"Quando Gregor Samsa despertou, certa manhã, de um sonho agitado viu que se transformara, durante o sono, numa espécie monstruosa de insecto. Permaneceu de costas, as quais eram duras como uma couraça, e, erguendo um pouco a cabeça, conseguiu ver a saliência do seu grande ventre castanho, dividido em nítidas ondulações. As cobertas escorregavam, irremediavelmente, do alto da curva, e as pernas de Gregor, lamentavelmente finas, comparadas com o seu tamanho primitivo, agitavam-se, impotentes, diante dos seus olhos. /.../ Gregor volveu o olhar para a janela; podia ouvir-se a chuva caindo sobre as vidraças. O tempo nevoento punha-o triste. «E se eu dormisse mas um pouco e esquecesse toda esta estupidez?» Mas isso era-lhe absolutamente impossível, pois estava acostumado a dormir voltado para o lado direito, e a situação em que se achava impedia-o de virar-se para tal posição. Por mais que procurasse virar-se, violentamente, para o lado, caía sempre de costas, com um pequeno movimento circular."
ALBATROZ Sem palavras!!! De novo eu? Que é isto? Serei só o que resisto, de todos o que resto? Ou é porque me presto, pela grandeza da envergadura e pelo peso duro do meu gesto à xilogravura?
"Souvent, pour s'amuser, les hommes d'équipage Prennent des albatros, vastes oiseaux des mers, Qui suivent, indolents compagnons de voyage, Le navire glissant sur les gouffres amers.
A peine les ont-ils déposés sur les planches, Que ces rois de l'azur, maladroits et honteux, Laissent piteusement leurs grandes ailes blanches Comme des avirons traîner à côté d'eux.
Ce voyageur ailé, comme il est gauche et veule! Lui, naguère si beau, qu'il est comique et laid! L'un agace son bec avec un brûle-gueule, L'autre mime, en boitant, l'infirme qui volait!
Le Poète est semblable au prince des nuées Qui hante la tempête et se rit de l'archer; Exilé sur le sol au milieu des huées, Ses ailes de géant l'empêchent de marcher.
Charles Baudelaire, "L'Albatros" IN LES FLEURS DU MAL, Précédées d'une notice de Théophile Gautier, Paris, Michel Lévy Ed., 1868, pp. 89.
How can I keep my soul in me, so that it doesn't touch your soul? How can I raise it high enough, past you, to other things? I would like to shelter it, among remote lost objects, in some dark and silent place that doesn't resonate when your depths resound. Yet everything that touches us, me and you, takes us together like a violin's bow, which draws *one* voice out of two separate strings. Upon what instrument are we two spanned? And what musician holds us in his hand? Oh sweetest song.
Do you remember still the falling stars that like swift horses through the heavens raced and suddenly leaped across the hurdles of our wishes--do you recall? And we did make so many! For there were countless numbers of stars: each time we looked above we were astounded by the swiftness of their daring play, while in our hearts we felt safe and secure watching these brilliant bodies disintegrate, knowing somehow we had survived their fall.
Onde você vê um obstáculo, alguém vê o término da viagem e o outro vê uma chance de crescer. Onde você vê um motivo pra se irritar, Alguém vê a tragédia total E o outro vê uma prova para sua paciência. Onde você vê a morte, Alguém vê o fim E o outro vê o começo de uma nova etapa... Onde você vê a fortuna, Alguém vê a riqueza material E o outro pode encontrar por trás de tudo, a dor e a miséria total. Onde você vê a teimosia, Alguém vê a ignorância, Um outro compreende as limitações do companheiro, percebendo que cada qual caminha em seu próprio passo. E que é inútil querer apressar o passo do outro, a não ser que ele deseje isso. Cada qual vê o que quer, pode ou consegue enxergar. "Porque eu sou do tamanho do que vejo. E não do tamanho da minha altura."
Todo pasa y todo queda, pero lo nuestro es pasar, pasar haciendo caminos, caminos sobre el mar.
Nunca persequí la gloria, ni dejar en la memoria de los hombres mi canción; yo amo los mundos sutiles, ingrávidos y gentiles, como pompas de jabón.
Me gusta verlos pintarse de sol y grana, volar bajo el cielo azul, temblar súbitamente y quebrarse...
Nunca perseguí la gloria.
Caminante, son tus huellas el camino y nada más; caminante, no hay camino, se hace camino al andar.
