importante aceitar que tive muitas vidas, igualmente vividas com muitas pessoas de quem gosto e que todos e eu continuamos a existir, pelo menos dentro de mim… Terei que encarar, na minha partida, a minha chegada e o que disse Pessoa, que sabia muito de si e por isso era tão contraditório,…tenho que reagir como se ”não tivesse mais irmandade com as coisas Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada De dentro da minha cabeça, E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.” Recomponho-me, voltando a Camões. Mais do que a emoção de olhar-me é ler Camões… que lindeza… nunca publiquei nada porque sempre acompanhei os maiores e com eles ao lado sou mesmo essa formiguinha de que falava francamente o meu amigo…Mas, e somos mais que formigas?! Afinal, recomposta totalmente, tenho uma prioridade, sim,… mais papéis, outros! Enquanto isso, as rãs coaxam lá fora. Hoje, com mais insistência… Sorrio e, sílaba a sílaba, sussurro, devo ser mesmo uma formiga !!!
Obrigado, Deolinda. Este texto não pode deixar de suscitar emoção e uma imensa curiosidade. Começo a entender porque falaste em há tempos em "reivenção" de ti própria. Um longo (mas não distante) abraço.
Passei o Dia Ouvindo o que o Mar Dizia
ResponderEliminarEu hontem passei o dia
Ouvindo o que o mar dizia.
Chorámos, rimos cantámos.
Fallou-me do seu destino,
Do seu fado...
Depois, para se alegrar,
Ergueu-se, e bailando,e rindo,
Poz-se a cantar
Um canto molhado e lindo.
O seu hálito perfuma,
E o seu perfume faz mal!
Deserto de aguas sem fim.
Ó sepultura da minha raça
Quando me guardas a mim?...
Elle afastou-se calado;
Eu afastei-me mais triste,
Mais doente, mais cansado...
Ao longe o Sol na agonia
de rôxo as aguas tingia.
«Voz do mar, mysteriosa;
Voz do amôr e da verdade!
- Ó voz moribunda e dôce
Da minha grande Saudade!
Voz amarga de quem fica,
Trémula voz de quem parte...»
E os poetas a cantar
São echos da voz do mar!
António Botto, in Canções
A arte tem preço? Os olhares como fazem para serem tão azuis?! Obrigada, nunca fui às Berlengas e mereço...penso!
ResponderEliminarMereces sim. As Berlengas merecem a tua visita!
ResponderEliminar"Todavia, dizia de si para si, desde a alvorada dos tempos que se têm entoado odes ao amor; se têm acumulado grinaldas e rosas; e, se se perguntasse, nove de entre dez pessoas declarariam que nada mais desejavam senão isso mesmo; enquanto as mulheres, a avaliar pela sua própria experiência, a todo o instante sentiriam Não era isto que eu queria; nada existe de mais enfadonho, de mais pueril, de mais desumano do que o amor; todavia é também belo e necessário."
ResponderEliminarVirgínia Woolf, in Rumo ao Farol
Sextina
EliminarTanto de amor se disse que não sei
Como dizer que amor é outra coisa
Que nem só o teu corpo me fez rei
Nem tua alma só me deu a rosa
Tanto se disse menos o dizer
Esta paixão que é de todo o ser
E ao fim do ser ainda a outra coisa
Mais do que corpo e alma e ser não ser
Como entre vida e morte e sexo e rosa
Um morrer e um nascer. Como dizer
Este reino em que sou o servo e o rei
Como dizer se tanto e ainda não sei
Como dizer este Elsenor sem rei
Se tanto disse menos o dizer
Esta paixão que sabe o que não sei
Em Elsenor de ser e de não ser
Senão que amor ainda é outra coisa
Como entre o corpo e a morte o anjo e a rosa
Como dizer do sexo a alma e a rosa
Se amor é mais que ter e mais que ser
Um morrer ou nascer ou outra coisa
Entre a vida e a morte e um não dizer
Senão que disse tanto e ainda não sei
Como dizer de amor se servo ou rei
Se disse tanto menos o dizer
Esta paixão da alma que não sei
Se é o sexo ou seu anjo ou só o ser
Entre a vida e a morte o breve rei
Deste reino que fica à beira-rosa
Do teu corpo onde amor é outra coisa
Como dizer de amor ser e não ser
Se amor mais do que amor é outra coisa
Mais do que ser e ter mais que dizer
Um morrer e nascer entre anjo e rosa
Ou entre o corpo e a alma o servo e o rei
Como dizer se tanto e ainda não sei
Manuel Alegre, in "Chegar Aqui"
As formigas e as rãs
ResponderEliminar“O mundo está dentro de mim”, escreveu Paulina Chiziane, a propósito de Rami.
