quinta-feira, 5 de junho de 2014

A Viagem (VI-VIII). Charles Beaudelaire

VI
Ó que infantil curiosidade!

Quereis saber o essencial?
Por toda a parte saltava à vista,
De alto abaixo da escala fatal,
O espectáculo repetitivo do imortal pecado.

A mulher, escrava vil orgulhosa e estúpida
Narcísica  e amando-se sem escrúpulos;

O homem, tirano glutão devasso duro e cúpido
Escravo do escravo abaixo de cão

O carrasco que pune com prazer, o mártir que emudece;

A festa perfumada com temperos de sangue;

O veneno do poder reforçando o déspota,
E o povo que adora o látego que o embrutece;

Várias religiões que como a nossa pretendem escalar o céu -
A santidade? Como se dum leito de plumas se tratasse um delicado
Se espoja em pregos e crinas em busca de volúpia

A humanidade tagarela, ébria do seu génio
E louca. agora como o foi outrora,
Amaldiçoava deus numa imensa gritaria
Considerando-o seu mestre e semelhante
Porque ambos mergulhados em idêntica agonia.

Os mesmos parvos, amantes ousados da demência,
Fugindo do grande rebanho agregado pelo destino,
Refugiam-se nos imensos poderes do ópio!

VII
Estas a notícias de sempre do nosso globo,
O saber amargo que nos deixa a viagem!
O mundo monótono e pequeno
Dar-nos-á sempre a mesma imagem, a nossa -
Um oásis de horror num deserto de tédio.

Partir ou ficar? Se possível, ficar. Caso contrário, largar amarras,
Movimento de mobilidade são estratégias para iludir o tempo,
Funesto inimigo vigilante e nosso. E, depois, existem os compulsivos,
Como o Judeu errante e os apóstolos
Qualquer meio de transporte lhe serve
Para escapar à rede infam das relações impostas.

Outros há também que sabem matá-lo sem sair do berço.

Quando o tempo nos pisa a espinha,
Podemos sempre gritar: para a frente, caminha.
Noutros tempos ia-se para a China,
Os olhos fixos no horizonte e os cabelos ao vento.
Agora embarcamos para o mar das trevas,
Com o coração ligeiro de passageiros jovens.

Ouçam lá essas vozes encantadoras e fúnebres
Qu cantam: "Vinde por aqui, se quereis provar
O Lótus perfumado! É aqui que colhemos
Os frutos milagrosos de que o vosso coração tem fome;
Vinde. Inebriai-vos com a doçura estranha
Desta tarde que não será evanescente!"

Sabemos que espectro nos chama.
Sua voz é-nos familiar. São as Pílades.
Tendem os braços para nos abraçar.
Aquela a quem outrora beijávamos os joelhos
Diz-nos que nademos até Electra e refresquemos o coração.

VIII
Chegou a hora, levantemos âncora, esta terra nos entedia,
Ó morte, experiente mestra. Aparelhemos!
Sob o céu e a terra carregados de negro,
Nossos corações que já conheces irradiam.

Bebamos o teu veneno! Que ele nos reconforte!
Essa fogo inflama-nos tanto o cérebro
Que queremos mergulhar no fundo do desconhecido
- Céu ou inferno, pouco importa -
Para encontrarmos o novo e o seu repto.

Charles Baudelaire, As Flores do Mal. Tradução de Maria Gabriela Llansol. Lisboa, Relógio d'Água, 2003 [ed. original 1857], p. 295-299.

11 comentários:

