sábado, 17 de maio de 2014

Onde Ícaro caiu. Brueghel o Velho

Pieter Brueghel the Elder (1526/1530–1569), Landscape with the Fall of Icarus, Ca 1558
Royal Museums of Fine Arts of Belgium  



11 comentários:

  1. «Gosto daquele que sonha o impossível»

    Goethe

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  2. «Tenho em mim todos os sonhos do mundo»

    Fernando Pessoa

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  3. Fall of Icarus

    About suffering they were never wrong,
    The Old Masters; how well, they understood
    Its human position; how it takes place
    While someone else is eating or opening a window or just walking dully along;
    How, when the aged are reverently, passionately waiting
    For the miraculous birth, there always must be
    Children who did not specially want it to happen, skating
    On a pond at the edge of the wood:
    They never forgot
    That even the dreadful martyrdom must run its course
    Anyhow in a corner, some untidy spot
    Where the dogs go on with their doggy life and the torturer's horse
    Scratches its innocent behind on a tree.
    In Breughel's Icarus, for instance: how everything turns away
    Quite leisurely from the disaster; the ploughman may
    Have heard the splash, the forsaken cry,
    But for him it was not an important failure; the sun shone
    As it had to on the white legs disappearing into the green
    Water; and the expensive delicate ship that must have seen
    Something amazing, a boy falling out of the sky,
    had somewhere to get to and sailed calmly on.

    Wystan Hugh Auden

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  4. «Trouxe o filho de Jápeto do Céu
    o fogo que ajuntou ao peito humano,
    fogo que o mundo em armas acendeu,
    em mortes, em desonras (grande engano).
    Quanto melhor nos fora, Prometeu,
    e quanto para o mundo menos dano,
    que a tua estátua ilustre não tivera
    fogo de altos desejos, que a movera!

    Não cometera o moço miserando
    o carro alto do pai, nem o ar vazio
    o grande arquitetor co filho, dando
    um, nome ao mar, e o outro, fama ao rio.
    Nenhum cometimento alto e nefando
    por fogo, ferro, água, calma e frio,
    deixa intentando a humana geração.
    Mísera sorte! Estranha condição!»

    Camões, in Os Lusíadas, canto IV, estâncias 103 e 104

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  5. Definitivo

    Definitivo, como tudo o que é simples.
    Nossa dor não advém das coisas vividas,
    mas das coisas que foram sonhadas e não se cumpriram.

    Sofremos por quê? Porque automaticamente esquecemos
    o que foi desfrutado e passamos a sofrer pelas nossas projeções
    irrealizadas, por todas as cidades que gostaríamos de ter conhecido ao lado
    do nosso amor e não conhecemos, por todos os filhos que gostaríamos de ter
    tido junto e não tivemos, por todos os shows e livros e silêncios que
    gostaríamos de ter compartilhado,
    e não compartilhamos.
    Por todos os beijos cancelados, pela eternidade.

    Sofremos não porque nosso trabalho é desgastante e paga pouco, mas por todas
    as horas livres que deixamos de ter para ir ao cinema, para conversar com um
    amigo, para nadar, para namorar.

    Sofremos não porque nossa mãe é impaciente conosco, mas por todos os
    momentos em que poderíamos estar confidenciando a ela nossas mais profundas
    angústias se ela estivesse interessada em nos compreender.

    Sofremos não porque nosso time perdeu, mas pela euforia sufocada.

    Sofremos não porque envelhecemos, mas porque o futuro está sendo
    confiscado de nós, impedindo assim que mil aventuras nos aconteçam,
    todas aquelas com as quais sonhamos e nunca chegamos a experimentar.

    Por que sofremos tanto por amor?
    O certo seria a gente não sofrer, apenas agradecer por termos conhecido uma
    pessoa tão bacana, que gerou em nós um sentimento intenso e que nos fez
    companhia por um tempo razoável, um tempo feliz.

    Como aliviar a dor do que não foi vivido? A resposta é simples como um
    verso:

    Se iludindo menos e vivendo mais!!!
    A cada dia que vivo, mais me convenço de que o desperdício da vida
    está no amor que não damos, nas forças que não usamos,
    na prudência egoísta que nada arrisca, e que, esquivando-se do
    sofrimento, perdemos também a felicidade.

    A dor é inevitável.
    O sofrimento é opcional...

    Carlos Drummond de Andrade

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  6. Em Brueghel, o velho, mais do que Ícaro ( e do que seu pai, Dédalo, ausente da pintura), são importantes as personagens que reagem à respetiva queda. Ao contrário da mitologia, ou em reação a ela, onde o enfoque é colocado na ousadia de Ícaro, dada a desobediência que o leva a elevar-se até ao sol, que lhe derrete as asas, aqui a imagem reflete o que se passa em consequência dessa ousadia: a queda. E o efeito que essa queda causa no lugar onde ocorreu.
    Muito interessante esta pintura, em sua nova versão e dimensão. Reinterpretando o mito.
    E de tudo isto se faz a nossa humanidade...

