Quando ouvi o astrónomo erudito, Quando as provas, os números foram enfileirados diante de mim, Quando me foram mostrados os mapas e diagramas a somar, a dividir e medir, Quando, sentado, ouvia o astrónomo muito aplaudido, na sala de conferências, Senti-me logo inexplicavelmente cansado e enfermo, Até que me levantei e saí, parecendo sem rumo No ar húmido e místico da noite, e repetidas vezes Olhei em perfeito silêncio para as estrelas."
Poetas: esperemos com paciência! que a humanidade, um dia (quase morta À míngua da alma, a civilização) vergada ao peso inglório da ciência Virá mendigar à nossa porta, A esmola de uma canção!
À dolorosa luz das grandes lâmpadas elétricas da fábrica Tenho febre e escrevo. Escrevo rangendo os dentes, fera para a beleza disto, Para a beleza disto totalmente desconhecida dos antigos.
Ó rodas, ó engrenagens, r- r- r- r- r- r eterno! Forte espasmo retido dos maquinismos em fúria! Em fúria fora e dentro de mim, Por todos os meus nervos dissecados fora, Por todas as papilas fora de tudo com que eu sinto! Tenho os lábios secos, ó grandes ruídos modernos, De vos ouvir demasiadamente perto, E arde-me a cabeça de vos querer cantar com um excesso De expressão de todas as minhas sensações, Com um excesso contemporâneo de vós, ó máquinas! (...) Amo-vos a todos, a tudo, como uma fera. Amo-vos carnivoramente, Pervertidamente e enroscando a minha vista Em vós, ó coisas grandes, banais, úteis. inúteis, Ó coisas todas modernas, Ó minhas contemporâneas, forma atual e próxima Do sistema imediato do Universo! Nova Revolução metálica e dinâmica de Deus!
Ó fábricas, ó laboratórios, ó music-halls, ó Luna-Parks, Ó couraçados, ó pontes, ó docas flutuantes - Na minha mente turbulenta e encandescida Possuo-vos como a uma mulher bela, Completamente vos possuo como a uma mulher bela que não se ama, Que se encontra casualmente e se acha interessantíssima. (...) Eia comboios, eia pontes, eia hotéis à hora de jantar, Eia aparelhos de todas as espécies, férreos, brutos, mínimos, Instrumentos de precisão, aparelhos de triturar, de cavar, Engenhos, brocas, máquinas rotativas!
Eia! Eia! Eia! Eia eletricidade, nervos doentes da matérias do Inconsciente! Eia telegrafia sem fios, Panamá, Kiel, Suez! Eia todo o passado dentro do presente! Eia todo o futuro já dentro de nós! Eia! Eia! Eia! Eia! Frutos de ferro e útil árvore-fábrica cosmopolita! Eia! eia! eia! eia - h^-ô-ô! Nem sei que existo para dentro. Giro, rodeio, engenho-me. Engatam-me em todos os comboios. Içam-me em todos os cais. Giro dentro das hélices de todos os navios. Eia! eia-hô! eia! Eia! sou o calor mecânico e a eletricidade!
Eia! e os rails e as casas de máquinas da Europa! Eia e hurrah por mim-tudo, máquinas a trabalhar, eia!
Portugal-Infinito, onze de junho de mil novecentos e quinze... Hé-lá-á-á-á-á-á-á!