  1. Cette vie est un hôpital où chaque malade est possédé du désir de changer de lit. Celui-ci voudrait souffrir en face du poêle, et celui-là croit qu'il guérirait à côté de la fenêtre.
    Il me semble que je serais toujours bien là où je ne suis pas, et cette question de déménagement en est une que je discute sans cesse avec mon âme.
    "Dis-moi, mon âme, pauvre âme refroidie, que penserais-tu d'habiter Lisbonne? Il doit y faire chaud, et tu t'y ragaillardirais comme un lézard. Cette ville est au bord de l'eau; on dit qu'elle est bâtie en marbre, et que le peuple y a une telle haine du végétal, qu'il arrache tous les arbres. Voilà un paysage selon ton goût; un paysage fait avec la lumière et le minéral, et le liquide pour les réfléchir!"
    Mon âme ne répond pas.
    "Puisque tu aimes tant le repos, avec le spectacle du mouvement, veux-tu venir habiter la Hollande, cette terre béatifiante? Peut-être te divertiras-tu dans cette contrée dont tu as souvent admiré l'image dans les musées. Que penserais-tu de Rotterdam, toi qui aimes les forêts de mâts, et les navires amarrés au pied des maisons?"
    Mon âme reste muette.
    "Batavia te sourirait peut-être davantage? Nous y trouverions d'ailleurs l'esprit de l'Europe marié à la beauté tropicale."
    Pas un mot. - Mon âme serait-elle morte?
    "En es-tu donc venue à ce point d'engourdissement que tu ne te plaises que dans ton mal? S'il en est ainsi, fuyons vers les pays qui sont les analogies de la Mort.
    - Je tiens notre affaire, pauvre âme! Nous ferons nos malles pour Tornéo. Allons plus loin encore, à l'extrême bout de la Baltique; encore plus loin de la vie, si c'est possible; installons-nous au pôle. Là le soleil ne frise qu'obliquement la terre, et les lentes alternatives de la lumière et de la nuit suppriment la variété et augmentent la monotonie, cette moitié du néant. Là, nous pourrons prendre de longs bains de ténèbres, cependant que, pour nous divertir, les aurores boréales nous enverront de temps en temps leurs gerbes roses, comme des reflets d'un feu d'artifice de l'Enfer!"
    Enfin, mon âme fait explosion, et sagement elle me crie: "N'importe où! n'importe où! pourvu que ce soit hors de ce monde!"

    Charles Baudelaire

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  2. Descriptions of Heaven and Hell

    Yhe wave breaks
    And I´m carried into it.
    THis is hell, I know,
    Ye my father laughs,
    Chest-deep, proving I´m wrong.
    We´re safely rooted,
    Rocked on his toes.

    Nothing irked him more
    Than asking, "What is there
    Beyond death?"
    His theory once was
    That love greets yoy,
    And the loveless
    Don´t know what to say.

    Mark Jarman, 1952

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  3. Provérbios do Inferno

    No tempo da semeadura, aprende; na colheita, ensina; no inverno, desfruta.
    Conduz teu carro e teu arado por sobre os ossos dos mortos.
    A estrada do excesso leva ao palácio da sabedoria.
    A Prudência é uma solteirona rica e feia, cortejada pela Impotência.
    Quem deseja, mas não age, gera a pestilência.
    O verme partido perdoa ao arado.
    Mergulha no rio quem gosta de água.
    O tolo não v^a mesma árvore que o sábio.
    Aquele, cujo rosto não se ilumina, jamais há de ser uma estrela.
    A Eternidade anda apaixonada pelas produções do tempo.
    A abelha atarefada não tem tempo para tristezas.
    As horas de loucura são medidas pelo relógio; mas nenhum relógio mede as de sabedoria.
    Os alimentos sadios não são apanhados com armadilhas ou redes.
    Torna do número, do peso e da medida em ano de escassez.
    Nenhum pássaro se eleva muito, se eleva com as próprias asas.
    Um cadáver não vinga as injúrias.
    O ato mais sublime é colocar outro diante de ti.
    Se o louco persistisse na sua loucura, acabaria por se tornar Sábio.
    A loucura é o manto da velhacaria.
    O manto do orgulho é a vergonha.
    As Prisões constroem-se com pedras da Lei, os Bordéis, com os tijolos da Religião.
    O orgulho do pavão é a glória de us.
    O excesso de tristeza ri; o excesso de alegria chora. Araposa condena a armadilha, não a si própria.
    Os júbilos fecundam. As tristezas geram.
    Que o homem use a pele de leão; a mulher a lã de ovelha.
    O pássaro, um ninho; a aranha, uma teia; o homem, a amizade.
    O sorridente tolo egoísta e melancólico tolo carrancudo serão ambos julgados sábios para que sejam flagelos.
    O que hoje se prova, outrora era apenas imaginado.
    A ratazana, o camundongo, a raposa, o coelho olham as raízes; o leão. o tigre, o cavalo, o elefante olham os frutos.
    A cisterna contém; a fonte derrama.
    Um só pensamento preenche a imensidão.
    Dizi sempre o que pensas, e o homem torpe te evitará.
    Tudo o que se pode acreditar já é uma imagem da verdade. A águia nunca perdeu tanto o seu tempo como quando resolveu aprender co a gralha.
    A raposa provê para si, mas Deus provê para o leão.
    (...)