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  7. ALBATROZ
    Sou o segundo.
    Não piso terra.
    Voo o mundo.

    "Todo o mar nos meus olhos, e não basta!
    Enche-os mais uma lágrima, furtiva...
    Neste banquete azul, há só um conviva
    Farto e feliz.
    É o céu, que se debruça sobre as ondas
    Sem amargura.
    É ele, que não procura
    Por detrás da verdade outra verdade.
    Serenamente, lá na eternidade,
    Bebe e come
    A imagem reflectida do seu nome."

    Miguel Torga, "Vazio" IN ANTOLOGIA POÉTICA, Coimbra, 1981, pp. 319.

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  8. "Não sabemos para onde vamos, mas isso também não importa. E não por acaso, sem o termos feito expressamente, encontramo-nos sem verdadeiramente sair de casa, com o sentimento de sermos simbolicamente ubíquos e oniricamente universais."

    (...)

    "Nem como língua, nem como cultura, nem como ficção os tão celebrados termos camonianos de uma só alma pelo mundo em pedaços repartida. O imaginário lusófono tornou-se, definitivamente, o da «pluralidade» e da «diferença» e é através dessa evidência que nos cabe, ou nos cumpre, descobrir a comunidade e a confraternidade inerentes a um espaço cultural fragmentado, cuja unidade utópica, no sentido da partilha comum, só pode existir pelo conhecimento cada vez mais sério e profundo, assumido como tal, dessa pluralidade e dessa diferença."

    Eduardo Lourenço. A Nau de Ícaro e Imagem e Miragem da Lusofonia. Lisboa. Gradiva, 1999. pp. 16 e 111

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  9. Há já uns dias que o Autor do blog, muito sábio, nos obrigava a reflectir sobre a dicotomia loucura/mediania. Hoje, através do “Velho” flamengo Brueghel, ela é ainda mais evidente. Um quadro de ambiente renascentista, com cenas do mundo do trabalho, um homem com seu arado, outro que interroga o alto, mas sem descuidar o rebanho, um pescador absorto, um mar com um navio que tranquilo navega e um título que obriga a procurar Ícaro que já quase não existe na tela. Ele acaba de mergulhar quase totalmente e em queda de cabeça, humilhado, só nos apercebemos da sua nudez e da descompostura da sua posição, contrastante com as outras personagens. O louco e desobediente filho de Dédalo, quase imerso, remete-nos para o fracasso individual e doloroso… Como diz Isabel X., é a destruição do mito e do mundo medieval teocentrista. É também a apresentação de um novo paradigma, uma nova ordem, o da “aurea mediocritas”… em que o mundo do trabalho se sobrepõe a fenómenos de natureza mítica…. Ícaro está morto e as personagens são “cegas” (vd. A Parábola dos Cegos) e não o socorreram nem olharam. Eis o Renascimento e a questão, loucura ou mediania?
    Mas depois da interpretação de Auden, no séc. XX, que refere com tanta pertinência o alheamento colectivo do sofrimento… como não ver, ao olhar Brueghel, esse sofrimento de que todos fogem e se alheiam?
    “In Breughel's Icarus, for instance: how everything turns away
    Quite leisurely from the disaster; the ploughman may
    Have heard the splash, the forsaken cry,
    But for him it was not an important failure; the sun shone
    As it had to on the white legs disappearing into the green
    Water; and the expensive delicate ship that must have seen
    Something amazing, a boy falling out of the sky,
    had somewhere to get to and sailed calmly on.”

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  10. Landscape With The Fall of Icarus

    According to Brueghel
    when Icarus fell
    it was spring

    a farmer was ploughing
    his field
    the whole pagentry

    of the year was
    awake tingling
    near

    the edge of the sea
    concerned
    with itself

    sweating in the sun
    that melted
    the wings´ wax

    unsignificantly
    off the cost
    there was

    a splash quite unnoticed
    this was
    Icarus drowning

    William Carlos Williams

    Prémio Pulitzer em 1963

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  11. Melhor ainda, de facto, com William Carlos Williams, em "Landscape....", a metalinguagem cumpre-se na dolorosa morte do "Icarus drowning", qual poema, qual vida humana... Estes versos mostram, ainda mais de cima, o desejo sempre reiterado do Homem de se ultrapassar, tal como MC já citara:
    "Nenhum cometimento alto e nefando
    Por fogo, ferro, água, calma e frio,
    Deixa intentado a humana gèração.
    Mísera sorte! Estranha condição!"

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