Al andar se hace camino y al volver la vista atrás se ve la senda que nunca se ha de volver a pisar.
Caminante no hay camino sino estelas en la mar...
Hace algún tiempo en ese lugar donde hoy los bosques se visten de espinos se oyó la voz de un poeta gritar "Caminante no hay camino, se hace camino al andar..."
Golpe a golpe, verso a verso...
Murió el poeta lejos del hogar. Le cubre el polvo de un país vecino. Al alejarse le vieron llorar. "Caminante no hay camino, se hace camino al andar..."
Golpe a golpe, verso a verso...
Cuando el jilguero no puede cantar. Cuando el poeta es un peregrino, cuando de nada nos sirve rezar. "Caminante no hay camino, se hace camino al andar..."
De manhã estava acomodada no TGV que me levaria a Lausanne, de onde faria a conexão para Montreux. Márcia estaria me esperando na estação. E assim se deu. Ao nós vermos, o abraço foi infinito. É incrível como uma amizade que começou por e-mail por motivos profissionais conseguiu progredir até se transformar num afeto real. Fomos direto a um restaurante de comida italiana e, parecendo mesmo duas italianas sem freio na língua, estendemos nosso blá-blá-blá pela tarde afora. Não era noivado, mas ganhei um anel lindo feito por ela - até hoje me param na rua perguntando onde comprei. Quando ela me deixou no hotel, nem desfiz a mala e tampouco abri a janela. Caí desmaiada na cama. Ao acordar do meu sono de princesa, descobri que meu quarto tinha uma sacada que dava para o translúcido lago Leman e para as montanhas com suas neves eternas. O cenário era de filme de Walt Disney, mas o que mais me impressionava era o perfume que a natureza produzia. Me vesti e fui dar uma caminhada pelas redondezas. Descobri jardins floridos e caminhos secretos, tudo absolutamente silencioso e impecável. Pensei: "Adoraria morar aqui...". E logo concluí o pensamento:"...aos 90 anos de idade". Seria uma boa escala antes de chegar ao céu, mas, por enquanto, não troco a agitação dos centros urbanos pela paz eterna. (...) Deixei a Suíça e fui descansar de tanta organização na Itália, onde mais?
Martha Medeiros, Um Lugar na Janela: Relatos de Viagem, Porto Alegre, RS:L&M, 2013, pp 67, 68, 73
¿Volver? Vuelva el que tenga, Tras largos años, tras un largo viaje, Cansancio del camino y la codicia De su tierra, su casa, sus amigos, Del amor que al regreso fiel le espere.
Mas, ¿tú? ¿Volver? Regresar no piensas, Sino seguir libre adelante, Disponible por siempre, mozo o viejo, Sin hijo que te busque, como a Ulises, Sin Ítaca que aguarde y sin Penélope.
Sigue, sigue adelante y no regreses, Fiel hasta el fin del camino y tu vida, No eches de menos un destino más fácil, Tus pies sobre la tierra antes no hollada, Tus ojos frente a lo antes nunca visto.
Voando vai para a praia Leonor na estrada preta. Vai na brasa, de lambreta.
Leva calções de pirata, Vermelho de alizarina, modelando a coxa fina de impaciente nervura. Como guache lustroso, amarelo de indantreno, blusinha de terileno desfraldada na cintura.
Fuge, fuge, Leonoreta. Vai na brasa, de lambreta.
Agarrada ao companheiro na volúpia da escapada pincha no banco traseiro em cada volta da estrada. Grita de medo fingido, que o receio não é com ela, mas por amor e cautela abraça-o pela cintura. Vai ditosa, e bem segura.
Como um rasgão na paisagem corta a lambreta afiada, engole as bermas da estrada e a rumorosa folhagem. Urrando, estremece a terra, bramir de rinoceronte, enfia pelo horizonte como um punhal que se enterra. Tudo foge à sua volta, o céu, as nuvens, as casas, e com os bramidos que solta lembra um demónio com asas.
Na confusão dos sentidos já nem percebe, Leonor, se o que lhe chega aos ouvidos são ecos de amor perdidos se os rugidos do motor.
ABOARD, at a ship's helm, A young steersman, steering with care.
A bell through fog on a sea-coast dolefully ringing, An ocean-bell--O a warning bell, rock'd by the waves.
O you give good notice indeed, you bell by the sea-reefs ringing, Ringing, ringing, to warn the ship from its wreck-place.