De aqui de Portugal, todas as épocas no meu cérebro, Saúdo-te, Walt, saúdo-te, meu irmão em Universo, Eu, de monóculo e casaco exageradamente cintado, Não sou indigno de ti, bem o sabes, Walt, Não sou indigno de ti, basta saudar-te para o não ser... Eu tão contíguo à inércia, tão facilmente cheio de tédio, Sou dos teus, tu bem sabes, e compreendo-te e amo-te, E embora te não conhecesse, nascido pelo ano em que morrias, Sei que me amaste também, que me conheceste, e estou contente. Sei que me conheceste, que me contemplaste e me explicaste, Sei que é isso que eu sou, quer em Brooklyn Ferry dez anos antes de eu nascer, Quer pela Rua do Ouro acima pensando em tudo que não é a Rua do Ouro, E conforme tu sentiste tudo, sinto tudo, e cá estamos de mãos dadas, De mãos dadas, Walt, de mãos dadas, dançando o universo na alma. /.../ Quantas vezes eu beijo o teu retrato! Lá onde estás agora (não sei onde é mas é Deus) Sentes isto, sei que o sentes, e os meus beijos são mais quentes (em gente) E tu assim é que os queres, meu velho, e agradeces de lá —, Sei-o bem, qualquer coisa mo diz, um agrado no meu espírito
/…/
Meu velho Walt, meu grande Camarada, evohé! Pertenço à tua orgia báquica de sensações-em-liberdade, Sou dos teus, desde a sensação dos meus pés até à náusea em meus sonhos, /.../ Por isso é a ti que endereço Meus versos saltos, meus versos pulos, meus versos espasmos Os meus versos-ataques-histéricos, Os meus versos que arrastam o carro dos meus nervos. /.../ Ponham-me grilhetas só para eu as partir! Só para eu as partir com os dentes, e que os dentes sangrem Gozo masoquista, espasmódico a sangue, da vida! /.../ He calls Walt: /…/ Tua alma seta, raio, espaço, Amplexo, nexo, sexo, Texas, Carolina, New York, Brooklyn Ferry à tarde, Brooklyn Ferry das idas e dos regressos, Libertad! Democracy! Século vinte ao longe! Pum! pum! pum! pum! pum! PUM! /…/ Tu Hora, Tu Minuto, Tu Segundo! Tu intercalado, liberto, desfraldado, ido, Intercalamento, libertação, ida, desfraldamento, Tu intercalador, libertador, desfraldador, remetente, Carimbo em todas as cartas, Nome em todos os endereços, Mercadoria entregue, devolvida, seguindo... Comboio de sensações a alma-quilómetros à hora, À hora, ao minuto, ao segundo, PUM! /…/ Todas as rodas, todos os volantes, todos os êmbolos da alma.
Heia que eu grito E num cortejo de Mim até ti estardalhaçam Com uma algaravia metafisica e real, Com um chinfrim de coisas passado por dentro sem nexo.
Ave, salve, viva, ó grande bastardo de Apolo, Amante impotente e fogoso das nove musas e das graças, Funicular do Olimpo até nós e de nós ao Olimpo.
Eis um filme publicitário de cariz épico. A atualidade precisa deste estilo, neste tom. As palavras e os Fios. As palavras e os fios e a roda, sempre presente, em movimento. Belíssimo. "No princípio era o fim!"
Work all day, as men who know Wheels must turn to keep, to keep the flow, Build on up, don`t break the chain, Sparks will fly, when the whistle blows, Never stop the action, Keep it up, keep it up
Work to the rhythm Live to the rhythm Love to the rhythm Slave to the rhythm
Axe to wood, in ancient time, Man machine, power line, Fires burn, heart beats strong, Sing out loud, the chain gang song, Never stop the action, Keep it up, keep it up
Work to the rhythm ....
XXX
Bruce Springsteen, Factory
Early in the morning factory whistle blows Man rises up from bed and puts on his clothes, Man takes his lunch, walks out in the morning light, It´s the working, the working, just the working life
Through the mansions of fear, through the mansions of pain, I see my daddy walking through them factory gates in the rain, Factory takes his hearing, factory gives him life, The working, the working, just the working life
End of the day, factory whistle cries, Men walk through these gates with death in their eyes. And you just better believe, boy, Somebody`s gonna get hurt tonight It`s the working, the working, just the working life.
Veemente deus de uma raça de aço, Automóvel ébrio de espaço, que estremece e freme angustiado roendo o freio com estrídulos dentes. Formidável monstro japonês, com olhos de forja, nutrido de chama e de óleos minerais, ávido de horizontes, de presas siderais. Eu desprendo o teu coração que lateja diabolicamente, solto os teus gigantescos pneus, para a dança que tu sabes dançar pelas brancas estradas do mundo todo! Afrouxo finalmente as tuas metálicas rédeas, e tu com volúpia te atiras no Infinito libertador! No latir da tua grande voz eis o crepúsculo seguir-te veloz acelerando o seu sanguinolento latejo, ao horizonte. Olha, como galopa, no fundo dos bosques, distante! O que importa, meu lindo demónio? Eu estou em teu poder! Possui-me! Possui-me! Sobre a terra aturdida, embora toda vibre de ecos loquazes; sob o céu apagado, embora compacto de estrelas eu vou exasperando a minha febre e o meu desejo, açoitando-os com grandes golpes de espada. E quando por vezes levanto a cabeça para sentir em meu pescoço, em seu brando aperto, os braços loucos do vento, aveludados e frescos
São teus aqueles braços sedutores e distantes que me atraem, e o vento é apenas o teu hálito do abismo, ó Infinito sem fundo que alegre me absorves! Ah! ah! de repente vejo moinhos pretos, desengonçados, que parecem correr sobre asas de tela vertebrada sobre suas pernas prolixas.