    William Blale

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  4. Provérbios do Inferno (Continuação)
    (...)
    De manhã, pensa; ao meio dia, age; no entardecer, como; de noite, dorme.
    Quem permitiu que dele te aproveitasses, esse te conhece.
    Assim como o arado vai atrás das palavras, assim Deus recompensa orações.
    Os tigres da ira são mais sábios do que os cavalos da instrução.
    Da água estagnada espera veneno.
    Nunca se sabe o que é suficiente até que se saiba o que é mais do que suficiente.
    Ouve a reprovação do tolo! É um elogio soberano!
    Os olhos, de fogo; as narinas, de ar; a boca, de água; a barba, de terra.
    O fraco na coragem é forte na esperteza.
    A macieira jamais pergunta à faia como crescer; nem o leão, ao cavalo, como apanhar uma presa.
    Ao receber, o solo grato produz abundante colheita.
    Se os outros não fossem tolos, nós teríamos que ser.
    A essência do doce prazer jamais pode ser imaculada.
    Ao veres uma Águia, vês uma parcela da Genialidade. Levanta a cabeça!
    Assim como a lagarta escolhe as mais belas folhas para deitar os ovos, assim o sacerdote lança a maldição sobre as alegrias mais belas.
    Criar uma florzinha é o labor de séculos.
    A maldição aperta. A bênção afrouxa.
    O melhor vinho é o mais velho; a melhor água, a mais nova.
    Orações não aram! Louvores não colhem! Júbilos não riem! Tristezas não choram!
    A cabeça, o Sublime; o coração, o Sentimento; os genitais, a beleza; as mãos e os pés, a Proporção.
    Como o ar para o ´pássaro ou o mar para o peixe, assim é o desprezo para o desprezível.
    A gralha gostaria que tudo fosse preto; a coruja, que tudo fosse branco.
    A Exuberância é a Beleza.
    Se o leão fosse aconselhado pela raposa, seria ardiloso.
    O Progresso constrói estradas retas; mas as estradas tortuosas, sem o Progresso, são estradas da Genialidade.
    Melhor matar uma criança no berço do que acalentar desejos insatisfeitos.
    Onde o homem não está a natureza é estéril.
    A verdade nunca pode ser dita de modo a ser compreendida sem ser acreditada.
    É suficiente! Ou Basta.

    William Blake

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  5. Ecce Homo

    Sim, sei de onde venho!
    Insatisfeito com a labareda
    Ardo para me consumir.
    Aquilo em que toco torna-se luz,
    Carvão aquilo que abandono:
    Sou certamente labareda.

    Friedrich Nietzsche, in "A Gaia Ciência"

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  6. A SONG OF LIBERTY

    Engraved circa 1792

    1. The Eternal Female groan'd! It was heard over all the Earth.

    2. Albion's coast is sick, silent. The American meadows faint!

    3. Shadows of Prophecy shiver along by the lakes and the rivers, and mutter across the ocean. France, rend down thy dungeon!

    4. Golden Spain, burst the barriers of old Rome!

    5. Cast thy keys, O Rome! into the deep, down falling, even to eternity down falling,

    6. And weep.

    7. In her trembling hands she took the new-born terror, howling.

    8. On those infinite mountains of light, now barr'd out by the Atlantic sea, the new-born fire stood before the starry king!

    9. Flagg'd with grey-brow'd snows and thunderous visages, the jealous wings wav'd over the deep.

    10. The speary hand burnèd aloft, unbuckled was the shield; forth went the hand of Jealousy among the flaming hair, and hurl'd the new-born wonder thro' the starry night.

    11. The fire, the fire, is falling!

    12. Look up! look up! O citizen of London, enlarge thy countenance! O Jew, leave counting gold! return to thy oil and wine. O African! black African! Go, wingèd thought, widen his forehead!

    13. The fiery limbs, the flaming hair, shot like the sinking sun into the western sea.

    14. Wak'd from his eternal sleep, the hoary element, roaring, fled away.

    15. Down rush'd, beating his wings in vain, the jealous King; his grey-brow'd counsellors, thunderous warriors, curl'd veterans, among helms, and shields, and chariots, horses, elephants, banners, castles, slings, and rocks,

    16. Falling, rushing, ruining! buried in the ruins, on Urthona's dens;

    17. All night beneath the ruins; then, their sullen flames faded, emerge round the gloomy King.

    18. With thunder and fire, leading his starry hosts thro' the waste wilderness, he promulgates his ten commands, glancing his beamy eyelids over the deep in dark dismay,

    19. Where the son of fire in his eastern cloud, while the morning plumes her golden breast,

    20. Spurning the clouds written with curses, stamps the stony law to dust, loosing the eternal horses from the dens of night, crying Empire is no more! and now the lion and the wolf shall cease.