For, as on the alert, O steersman, you mind the bell's admonition, The bows turn,--the freighted ship, tacking, speeds away under her gray sails, The beautiful and noble ship, with all her precious wealth, speeds away gaily and safe.
But O the ship, the immortal ship! O ship aboard the ship! O ship of the body--ship of the soul--voyaging, voyaging, voyaging.
O menino estranhou a emenda de sua mãe. Não mencionava ele uma criatura do ar? A criança tem a vantagem de estrear o mundo, iniciando outro matrimónio entre as coisas e os nomes. Outros a elas se semelham, à vida sempre recém-chegando. São os homens em estado de poesia, essa infância autorizada pelo brilho da palavra.
- Mãe: avioneta é a neta do avião?
Vamos para a sala de espera, ordenou a mãe. Sala de esperas? Que o miúdo acreditava que todas as salas fossem iguais, na viscosa espera de nascer sempre menos. Ela lhe admolestou, prescrevendo juízo. Aquilo era um aeroporto, lugar de respeito. A senhora apontou os passageiros, seus ares graves, sotúrnicos. O menino mediu-se com aquele luto, aceitando os deveres do seu tamanho. Depois, se desenrolou do colo materno, fez sua a sua mão e foi à vidraça. Espreitou os imponentes ruídos, alertou a mãe para um qualquer espanto. Mas a sua voz se arfogou no tropel dos motores.
Eu assistia a criança. Procurava naquele aprendiz de criatura a ingenuidade que nos autoriza a sermos estranhos num mundo que nos estranha. Frágeis onde a mentira credencia os fortes.
Seria aquele menino a fractura por onde, naquela toda frieza, espreitava a humanidade? No aeroporto eu me salvava da angústia através de um exemplar da infância. Valha-nos nós.
O menino agora contemplava as traseiras do céu, seguindo as fumagens, lentas pegadas dos instantâneos aviões. Ele então se fingiu um aeroplano, braços estendidos em asas. Descolava do chão, o mundo sendo seu enorme brinquedo. E viajava por seus infinitos, roçando as malas e as pernas dos passageiros entediados. Até que a mãe debitou suas ordens. Ele que recolhesse a fantasia, aquele lugar era pertença exclusiva dos adultos.
- Arranja-te. Estamos quase a partir.
- Então vou despedir do passaporteiro
A mãe corrigiu em dupla dose. Primeiro, não ia a nenhuma parte. Segundo, não se chamava assim ao senhor dos passaportes. Mas só no presente o menino se subditava. Porque, em seu sonho, mais adiante, ele se proclama:
- Quando for grande quero ser passaporteiro.
E ele já se antefruía, de farda, dentro do vidro. Ele é que autorizava a subida aos céus.
- Vou estudar para migraceiro.
- És doido, filho. Fica quieto.
O miúdo guardou seus jogos, constreito. Que criança, neste mundo, tem vocação para adulto?
Saímos da sala para o avião. Chuviscava. O menino seguia seus passos quando, na lisura do alcatrão, ele viu o sapo. Encharcado, o bicho saltiritava. Sua boca, maior que o corpo, traduzia o espanto das diferenças. Que fazia ali aquele representante dos primórdios, naquele lugar de futuros apressados?
O menino parou, observente, cuidando os perigos do batráquio. Na imensa incompreensão do asfalto, o bicho seria esmagado por cega e certeira roda.
- Mãe, eu posso levar o sapo?
A senhora estremeceu de horror. Olhou vergonhada, pedindo desculpas aos passantes. Então, começou a disputa. A senhora obrigava o braço do filho, os dois se teimavam. Venceu a secular maternidade. O menino, murcho como acento circunflexo, subiu as escadas, ocupou seu lugar, ajeitou o cinto. Do meu assento eu podia ver a tristeza desembrulhando líquidas missangas no seu rosto. Fiz-lhe sinal, ele me encarou de soslado. Então, em seu rosto se acendeu a mais grata bandeira de felicidade. Porque do côncavo de minhas mãos espreitou o focinho do mais clandestino de todos os passageiros.
What the moral? Who rides may read. When the night is thick and the tracks are blind A friend at a pinch is a friend, indeed, But a fool to wait for the laggard behind. Down to Gehenna or up to the Throne, He travels the fastest who travels alone.
White hands cling to the tightened rein, Slipping the spur from the booted heel, Tenderest voices cry " Turn again!" Red lips tarnish the scabbarded steel, High hopes faint on a warm hearth-stone-- He travels the fastest who travels alone.