Agora os montes estão prestes a lançar sobre a minha fuga mantas de sonolenta frescura, lá, naquela esquerda viro Montanhas! Mamutes em monstruosa manada, ãh, que trotes pesados, arqueando suas imensas garupas, já estão ultrapassadas, agora envolvidas na cinzenta meada das garoas! E ouço o vago ecoante ruído que sobre as estradas imprimem as fabulosas botas das sete léguas de vossos pés colossais
Ó montanhas das frescas mantas turquesas! Ó belos rios que respiram tranquilamente á luz do luar! Ó tenebrosas planícies! Eu as ultrapasso galopando! Sobre este meu monstroi enlouquecido! Estrelas! minhas estrelas! Estão ouvindo o precipitar dos seus passos? Ouvem a sua voz, à qual a cólera quebra a sua voz explosiva, que late, que late e o trovão de seus férreos pulmões que desaaaaaaaaabam num precipííííííííício intermináááááááááááável?
Aceito o desafio, ó minhas estrelas! Mais rápido! anda mais rápido! E sem parar, nem repousar! Solta os freios! Não podes? Quebre-os, então, que o pulso do motor centuplique seus ímpetos!
Hurra! Nada mais de contactos com esta terra imunda! Eu me desprendo enfim, e ligeiro voo sobre o inebriante rio dos astros que se dispersa na cheia do grande leito celeste!
"Quando ouvi o astrónomo erudito
ResponderEliminarQuando ouvi o astrónomo erudito,
Quando as provas, os números foram
enfileirados diante de mim,
Quando me foram mostrados os mapas
e diagramas a somar, a dividir e medir,
Quando, sentado, ouvia o astrónomo
muito aplaudido, na sala de
conferências,
Senti-me logo inexplicavelmente
cansado e enfermo,
Até que me levantei e saí, parecendo
sem rumo
No ar húmido e místico da noite, e
repetidas vezes
Olhei em perfeito silêncio para as estrelas."
Walt Whitman, in Leaves of Grass
Poetas: esperemos com paciência!
ResponderEliminarque a humanidade, um dia (quase morta
À míngua da alma, a civilização)
vergada ao peso inglório da ciência
Virá mendigar à nossa porta,
A esmola de uma canção!
Carlos Queirós, in Desaparecido e outros poemas
Ode Triunfal
ResponderEliminarÀ dolorosa luz das grandes lâmpadas elétricas da fábrica
Tenho febre e escrevo.
Escrevo rangendo os dentes, fera para a beleza disto,
Para a beleza disto totalmente desconhecida dos antigos.
Ó rodas, ó engrenagens, r- r- r- r- r- r eterno!
Forte espasmo retido dos maquinismos em fúria!
Em fúria fora e dentro de mim,
Por todos os meus nervos dissecados fora,
Por todas as papilas fora de tudo com que eu sinto!
Tenho os lábios secos, ó grandes ruídos modernos,
De vos ouvir demasiadamente perto,
E arde-me a cabeça de vos querer cantar com um excesso
De expressão de todas as minhas sensações,
Com um excesso contemporâneo de vós, ó máquinas!
(...)
Amo-vos a todos, a tudo, como uma fera.
Amo-vos carnivoramente,
Pervertidamente e enroscando a minha vista
Em vós, ó coisas grandes, banais, úteis. inúteis,
Ó coisas todas modernas,
Ó minhas contemporâneas, forma atual e próxima
Do sistema imediato do Universo!
Nova Revolução metálica e dinâmica de Deus!
Ó fábricas, ó laboratórios, ó music-halls, ó Luna-Parks,
Ó couraçados, ó pontes, ó docas flutuantes -
Na minha mente turbulenta e encandescida
Possuo-vos como a uma mulher bela,
Completamente vos possuo como a uma mulher bela que não se ama,
Que se encontra casualmente e se acha interessantíssima.
(...)
Eia comboios, eia pontes, eia hotéis à hora de jantar,
Eia aparelhos de todas as espécies, férreos, brutos, mínimos,
Instrumentos de precisão, aparelhos de triturar, de cavar,
Engenhos, brocas, máquinas rotativas!
Eia! Eia! Eia!
Eia eletricidade, nervos doentes da matérias do Inconsciente!
Eia telegrafia sem fios, Panamá, Kiel, Suez!
Eia todo o passado dentro do presente!
