terça-feira, 10 de junho de 2014

Já foi voluptuosa descoberta. Eugénio de Andrade

Barcos ou aves

De noite eram barcos, de manhã são aves:
entram cantando pela casa.
Juntos vão pelos dias como irmãos
gémeos, dependentes
uns dos outros como estrelas
da mesma constelação.
Cada viagem já foi voluptuosa
descoberta de emoções
de porto em porto; agora
é só o gosto inteligente
de regressar à pequena praça
de muros caiados, à casa
onde o corpo se reconheceu noutro corpo,
fiéis a esta luz, este mar.

Eugénio de Andrade, Poesia. Vila Nova de Gaia, Rosto Editora, 2011, p 603-604.

11 comentários:

  1. Pus o meu sonho num navio
    e o navio em cima do mar;
    - depois, abri o mar com as mãos,
    para o meu sonho naufragar

    Minhas mãos ainda estão molhadas
    do azul das ondas entreabertas,
    e a cor que escorre de meus dedos
    colore as areias desertas.

    O vento vem vindo de longe,
    a noite se curva de frio;
    debaixo da água vai morrendo
    meu sonho, dentro de um navio...

    Chorarei quanto for preciso,
    para fazer com que o mar cresça,
    e o meu navio chegue ao fundo
    e o meu sonho desapareça.

    Depois, tudo estará perfeito;
    praia lisa, águas ordenadas,
    meus olhos secos como pedras
    e as minhas duas mãos quebradas.
    Cecília Meireles

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  2. Houve uma Ilha em Ti

    Houve uma ilha em ti que eu conquistei.
    Uma ilha num mar de solidão.
    Tinha um nome a ilha onde morei.
    Chamava-se essa ilha Coração.

    Que saudades do tempo que passei.
    Nenhum desses momentos foi em vão.
    Do teu corpo, de ti, já nada sei.
    Também não sei da ilha, não sei, não.

    Só sei de mim, coberto de raízes.
    Enterrei os momentos mais felizes.
    Vivo agora na sombra a recordar.

    A ilha que eu amei já não existe.
    Agora amo o céu quando estou triste
    por não saber do coração do mar.

    Joaquim Pessoa, in 'Ano Comum'

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  3. Do lado do verão
    vinha do sul ou dum verso de Homero.
    Como dormir, depois de ter ouvido
    o mar o mar o mar na sua boca?

    Eugénio de Andrade

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  4. – Das coisas melhores que me aconteceram na vida foi ter nascido numa aldeia da Beira Baixa, e aí ter passado toda a minha infância. Como sou filho, neto e bisneto de camponeses, em casa havia apenas um só livro, uma Vida de Santos que ninguém lia, pois as poucas letras que alguns homens da família haviam aprendido tinham-nas esquecido quase todas. Meteram-me na escola aos seis anos de idade, aprendia facilmente, mas nunca li o tal alfarrábio, pois o meu mundo também não era o das letras, mas o dos pássaros e do vento, o das águas e dos amieiros. Essa era a "poesia" que me chegava, mas havia outra, ela vinha na voz de minha mãe, e nos seus intermináveis romances, cuja lembrança me aquece ainda. (...)

    Eugénio de Andrade, in Rosto Precário, pp. 54

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  5. Já que se fala de viagens e de poesia, eis um poema da viagem, de uma especial viagem no tempo-poesia:

    "há não sei quantos mil anos um canavial estremeceu na Assíria
    e um douto poeta inscreveu esse tremor num curto poema lírico
    lido agora por mim junto a um canavial nos subúrbios de Lisboa
    e eu penso que os dois canaviais estremeceram igualmente
    a tantos tempos e lugares de distância
    e só se extinguirão devorados pelo fogo
    quando o fogo devorar a terra inteira"

    Herberto Helder (2014) A Morte sem Mestre. Porto: Porto Editora (p. 54)

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  6. Obrigada, Isabel, por trazer estes sons renovados de Herberto Hélder...

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  7. GAIVOTA
    eu mais eu. EU!
    Nos portos do Sado
    caminho e nado.
    Se o vento Sul pedir,
    para sempre cumpro este fado:
    finjo partir.

    [...]
    E dizem que no mar,
    no meio das marinhas filhas de Nereu, uma vida imperecível
    foi concedida a Ino, para todo o sempre.
    Na verdade, dos mortais não está determinado
    o termo da morte,
    nem quando chegaremos ao fim do dia tranquilo,
    filho do sol, com o que há de bom incólume.
    É que torrentes diferentes de lados diferentes
    correm em direcção aos homens com prazeres e dores.
    [...]
    Píndaro, "Ode Olímpica II", IN POESIA GREGA, org., trad. e notas de Frederico Lourenço, Lisboa, Livros Cotovia, 2006, pp. 103.

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  8. Oh, Deolinda! O gosto é meu.

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  9. Canto dos Espíritos sobre as Águas

    A alma do homem
    É como a água:
    Do céu vem,
    Ao céu sobe,
    E de novo tem
    Que descer à terra,
    Em mudança eterna.

    Corre do alto
    Rochedo a pino
    O veio puro,
    Então em belo
    Pó de ondas de névoa
    Desce à rocha liza,
    E acolhido de manso
    Vai, tudo velando,
    Em baixo murmúrio,
    Lá para as profundas.

    Erguem-se penhascos
    De encontro à queda,
    — Vai, 'spúmando em raiva,
    Degrau em degrau
    Para o abismo.

    No leito baixo
    Desliza ao longo do vale relvado,
    E no lago manso
    Pascem seu rosto
    Os astros todos.

    Vento é da vaga
    O belo amante;
    Vento mistura do fundo ao cimo
    Ondas 'spumantes.

    Alma do Homem,
    És bem como a água!
    Destino do homem,
    És bem como o vento!

    Johann Wolfgang von Goethe, in "Poemas"
    Tradução de Paulo Quintela

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  10. E no teu rosto aberto
    sobre o mar
    cada palavra era apenas
    o rumor
    de um bando de gaivotas
    a passar.

    Eugénio Andrade

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  11. Com tantas restrições editoriais à divulgação dos seus poemas por parte do autor (Herberto Helder), têm mesmo que ser utilizados meios alternativos para os dar a conhecer...

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