domingo, 25 de maio de 2014

Vejam, de passagem, a capital, mas ide mais longe observar o país. Jean-Jacques Rousseau

Todas as capitais se assemelham, nelas todos os povos se misturam e os costumes se confundem. Não é aí que é preciso ir para estudar as nações. Paris e Londres são a meu ver a mesma cidade. Os seus habitantes tem preconceitos diferentes, mas não menos uns que outros e os preceitos práticos que adoptam são os mesmos. Sabemos que há espécies de homens que se vão tornando parecidas ao longo da vida. Sabemos que ocorre por todo o lado a indiferenciação do povo e a desigualdade das fortunas. Se me referem uma cidade formada por duzentas mil almas, sei logo como nela se vive. O que sabemos à partida sobre esses lugares torna inútil ir lá para aprender.
É nas províncias recuadas onde há menos movimento, comércio, para onde os estrangeiros viajam menos, cujos habitantes se deslocam menos, mudam menos de fortuna ou de condição, que é preciso ir para estudar o gênio e os costumes de uma nação. Vejam, de passagem, a capital, mas ide mais longe observar o país. Os franceses não estão em Paris, estão em Touraine. Os ingleses são mais ingleses em Mercie que em Londres e os espanhóis mais espanhóis na Galiza que em Madrid. É a estas grandes distâncias que um povo se mostra tal qual e, sem mistura; é lá que os bons e os maus efeitos do governo mais se fazem sentir, como no fim de um grande raio a medida dos arcos é mais exacta.

Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), "Emile". Oeuvres complètes, vol. IV. Paris, Éditions Gallimard, 1980, p. 850.

2 comentários:

  1. ALVÉOLA
    Estranha, esta lauda!
    É fado de uma cauda
    que, mesmo pousado,
    não me deixa sossegado.

    "Depois que te escrevi a minha última carta, há 8 ou 10 dias, tenho andado a fazer um exame razoado da minha vida passada e do meu presumido futuro. Vistas e pesadas todas as coisas devidamente, entendo que não devo demorar-me muito tempo em Lisboa. Não faço nada aqui de útil para mim ou para os meus semelhantes [...]. Hoje é certo para mim, que nunca serei nem um advogado, nem um empregado público de qualquer espécie, ordem ou categoria. Eis a conclusão - os princípios, donde ela se deduz, são-te mais ou menos conhecidos. Reduzida pois a questão a estes termos, que coisa nenhuma me prende a esta terra - família, ambição, glória ou curiosidade, é fora de dúvida, que devo sair. Mas para onde? Não me repugna a ideia de ir para casa. Antes pelo contrário desejava hoje muito ir para um sítio isolado, como Boamense, ou mais ainda, se tal houvesse.

    Carta de Alberto Sampaio ao irmão José, Lisboa, 13 de Junho de 1866, IN Emília Nóvoa Faria e António Martins, A PAIXÃO DAS ORIGENS. FOTOBIOGRAFIA DE ALBERTO SAMPAIO, Guimarães, Guimarães 2012, 2012, pp. 103.

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  2. Nápoles, sobre o dia 17 de Março
    (...)
    Já me dou melhor com as pessoas; só temos de pesá-las com a balança de merceeiro, mas nunca com a do ourives, como infelizmente acontece tantas vezes entre amigos, por caprichos hipocondríacos e estranhas exigências.
    Aqui, as pessoas não sabem nada umas das outras, mal dão por que andam para lá e para cá lado a lado; passam os dias num paraíso sem olhar muito à sua volta, e quando a caverna infernal aqui perto começa a dar sinal, recorre-se ao sangue de São Januário - como o resto do mundo, que também recorre ou gostaria de recorrer ao sangue para se defender da morte e do diabo.
    Andar por entre uma multidão tão incontável e sempre em movimento é uma coisa muito curiosa e que faz bem. Como todos formam uma corrente confusa, e depois cada um encontra os seus caminhos e destinos! no meio de tal companhia e agitação sinto-me mais calmo e solitário do que nunca; quanto maior é a agitação nas ruas, mais calmo eu fico.
    Por vezes penso em Rousseau e nas suas lamentações hipocondríacas, e no entanto compreendo como uma tão perfeita organização pôde ser adiada. Se me não sentisse tão ligado às coisas da natureza e se não visse que no meio da aparente confusão é possível ordenar e comparar centenas de observações, tal como o agrimensor ensaia várias medições com um fio estendido, eu próprio julgaria muitas vezes estar doido.

    J. W. Goethe, in Viagem a Itália

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