One may fall but he falls by himself-- Falls by himself with himself to blame. One may attain and to him is pelf-- Loot of the city in Gold or Fame. Plunder of earth shall be all his own Who travels the fastest and travels alone.
Wherefore the more ye be helpen-.en and stayed, Stayed by a friend in the hour of toil, Sing the heretical song I have made-- His be the labour and yours be the spoil. Win by his aid and the aid disown-- He travels the fastest who travels alone!
Two roads diverged in a yellow wood, And sorry I could not travel both And be one traveler, long I stood And looked down one as far as I could To where it bent in the undergrowth;
Then took the other, as just as fair, And having perhaps the better claim, Because it was grassy and wanted wear; Though as for that the passing there Had worn them really about the same,
And both that morning equally lay In leaves no step had trodden black. Oh, I kept the first for another day! Yet knowing how way leads on to way, I doubted if I should ever come back.
I shall be telling this with a sigh Somewhere ages and ages hence: Two roads diverged in a wood, and I— I took the one less traveled by, And that has made all the difference.
A tarde é de oiro rútilo: esbraseia. O horizonte: um cacto purpurino. E a vaga esbelta que palpita e ondeia, Com uma frágil graça de menino, . Pousa o manto de arminho na areia E lá vai, e lá segue o seu destino! E o sol, nas casas brancas que incendeia, Desenha mãos sangrentas de assassino! . Que linda tarde aberta sobre o mar! Vai deitando do céu molhos de rosas Que Apolo se entretém a desfolhar... . E, sobre mim, em gestos palpitantes, As tuas mãos morenas, milagrosas, São as asas do sol, agonizantes... . Florbela Espanca
"Quando Gregor Samsa despertou, certa manhã, de um sonho agitado viu que se transformara, durante o sono, numa espécie monstruosa de insecto.
ResponderEliminarPermaneceu de costas, as quais eram duras como uma couraça, e, erguendo um pouco a cabeça, conseguiu ver a saliência do seu grande ventre castanho, dividido em nítidas ondulações. As cobertas escorregavam, irremediavelmente, do alto da curva, e as pernas de Gregor, lamentavelmente finas, comparadas com o seu tamanho primitivo, agitavam-se, impotentes, diante dos seus olhos.
/.../
Gregor volveu o olhar para a janela; podia ouvir-se a chuva caindo sobre as vidraças. O tempo nevoento punha-o triste. «E se eu dormisse mas um pouco e esquecesse toda esta estupidez?» Mas isso era-lhe absolutamente impossível, pois estava acostumado a dormir voltado para o lado direito, e a situação em que se achava impedia-o de virar-se para tal posição. Por mais que procurasse virar-se, violentamente, para o lado, caía sempre de costas, com um pequeno movimento circular."
Franz Kafka, A Metamorfose
ALBATROZ
ResponderEliminarSem palavras!!!
De novo eu? Que é isto?
Serei só o que resisto,
de todos o que resto?
Ou é porque me presto,
pela grandeza da envergadura
e pelo peso duro do meu gesto
à xilogravura?
"Souvent, pour s'amuser, les hommes d'équipage
Prennent des albatros, vastes oiseaux des mers,
Qui suivent, indolents compagnons de voyage,
Le navire glissant sur les gouffres amers.
A peine les ont-ils déposés sur les planches,
Que ces rois de l'azur, maladroits et honteux,
Laissent piteusement leurs grandes ailes blanches
Comme des avirons traîner à côté d'eux.
Ce voyageur ailé, comme il est gauche et veule!
Lui, naguère si beau, qu'il est comique et laid!
L'un agace son bec avec un brûle-gueule,
L'autre mime, en boitant, l'infirme qui volait!
Le Poète est semblable au prince des nuées
Qui hante la tempête et se rit de l'archer;
Exilé sur le sol au milieu des huées,
Ses ailes de géant l'empêchent de marcher.
Charles Baudelaire, "L'Albatros" IN LES FLEURS DU MAL, Précédées d'une notice de Théophile Gautier, Paris, Michel Lévy Ed., 1868, pp. 89.
How can I keep my soul in me, so that
ResponderEliminarit doesn't touch your soul? How can I raise
it high enough, past you, to other things?
I would like to shelter it, among remote
lost objects, in some dark and silent place
that doesn't resonate when your depths resound.