Eia todo o futuro já dentro de nós! Eia!
Eia! Eia! Eia!
Frutos de ferro e útil árvore-fábrica cosmopolita!
Eia! eia! eia! eia - h^-ô-ô!
Nem sei que existo para dentro. Giro, rodeio, engenho-me.
Engatam-me em todos os comboios.
Içam-me em todos os cais.
Giro dentro das hélices de todos os navios.
Eia! eia-hô! eia!
Eia! sou o calor mecânico e a eletricidade!
Eia! e os rails e as casas de máquinas da Europa!
Eia e hurrah por mim-tudo, máquinas a trabalhar, eia!
Galgar com tudo por cima de tudo! Hup-lá!
Hup-lá, hup-lá, hup-lá-hô! Hup-lá!
Hé-la! Hé-hô! Ho-o-o-o!
Z-z-z-z-z-z-z-z-z-z-z!
Ah não ser eu toda a gente e toda a parte!
Álvaro de Campos
(heterónimo de Fernando Pessoa)
Saudação a Walt Whitman
ResponderEliminarPortugal-Infinito, onze de junho de mil novecentos e quinze...
Hé-lá-á-á-á-á-á-á!
De aqui de Portugal, todas as épocas no meu cérebro,
Saúdo-te, Walt, saúdo-te, meu irmão em Universo,
Eu, de monóculo e casaco exageradamente cintado,
Não sou indigno de ti, bem o sabes, Walt,
Não sou indigno de ti, basta saudar-te para o não ser...
Eu tão contíguo à inércia, tão facilmente cheio de tédio,
Sou dos teus, tu bem sabes, e compreendo-te e amo-te,
E embora te não conhecesse, nascido pelo ano em que morrias,
Sei que me amaste também, que me conheceste, e estou contente.
Sei que me conheceste, que me contemplaste e me explicaste,
Sei que é isso que eu sou, quer em Brooklyn Ferry dez anos antes de eu nascer,
Quer pela Rua do Ouro acima pensando em tudo que não é a Rua do Ouro,
E conforme tu sentiste tudo, sinto tudo, e cá estamos de mãos dadas,
De mãos dadas, Walt, de mãos dadas, dançando o universo na alma.
/.../
Quantas vezes eu beijo o teu retrato!
Lá onde estás agora (não sei onde é mas é Deus)
Sentes isto, sei que o sentes, e os meus beijos são mais quentes (em gente)
E tu assim é que os queres, meu velho, e agradeces de lá —,
Sei-o bem, qualquer coisa mo diz, um agrado no meu espírito
/…/
Meu velho Walt, meu grande Camarada, evohé!
Pertenço à tua orgia báquica de sensações-em-liberdade,
Sou dos teus, desde a sensação dos meus pés até à náusea em meus sonhos,
/.../
Por isso é a ti que endereço
Meus versos saltos, meus versos pulos, meus versos espasmos
Os meus versos-ataques-histéricos,
Os meus versos que arrastam o carro dos meus nervos.
/.../
Ponham-me grilhetas só para eu as partir!
Só para eu as partir com os dentes, e que os dentes sangrem
Gozo masoquista, espasmódico a sangue, da vida!
/.../
He calls Walt:
/…/
Tua alma seta, raio, espaço,
Amplexo, nexo, sexo, Texas, Carolina, New York,
Brooklyn Ferry à tarde,
Brooklyn Ferry das idas e dos regressos,
Libertad! Democracy! Século vinte ao longe!
Pum! pum! pum! pum! pum!
PUM!
/…/
Tu Hora,
Tu Minuto,
Tu Segundo!
Tu intercalado, liberto, desfraldado, ido,
Intercalamento, libertação, ida, desfraldamento,
Tu intercalador, libertador, desfraldador, remetente,
Carimbo em todas as cartas,
Nome em todos os endereços,
Mercadoria entregue, devolvida, seguindo...
Comboio de sensações a alma-quilómetros à hora,
À hora, ao minuto, ao segundo, PUM!
/…/
Todas as rodas, todos os volantes, todos os êmbolos da alma.
Heia que eu grito
E num cortejo de Mim até ti estardalhaçam
Com uma algaravia metafisica e real,
Com um chinfrim de coisas passado por dentro sem nexo.
Ave, salve, viva, ó grande bastardo de Apolo,
Amante impotente e fogoso das nove musas e das graças,
Funicular do Olimpo até nós e de nós ao Olimpo.
