terça-feira, 13 de maio de 2014

Início da viagem de Marco Polo, em 1271

Marco Polo saindo de Veneza, em 1271.  Pormenor de iluminura de um manuscrito de ca. 1400, da Biblioteca Bodleian, Universidade de Oxford.

6 comentários:

  1. “Para nascer pouca terra; para morrer toda a terra.
    Para nascer Portugal; para morrer, o mundo.” Padre António Vieira

    Chegada dos Portugueses ao Oriente

    Os primeiros contactos da China com o Ocidente são do século XIII e XIV e ficam a dever-se a Giovanni de Montecorvino, da ordem dos franciscanos, que iniciou a tradução da Bíblia para Chinês, e também a Marco Polo, provável comerciante da rota da seda. “A Igreja começou missionária” (Colla, 2008, pp. 403). Foi esse movimento missionário que uniu os continentes através das viagens e de uma “emigração” muitas vezes sem retorno, dedicada à prática do ensino e da catequese, que facilitou a produção e a publicação de obras que, como a Arte China, serviam a actividade pedagógica dos missionários.
    A fome das zonas pobres de Portugal, como era o caso de Trás-os-Montes, empurrou muitas crianças e jovens, sobretudo os mais dotados, para os seminários como o Padre Joaquim Afonso Gonçalves que nasceu a 23 de Março de 1781, no Tojal, concelho de Cerva, distrito de Vila Real. Depois de ter estudado no seminário de Rilhafoles chegou a Macau em 1813, onde foi professor no Real Seminário de São José. À semelhança de Matteo Ricci era “exímio na música, nas matemáticas e na teologia” (Aresta, 2000, pp. 678) e chegou a Macau com a ideia de alcançar Pequim o que nunca veio a acontecer. Também como Matteo Ricci, aprendeu a falar e a escrever Chinês e publicou as suas obra.

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  2. "Marco Polo imaginava responder (ou Kublai imaginava a sua resposta) que, quanto mais se perdia em bairros desconhecidos de cidades distantes, melhor compreendia as outras cidades que havia atravessado para chegar até lá, e reconstituía as etapas de suas viagens, e aprendia a conhecer o porto de onde havia zarpado, e os lugares familiares da sua juventude, e os arredores de casa, e uma pracinha de Veneza onde corria quando era criança.
    Neste ponto, Kublai Khan o interrompia ou imaginava interrompe-lo ou Marco Polo imaginava ser interrompido com uma pergunta como:
    _ Você avança com a cabeça voltada para trás? - ou então - O que você vê está sempre nas suas costas? - ou melhor - A sua viagem só se dá no passado?
    Tudo isto para que Marco Polo pudesse explicar ou imaginar explicar ou ser imaginado a explicar ou finalmente conseguir explicar a si mesmo que aquilo que aquilo que ele procurava estava diante de si, e, mesmo que se tratasse do passado, era um passado que mudava à medida que ele prosseguia a sua viagem. porque o passado do viajante muda de acordo com o itinerário realizado, não o passado recente ao qual cada dia que passa acrescenta um dia, mas um passado mais remoto. Ao chegar a uma nova cidade, o viajante reencontra um passado que não lembrava existir: a surpresa daquilo que você deixou de ser ou deixou de possuir revela-se nos lugares estranhos, não nos conhecidos.

    Marco entra numa cidade; vê alguém numa praça que vive uma vida ou um instante que poderiam ser seus; ele podia estar no lugar daquele homem se tivesse parado no tempo tanto tempo atrás, ou então se tanto tempo atrás numa encruzilhada tivesse tomado uma estrada em vez de outra e depois de uma longa viagem se encontrasse no lugar daquele homem e naquela praça. Agora, desse passado real ou hipotético, ele está excluído; não pode parar; deve prosseguir até uma outra cidade em que outro passado aguarda por ele, ou algo que talvez fosse um possível futuro e que agora é o presente de outra pessoa. Os futuros não realizados são apenas ramos do passado: ramos secos.
    - Você viaja para reviver o passado? - era, a esta altura, a pergunta do Khan, que também podia ser formulada da seguinte maneira: - Você viaja para reencontrar o seu futuro?
    E a resposta de Marco:
    - Os outros lugares são espelhos em negativo. O viajante reconhece o pouco que é seu descobrindo o muto que não teve e o que não terá."

    Ítalo Calvino, As Cidades Invisíveis

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  3. (Obrigada por este diálogo tão interessante para mim. Cheguei hoje mais tarde pois preparamos a receção, em Pequim, do Presidente de Portugal... revisitar este blog é uma atração, sobretudo com Ítalo Calvino...).