Yet everything that touches us, me and you,
takes us together like a violin's bow,
which draws *one* voice out of two separate strings.
Upon what instrument are we two spanned?
And what musician holds us in his hand?
Oh sweetest song.
Rainer Maria Rilke
Do you remember still the falling stars
ResponderEliminarthat like swift horses through the heavens raced
and suddenly leaped across the hurdles
of our wishes--do you recall? And we
did make so many! For there were countless numbers
of stars: each time we looked above we were
astounded by the swiftness of their daring play,
while in our hearts we felt safe and secure
watching these brilliant bodies disintegrate,
knowing somehow we had survived their fall.
Rainer Maria Rilke
Canção da Tarde no Campo
ResponderEliminarCanção da tarde no campo
Caminho do campo verde
estrada depois de estrada.
Cerca de flores, palmeiras,
serra azul, água calada.
Eu ando sozinha
no meio do vale.
Mas a tarde é minha.
Meus pés vão pisando a terra
Que é a imagem da minha vida:
tão vazia, mas tão bela,
tão certa, mas tão perdida!
Eu ando sozinha
por cima de pedras.
Mas a tarde é minha.
Os meus passos no caminho
são como os passos da lua;
vou chegando, vai fugindo,
minha alma é a sombra da tua.
Eu ando sozinha
por dentro de bosques.
Mas a fonte é minha.
De tanto olhar para longe,
não vejo o que passa perto,
meu peito é puro deserto.
Subo monte, desço monte.
Eu ando sozinha
ao longo da noite.
Mas a estrela é minha.
Cecília Meireles
Vida
ResponderEliminarA vida é o que fazemos dela. As viagens são os viajantes. O que vemos não é o que vemos, senão o que somos.
Fernando Pessoa
Quanta turbulência é visível nesta representação do viajante.
ResponderEliminarTanto mundo ao seu redor e ele tão grande para tão pequeno barco.
Onde você vê um obstáculo,
ResponderEliminaralguém vê o término da viagem
e o outro vê uma chance de crescer.
Onde você vê um motivo pra se irritar,
Alguém vê a tragédia total
E o outro vê uma prova para sua paciência.
Onde você vê a morte,
Alguém vê o fim
E o outro vê o começo de uma nova etapa...
Onde você vê a fortuna,
Alguém vê a riqueza material
E o outro pode encontrar por trás de tudo, a dor e a miséria total.
Onde você vê a teimosia,
Alguém vê a ignorância,
Um outro compreende as limitações do companheiro,
percebendo que cada qual caminha em seu próprio passo.
E que é inútil querer apressar o passo do outro,
a não ser que ele deseje isso.
Cada qual vê o que quer, pode ou consegue enxergar.
"Porque eu sou do tamanho do que vejo.
E não do tamanho da minha altura."
Fernando Pessoa
Todo pasa y todo queda,
ResponderEliminarpero lo nuestro es pasar,
pasar haciendo caminos,
caminos sobre el mar.
Nunca persequí la gloria,
ni dejar en la memoria
de los hombres mi canción;
yo amo los mundos sutiles,
ingrávidos y gentiles,
como pompas de jabón.
Me gusta verlos pintarse
de sol y grana, volar
bajo el cielo azul, temblar
súbitamente y quebrarse...
Nunca perseguí la gloria.
Caminante, son tus huellas
el camino y nada más;
caminante, no hay camino,
se hace camino al andar.
Al andar se hace camino
y al volver la vista atrás
se ve la senda que nunca
se ha de volver a pisar.
Caminante no hay camino
sino estelas en la mar...
Hace algún tiempo en ese lugar
donde hoy los bosques se visten de espinos
se oyó la voz de un poeta gritar
"Caminante no hay camino,
se hace camino al andar..."
Golpe a golpe, verso a verso...
Murió el poeta lejos del hogar.
Le cubre el polvo de un país vecino.
Al alejarse le vieron llorar.
"Caminante no hay camino,
se hace camino al andar..."
Golpe a golpe, verso a verso...
Cuando el jilguero no puede cantar.
Cuando el poeta es un peregrino,
cuando de nada nos sirve rezar.
"Caminante no hay camino,
se hace camino al andar..."
Golpe a golpe, verso a verso.