Álvaro de Campos
Eis um filme publicitário de cariz épico. A atualidade precisa deste estilo, neste tom. As palavras e os Fios. As palavras e os fios e a roda, sempre presente, em movimento. Belíssimo.
ResponderEliminar"No princípio era o fim!"
Songs / Canções
ResponderEliminarGrace Jones, Slave to the Rhythm
Work all day, as men who know
Wheels must turn to keep, to keep the flow,
Build on up, don`t break the chain,
Sparks will fly, when the whistle blows,
Never stop the action,
Keep it up, keep it up
Work to the rhythm
Live to the rhythm
Love to the rhythm
Slave to the rhythm
Axe to wood, in ancient time,
Man machine, power line,
Fires burn, heart beats strong,
Sing out loud, the chain gang song, Never stop the action,
Keep it up, keep it up
Work to the rhythm ....
XXX
Bruce Springsteen, Factory
Early in the morning factory whistle blows
Man rises up from bed and puts on his clothes,
Man takes his lunch, walks out in the morning light,
It´s the working, the working, just the working life
Through the mansions of fear, through the mansions of pain,
I see my daddy walking through them factory gates in the rain,
Factory takes his hearing, factory gives him life,
The working, the working, just the working life
End of the day, factory whistle cries,
Men walk through these gates with death in their eyes.
And you just better believe, boy,
Somebody`s gonna get hurt tonight
It`s the working, the working, just the working life.
Ao Automóvel de Corrida
ResponderEliminarVeemente deus de uma raça de aço,
Automóvel ébrio de espaço,
que estremece e freme angustiado
roendo o freio com estrídulos dentes.
Formidável monstro japonês,
com olhos de forja,
nutrido de chama
e de óleos minerais,
ávido de horizontes, de presas siderais.
Eu desprendo o teu coração que lateja diabolicamente,
solto os teus gigantescos pneus,
para a dança que tu sabes dançar
pelas brancas estradas do mundo todo!
Afrouxo finalmente
as tuas metálicas rédeas,
e tu com volúpia te atiras
no Infinito libertador!
No latir da tua grande voz
eis o crepúsculo seguir-te veloz
acelerando o seu sanguinolento
latejo, ao horizonte.
Olha, como galopa, no fundo dos bosques, distante!
O que importa, meu lindo demónio?
Eu estou em teu poder! Possui-me! Possui-me!
Sobre a terra aturdida, embora toda vibre
de ecos loquazes;
sob o céu apagado, embora compacto de estrelas
eu vou exasperando a minha febre
e o meu desejo,
açoitando-os com grandes golpes de espada.
E quando por vezes levanto a cabeça
para sentir em meu pescoço,
em seu brando aperto, os braços
loucos do vento, aveludados e frescos
São teus aqueles braços sedutores e distantes
que me atraem, e o vento
é apenas o teu hálito do abismo,
ó Infinito sem fundo que alegre me absorves!
Ah! ah! de repente vejo moinhos
pretos, desengonçados,
que parecem correr sobre asas
de tela vertebrada
sobre suas pernas prolixas.
Agora os montes estão prestes a lançar
sobre a minha fuga mantas de sonolenta frescura,
lá, naquela esquerda viro
Montanhas! Mamutes em monstruosa manada,
ãh, que trotes pesados, arqueando
suas imensas garupas,
já estão ultrapassadas, agora envolvidas
na cinzenta meada das garoas!
E ouço o vago ecoante ruído
que sobre as estradas imprimem
as fabulosas botas das sete léguas
de vossos pés colossais
Ó montanhas das frescas mantas turquesas!
Ó belos rios que respiram
tranquilamente á luz do luar!
Ó tenebrosas planícies! Eu as ultrapasso galopando!
Sobre este meu monstroi enlouquecido!
Estrelas! minhas estrelas! Estão ouvindo
o precipitar dos seus passos?
Ouvem a sua voz, à qual a cólera quebra
a sua voz explosiva, que late, que late
e o trovão de seus férreos pulmões
que desaaaaaaaaabam num precipííííííííício
intermináááááááááááável?
Aceito o desafio, ó minhas estrelas!
Mais rápido! anda mais rápido!
E sem parar, nem repousar!
Solta os freios! Não podes?
Quebre-os, então,
que o pulso do motor centuplique seus ímpetos!
Hurra! Nada mais de contactos com esta terra imunda!
Eu me desprendo enfim, e ligeiro voo
sobre o inebriante rio dos astros
que se dispersa na cheia do grande leito celeste!
Filippo T. Marinetti