Cada dia me sinto mais inteira. Cresci tanto que encho a casa toda… Já sei até que hoje vai chover imenso… andava a ameaçar mas agora ficou muito escuro e as ramagens começaram a ouvir-se. Fico muito contente quando chove copiosamente. A terra precisa de água, sobretudo esta terra que procria tanto. Nesta altura do ano, há muitas flores, muita vegetação e muitas mulheres hão-de dar à luz.
Continuo a tentar desvendar este mundo enovelado… que trago comigo. Hoje aconteceu um incidente que me perturbou e que não consigo interpretar com precisão… sei que agora, facilmente as lágrimas acontecem… não ria nem chorava nunca… nunca… e agora choro e rio e nem sei se isso é bom… fiquei muito perturbada… recuei no tempo… para mim havia a infância, o dia do meu casamento, o dia do nascimento dos meus filhos e um presente cheio de afazeres domésticos, profissionais, académicos… O meu currículo mostra que dormia muito pouco… o meu dia começava às seis da manhã e acabava a altas horas… e fazia de tudo… não tinha tempo para recordar nada e até nem gostava muito… um amigo chamava-me “formiguinha” e queria que eu trocasse os meus afazeres irremediavelmente inadiáveis, pelos seus jantares e tertúlias… Poucas vezes o fiz…
Mas hoje, fascinada pela redescoberta do FB, resolvi procurar dois sítios e num deles, como por magia, havia uma fotografia onde eu estava, tirada há mais de 40 anos… com alunos… olho-me e vejo-me tão pequenina como as alunas que me rodeiam, tão indefesa na minha bata obrigatoriamente branca…, tão distante daquele lugar que me custou quase a vida, tão voluntariamente atirada para a guerra… que não resisti… (tenho feito aqui, nesta casa e nesta China, as minhas curas…). Li os comentários dos que tiveram que abandonar Angola que suponham sua… Como pode um povo, feito de vivências tão diversas, ter uma só vontade? Como pode um povo “que deixou a vida pelo mundo em pedaços repartida“ querer algo, se já se habituou à efemeridade e ao transitório? Como pode se somos muitos os tão diversamente estrangeirados? Drummond explicava que no elevador pensava na roça e na roça pensava no elevador…. Quando sair daqui, por opção ou não, que vontades terei? É importante aceitar que tive muitas vidas, igualmente vividas com muitas pessoas de quem gosto e que todos e eu continuamos a existir, pelo menos dentro de mim…
Terei que encarar, na minha partida, a minha chegada e o que disse Pessoa, que sabia muito de si e por isso era tão contraditório,…tenho que reagir como se ”não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.”
Recomponho-me, voltando a Camões. Mais do que a emoção de olhar-me é ler Camões… que lindeza… nunca publiquei nada porque sempre acompanhei os maiores e com eles ao lado sou mesmo essa formiguinha de que falava francamente o meu amigo…Mas, e somos mais que formigas?!
Afinal, recomposta totalmente, tenho uma prioridade, sim,… mais papéis, outros! Enquanto isso, as rãs coaxam lá fora. Hoje, com mais insistência…
Sorrio e, sílaba a sílaba, sussurro, devo ser mesmo uma formiga !!!
Obrigado, Deolinda. Este texto não pode deixar de suscitar emoção e uma imensa curiosidade. Começo a entender porque falaste em há tempos em "reivenção" de ti própria. Um longo (mas não distante) abraço.
ResponderEliminarAgradecida pelo que dizes sobre o texto. A arte ajuda e este blogue também. Retribuo o abraço.
ResponderEliminar