Antonio Machado
De manhã estava acomodada no TGV que me levaria a Lausanne, de onde faria a conexão para Montreux. Márcia estaria me esperando na estação. E assim se deu. Ao nós vermos, o abraço foi infinito. É incrível como uma amizade que começou por e-mail por motivos profissionais conseguiu progredir até se transformar num afeto real. Fomos direto a um restaurante de comida italiana e, parecendo mesmo duas italianas sem freio na língua, estendemos nosso blá-blá-blá pela tarde afora. Não era noivado, mas ganhei um anel lindo feito por ela - até hoje me param na rua perguntando onde comprei. Quando ela me deixou no hotel, nem desfiz a mala e tampouco abri a janela. Caí desmaiada na cama.
ResponderEliminarAo acordar do meu sono de princesa, descobri que meu quarto tinha uma sacada que dava para o translúcido lago Leman e para as montanhas com suas neves eternas. O cenário era de filme de Walt Disney, mas o que mais me impressionava era o perfume que a natureza produzia. Me vesti e fui dar uma caminhada pelas redondezas. Descobri jardins floridos e caminhos secretos, tudo absolutamente silencioso e impecável. Pensei: "Adoraria morar aqui...". E logo concluí o pensamento:"...aos 90 anos de idade". Seria uma boa escala antes de chegar ao céu, mas, por enquanto, não troco a agitação dos centros urbanos pela paz eterna.
(...)
Deixei a Suíça e fui descansar de tanta organização na Itália, onde mais?
Martha Medeiros, Um Lugar na Janela: Relatos de Viagem, Porto Alegre, RS:L&M, 2013, pp 67, 68, 73
Peregrino
ResponderEliminar¿Volver? Vuelva el que tenga,
Tras largos años, tras un largo viaje,
Cansancio del camino y la codicia
De su tierra, su casa, sus amigos,
Del amor que al regreso fiel le espere.
Mas, ¿tú? ¿Volver? Regresar no piensas,
Sino seguir libre adelante,
Disponible por siempre, mozo o viejo,
Sin hijo que te busque, como a Ulises,
Sin Ítaca que aguarde y sin Penélope.
Sigue, sigue adelante y no regreses,
Fiel hasta el fin del camino y tu vida,
No eches de menos un destino más fácil,
Tus pies sobre la tierra antes no hollada,
Tus ojos frente a lo antes nunca visto.
Luis Cernuda
Poema da Auto-estrada
ResponderEliminarVoando vai para a praia
Leonor na estrada preta.
Vai na brasa, de lambreta.
Leva calções de pirata,
Vermelho de alizarina,
modelando a coxa fina
de impaciente nervura.
Como guache lustroso,
amarelo de indantreno,
blusinha de terileno
desfraldada na cintura.
Fuge, fuge, Leonoreta.
Vai na brasa, de lambreta.
Agarrada ao companheiro
na volúpia da escapada
pincha no banco traseiro
em cada volta da estrada.
Grita de medo fingido,
que o receio não é com ela,
mas por amor e cautela
abraça-o pela cintura.
Vai ditosa, e bem segura.
Como um rasgão na paisagem
corta a lambreta afiada,
engole as bermas da estrada
e a rumorosa folhagem.
Urrando, estremece a terra,
bramir de rinoceronte,
enfia pelo horizonte
como um punhal que se enterra.
Tudo foge à sua volta,
o céu, as nuvens, as casas,
e com os bramidos que solta
lembra um demónio com asas.
Na confusão dos sentidos
já nem percebe, Leonor,
se o que lhe chega aos ouvidos
são ecos de amor perdidos
se os rugidos do motor.
Fuge, fuge, Leonoreta.
Vai na brasa, de lambreta.
António Gedeão, in 'Máquina de Fogo'
ABOARD, at a ship's helm,
ResponderEliminarA young steersman, steering with care.
A bell through fog on a sea-coast dolefully ringing,
An ocean-bell--O a warning bell, rock'd by the waves.
O you give good notice indeed, you bell by the sea-reefs ringing,
Ringing, ringing, to warn the ship from its wreck-place.
For, as on the alert, O steersman, you mind the bell's admonition,
The bows turn,--the freighted ship, tacking, speeds away under her
gray sails,
The beautiful and noble ship, with all her precious wealth, speeds
away gaily and safe.
But O the ship, the immortal ship! O ship aboard the ship!
O ship of the body--ship of the soul--voyaging, voyaging, voyaging.
Walt Whitman
Pescador da barca bela,
ResponderEliminarOnde vais pescar com ela,
Que é tão bela,
Ó pescador?