    Chorus

    Let the Priests of the Raven of dawn no longer, in deadly black, with hoarse note curse the sons of joy! Nor his accepted brethren -- whom, tyrant, he calls free -- lay the bound or build the roof! Nor pale Religion's lechery call that Virginity that wishes but acts not!

    For everything that lives is Holy!

    William Blake

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  7. L´Horlogue

    Horlogue! dieu sinistre, effrayant, impassible,
    Dont le doigt nous menace et nous dir: "Souviens.toi!
    Les vibrantes Douleurs dans ton coeur plein d´effroi
    Se planteront bientôt comme dans une cible,

    Le plaisir vaporeux fuira vers l´horizon;
    Ainsi qu´une sylphide au fond de la coulisse;
    Chaque instante te dévore un morceau du délice
    A chaque homme accordé pour toute sa saison.

    Trois mille six cents fois par heure, la Seconde
    Chuchote: Souviennnnnnnnnnnnns-toi! - Rapide, avec sa voix
    D´insecte, Maintenant dit: Je suis Autrefois,
    Et j´ai pompé ta vie avec ma trompe immonde!

    Remember! Souviens-toi, prodigue! Esto menor!
    (Mon gosier, mortel folâtre, sont des gangues
    Qu´il ne faut pas lâcher sans en extraire l´or!

    Souviens-toi que le Temps est un joueur avide
    Qui gagne sans tricher, à tout coup! c´est la loi.
    Le jour décroît; la nuit augmente, souviens-toi!
    Le gouffre a toujours soif; la clepsydre se vide.

    Tant^t sonnera l´heure o*u le divin Hasard,
    Où l´auguste Vertu, ton épouse encore vierge,
    Où le repentir même (oh! la dernière auberge!),
    Où tout te dira: Meurs, vieux lâche! Il est trop tard!"

    Charles Baudelaire

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  8. Il faut être toujours ivre. Tout est là: c´est l´unique question. Pour ne pas sentir l´horrible fardeau du Temps qui brise vos épaules et vous penche vers la terre, il faut enivrer sans trêve.

    Mais de quoi? De vin, de poésie ou de vertu, à votre guise. Mais enivrez-vous. Et si quelquefois, sur les marches d´un palais, sur l´herbe verte d´un fosse, dans la solitude morne de votre chambre, vous vous réveillez, l´ivresse déjà diminueé ou disparue, demandez au vent, à la vague, à l´étoile, à l´oiseau, à l´horlogue, à tout ce que fuit, à tout ce qui gémit, à tout ce qui roule, à tout ce qui chante, à tout ce qui parle, demandez quele heure il est et le vent, la vague, l´étoile, l´oiseau, l´horlogue, vous répondront: " Il est l´heure de s´enivrer! Pour n´être pas les esclaves martyrisés du Temps, enivrez-vous; enivrez-vous sans cesse! De vin, de poésie ou de vertu, à votre guise.

    Charles Baudelaire´

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  9. GAIVOTA
    É isto:
    Insisto!
    "Mártir que emudece"?
    Não me parece...
    Para não ceder,
    não me deixar morrer,
    voo picado e mergulho.
    Nem que seja no entulho!

    [...]
    "Libre, fumant, monté de brumes violettes,
    Moi qui trouais le ciel rougeoyant comme un mur,
    Qui porte, confiture exquise aux bons poètes,
    Des lichens de soleil et des morves d'azur,

    Qui courais taché de lunules électriques,
    Planche folle, escorté des hippocampes noirs,
    Quand les juillets faisaient crouler à coups de triques
    Les cieux ultramarins aux ardents entonnoirs...

    J'ai vu des archipels sidéraux! et des îles
    Dont les cieux délirants sont ouverts au vogueur:
    Est-ce en ces nuits sans fond que tu dors et t'exiles,
    Million d'oiseaux d'or, ô future vigueur?

    Mais, vrai, j'ai trop pleuré. Les aubes sont navrantes,
    Toute lune est atroce et tout soleil amer.
    L'âcre amour m'a gonflé de torpeurs enivrantes.
    Oh! que ma quille éclate! Oh! que j'aille à la mer!"
    [...]

    Arthur Rimbaud, "Le bateau ivre" (1871), dit par Léo Ferré, IN L'IMAGINAIRE, Paris, 1982.

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  10. "Dionysos /.../ promet la dilatation du moi jusqu’aux frontières du monde et prétend briser l’étroite prison corporelle dont chaque homme est prisonnier, en lui faisant goûter l’extase d’une vie infinie."

    Jean Brun, in "Le Retour de Dionysos", Paris, 1969

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