    Italo Calvino, neste seu romance, projecta-se através das interpelações constantes entre o Imperador Kublai Khan (忽必烈) e o maior viajante de todos os tempos, Marco Polo. É aqui que surge uma tentativa de conhecimento sobre si próprio ao tentar conhecer o outro e os seus códigos culturais. Italo Calvino é um escritor do século XX…
    A minha perplexidade é ainda maior quando recuamos quase quinhentos anos e encontramos em Matteo Ricci, e através da língua portuguesa, essa faceta humanista, de compreensão total entre o eu e esse tu pertencente a um mundo desconhecido que se apresentava vastíssimo. (nem consigo vislumbrar agora o quanto…). E poderíamos falar em Fernão Mendes Pinto e também noutros grandes vultos que, ao longo dos tempos, fomos exportando e que foram favorecendo “que o mar unisse, já não separasse “… e que se pudesse ver a “terra inteira surgir redonda do azul profundo”, harmoniosa e em paz…
    Pelo que leio nas redes sociais, estamos hoje bem longe desses conceitos de entendimento e de aceitação do outro e das suas crenças e dos seus códigos sociais… Este é o meu trabalho de fundo. Não apenas preparar estes jovens adultos para usar a língua do outro, a minha, mas fazer compreender situações e usos que envolvam a compreensão de que “os outros lugares são espelhos em negativo.” Também eu tento apreender a cultura e a língua chinesas e sei que não me sobra vida…


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    1. "Huma das couzas, que me ocorreo ser nesta Historia muito necessária, foi, quando fosse possível, tirar algumas ambiguidades e equivocações, que - por respeito das particularidades de cá se tem escritas pelo discurso dos annos em cartas dos nossos - fazem em Europa formar diverso conceito do que na realidade as couzas são em si cá no Japão. E cauza potissima donde tem procedido esta diversidade nos conceitos, tenho (segundo o que boamente podemos cogeitorar) que foi de, quando se escrevem algumas palavras equivocas, não se declarar logo nas cartas a ambiguidade dellas, ou das couzas que se relatão segundo a sujeita matéria: e, para se nisto se proceder com luz, ainda que se não apontem aqui todas estas equivocações, que poderião ser muitas em numero, poderá ao menos servir de avizo para - quando, na India ou na Europa se vir ou se ler alguma historia ou catas do Japão, em que parece, pelo excesso da qualidade ou quantidade de couzas, haver ou cauzar alguma duvida em seus conceitos - que o podem atribuir á falta de se não terem as taes palavras bem declaradas" (...)
      Luís Fróis, Historia do Japão, 1593

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  4. Não resisti e voltei para colocar aqui este detalhe de que somos uma permanente "descoberta" e uma "certidumbre casi total de" nossa "propia ignorancia."

    No seu "Prólogo" Jorge Luis Borges acentua "Creo que Stuart Mill fue el primero que habló de la pluralidad de las causas; en lo que se refiere a este libro, que ciertamente no es un Atlas, puedo señalar dos, inequívocas. La primera se llama Alberto Girri. En el grato decurso de nuestra residencia en la tierra, María Kodama y yo hemos recorrido y saboreado muchas regiones, que sugirieron muchas fotografías y muchos textos. Enrique Pezzoni, la segunda causa, las vio; Girri observó que podrían entretejerse en un libro, sabiamente caótico. He aquí ese libro. No consta de una serie de textos ilustrados por fotografías o de una serie de fotografías explicadas por un epígrafe. Cada título abarca una unidad, hecha de imágenes y de palabras. Descubrir lo desconocido no es una especialidad de Simbad, de Erico el Rojo o de Copérnico. No hay un solo hombre que no sea un descubridor. Empieza descubriendo lo amargo, lo salado, lo cóncavo, lo liso, lo áspero, los siete colores del arco y las veintitantas letras del alfabeto; pasa por los rostros, los mapas, los animales y los astros; concluye por la duda o por la fe y por la certidumbre casi total de su propia ignorancia.
    María Kodama y yo hemos compartido con alegría y con asombro el hallazgo de sonidos, de idiomas, de crepúsculos, de ciudades, de jardines y de personas, siempre distintas y únicas. Estas páginas querrían ser monumentos de esa larga aventura que prosigue."

    Jorge Luis Borges (Atlas, con la colaboración de María Kodama, Editorial Sudamericana, Buenos Aires, 1984)

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  5. A imagem é maravilhosa. Os comentários são interessantíssimos.
    Tanto que se aprende aqui! Pelo menos eu aprendo.
    Jorge Luís Borges é um dos meus autores preferidos, com um lugar todo particular para (só) ele.
    Muito grata!

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