Não vês que a última estrela
No céu nublado se vela?
Colhe a vela,
Oh pescador!
Deita o laço com cautela,
Que a sereia canta bela...
Mas cautela,
Oh pescador!
Não se enrede a rede nela,
Que perdido é remo e vela
Só de vê-la,
Oh pescador,
Pescador da barca bela,
Inda é tempo, foge dela,
Foge dela
Oh pescador!
Almeida Garrett, Folhas Caídas, 1853
O viajante clandestino
- Não é arvião. Diz-se: avião.
O menino estranhou a emenda de sua mãe. Não mencionava ele uma criatura do ar? A criança tem a vantagem de estrear o mundo, iniciando outro matrimónio entre as coisas e os nomes. Outros a elas se semelham, à vida sempre recém-chegando. São os homens em estado de poesia, essa infância autorizada pelo brilho da palavra.
- Mãe: avioneta é a neta do avião?
Vamos para a sala de espera, ordenou a mãe. Sala de esperas? Que o miúdo acreditava que todas as salas fossem iguais, na viscosa espera de nascer sempre menos. Ela lhe admolestou, prescrevendo juízo. Aquilo era um aeroporto, lugar de respeito. A senhora apontou os passageiros, seus ares graves, sotúrnicos. O menino mediu-se com aquele luto, aceitando os deveres do seu tamanho. Depois, se desenrolou do colo materno, fez sua a sua mão e foi à vidraça. Espreitou os imponentes ruídos, alertou a mãe para um qualquer espanto. Mas a sua voz se arfogou no tropel dos motores.
Eu assistia a criança. Procurava naquele aprendiz de criatura a ingenuidade que nos autoriza a sermos estranhos num mundo que nos estranha. Frágeis onde a mentira credencia os fortes.
Seria aquele menino a fractura por onde, naquela toda frieza, espreitava a humanidade? No aeroporto eu me salvava da angústia através de um exemplar da infância. Valha-nos nós.
O menino agora contemplava as traseiras do céu, seguindo as fumagens, lentas pegadas dos instantâneos aviões. Ele então se fingiu um aeroplano, braços estendidos em asas. Descolava do chão, o mundo sendo seu enorme brinquedo. E viajava por seus infinitos, roçando as malas e as pernas dos passageiros entediados. Até que a mãe debitou suas ordens. Ele que recolhesse a fantasia, aquele lugar era pertença exclusiva dos adultos.
- Arranja-te. Estamos quase a partir.
- Então vou despedir do passaporteiro
A mãe corrigiu em dupla dose. Primeiro, não ia a nenhuma parte. Segundo, não se chamava assim ao senhor dos passaportes. Mas só no presente o menino se subditava. Porque, em seu sonho, mais adiante, ele se proclama:
- Quando for grande quero ser passaporteiro.
E ele já se antefruía, de farda, dentro do vidro. Ele é que autorizava a subida aos céus.
- Vou estudar para migraceiro.
- És doido, filho. Fica quieto.
O miúdo guardou seus jogos, constreito. Que criança, neste mundo, tem vocação para adulto?
Saímos da sala para o avião. Chuviscava. O menino seguia seus passos quando, na lisura do alcatrão, ele viu o sapo. Encharcado, o bicho saltiritava. Sua boca, maior que o corpo, traduzia o espanto das diferenças. Que fazia ali aquele representante dos primórdios, naquele lugar de futuros apressados?
O menino parou, observente, cuidando os perigos do batráquio. Na imensa incompreensão do asfalto, o bicho seria esmagado por cega e certeira roda.
- Mãe, eu posso levar o sapo?
A senhora estremeceu de horror. Olhou vergonhada, pedindo desculpas aos passantes. Então, começou a disputa. A senhora obrigava o braço do filho, os dois se teimavam. Venceu a secular maternidade. O menino, murcho como acento circunflexo, subiu as escadas, ocupou seu lugar, ajeitou o cinto. Do meu assento eu podia ver a tristeza desembrulhando líquidas missangas no seu rosto. Fiz-lhe sinal, ele me encarou de soslado. Então, em seu rosto se acendeu a mais grata bandeira de felicidade. Porque do côncavo de minhas mãos espreitou o focinho do mais clandestino de todos os passageiros.
Mia Couto, in Cronicando, Caminho
VIAJAR! PERDER PAÍSES!
ResponderEliminarViajar! Perder países!
Ser outro constantemente,
Por a alma não ter raízes
De viver de ver somente!
Não pertencer nem a mim!
Ir em frente, ir a seguir
A ausência de ter um fim,
E a ânsia de o conseguir!
Viajar assim é viagem.
Mas faço-o sem ter de meu
Mais que o sonho da passagem.
O resto é só terra e céu.
Fernando Pessoa
Bridge over troubled waters
ResponderEliminarWhen you're weary, feeling small
When tears are in your eyes
I will dry them all
I'm on your side
Oh when times get rough
And friends just can't be found
Like a bridge over troubled water
I will lay me down
Like a bridge over troubled water
I will lay me down
When you're down and out
When you're on the street
When evening falls so hard, I will comfort you
I'll take your part
Oh, when darkness comes
And pain is all around
Like a bridge over troubled water
I will lay me down
Like a bridge over troubled water
I will lay me down
Sail on silver girl, sail on by
Your time has come to shine
All your dreams are on their way
See how they shine
Oh, if you need a friend
I'm sailing right behind
Like a bridge over troubled water
I will ease your mind
Like a bridge over troubled water
I will ease your mind
Songwriters
SIMON, PAUL
Sailing
ResponderEliminarI am sailing, I am sailing,
home again 'cross the sea.
I am sailing, stormy waters,
to be near you, to be free.
I am flying, I am flying,
like a bird 'cross the sky.
I am flying, passing high clouds,
to be with you, to be free.
Can you hear me, can you hear me
thro' the dark night, far away,
I am dying, forever trying,
to be with you, who can say.
Can you hear me, can you hear me,
thro' the dark night far away.
I am dying, forever trying,
to be with you, who can say.
We are sailing, we are sailing,
home again 'cross the sea.
We are sailing stormy waters,
to be near you, to be free.
Oh Lord, to be near you, to be free.
Oh Lord, to be near you, to be free,
Oh Lord.
Rod Stewart (singer)
The Winners
ResponderEliminar("The Story of the Gadsbys")
What the moral? Who rides may read.
When the night is thick and the tracks are blind
A friend at a pinch is a friend, indeed,
But a fool to wait for the laggard behind.
Down to Gehenna or up to the Throne,
He travels the fastest who travels alone.
White hands cling to the tightened rein,
Slipping the spur from the booted heel,
Tenderest voices cry " Turn again!"
Red lips tarnish the scabbarded steel,
High hopes faint on a warm hearth-stone--
He travels the fastest who travels alone.
One may fall but he falls by himself--
Falls by himself with himself to blame.
One may attain and to him is pelf--
Loot of the city in Gold or Fame.
Plunder of earth shall be all his own
Who travels the fastest and travels alone.
Wherefore the more ye be helpen-.en and stayed,
Stayed by a friend in the hour of toil,
Sing the heretical song I have made--
His be the labour and yours be the spoil.
Win by his aid and the aid disown--
He travels the fastest who travels alone!
Rudyard Kipling
The Road Not Taken
ResponderEliminarTwo roads diverged in a yellow wood,
And sorry I could not travel both
And be one traveler, long I stood
And looked down one as far as I could
To where it bent in the undergrowth;
Then took the other, as just as fair,
And having perhaps the better claim,
Because it was grassy and wanted wear;
Though as for that the passing there
Had worn them really about the same,
And both that morning equally lay
In leaves no step had trodden black.
Oh, I kept the first for another day!
Yet knowing how way leads on to way,
I doubted if I should ever come back.
I shall be telling this with a sigh
Somewhere ages and ages hence:
Two roads diverged in a wood, and I—
I took the one less traveled by,
And that has made all the difference.
Robert Frost
A tarde é de oiro rútilo: esbraseia.
ResponderEliminarO horizonte: um cacto purpurino.
E a vaga esbelta que palpita e ondeia,
Com uma frágil graça de menino,
.
Pousa o manto de arminho na areia
E lá vai, e lá segue o seu destino!
E o sol, nas casas brancas que incendeia,
Desenha mãos sangrentas de assassino!
.
Que linda tarde aberta sobre o mar!
Vai deitando do céu molhos de rosas
Que Apolo se entretém a desfolhar...
.
E, sobre mim, em gestos palpitantes,
As tuas mãos morenas, milagrosas,
São as asas do sol, agonizantes...
.
Florbela Espanca
22 comentários, agora 23, é obra!
ResponderEliminarQuantos comentários o viajante suscita...
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