sexta-feira, 13 de junho de 2014

Enfrentar o touro. Lygia Fagundes Telles

É simples, Rosa, escuta, você está em pânico porque sente que está envelhecendo. Foge do trabalho, das pessoas, vai acabar fugindo de mim. Rosa Ambrósio, como vou fazer entrar nessa cabeça que não existe outra saída, existe? Para escapar da velhice, querida, só morrendo jovem, mas agora não dá mais. A solução é enfrentar sem fazer bico, de bom humor, se possível. Enfrentar o touro, vamos fazer uma viagem? Coisa rápida que a hora é de trabalho, Madrid, Barcelona, você compra seus perfumes, eu vou às touradas.
- Tenho pena do touro.
- Amo a Espanha. Quero te mostrar a água-furtada onde morei no Bairro Gótico, eh! vidão! Aqui está triste demais, minha geração perdeu a esperança, o povo desesperado. E você com essa mania da velhice, quer ser internada? É isso?

Lygia Fagundes Telles, As Horas Nuas. Lisboa. Editorial Presença. 2005 [ed. original 1989], p. 99-100.

12 comentários:

  1. Envelhecer

    "Envelhecer é o único meio de viver muito tempo.

    A idade madura é aquela na qual ainda se é jovem, porém com muito mais esforço.

    O que mais me atormenta em relação às tolices de minha juventude, não é havê-las cometido...é sim não poder voltar a cometê-las.

    Envelhecer é passar da paixão para a compaixão.

    Muitas pessoas não chegam aos oitenta porque perdem muito tempo tentando ficar nos quarenta.

    Aos vinte anos reina o desejo, aos trinta reina a razão, aos quarenta o juízo.

    O que não é belo aos vinte, forte aos trinta, rico aos quarenta, nem sábio aos cinquenta, nunca será nem belo, nem forte, nem rico, nem sábio...

    Quando se passa dos sessenta, são poucas as coisas que nos parecem absurdas.

    Os jovens pensam que os velhos são bobos; os velhos sabem que os jovens o são.

    A maturidade do homem é voltar a encontrar a serenidade como aquela que se usufruía quando se era menino.

    Nada passa mais depressa que os anos.

    Quando era jovem dizia:

    “verás quando tiver cinqüenta anos”.

    Tenho cinqüenta anos e não estou vendo nada.

    Nos olhos dos jovens arde a chama, nos olhos dos velhos brilha a luz.

    A iniciativa da juventude vale tanto a experiência dos velhos.

    Sempre há um menino em todos os homens.

    A cada idade lhe cai bem uma conduta diferente.

    Os jovens andam em grupo, os adultos em pares e os velhos andam sós.

    Feliz é quem foi jovem em sua juventude e feliz é quem foi sábio em sua velhice.

    Todos desejamos chegar à velhice e todos negamos que tenhamos chegado.

    Não entendo isso dos anos: que, todavia, é bom vivê-los, mas não tê-los."
    Albert Camus

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  2. Oh que benção seria não se casar jamais, nem jamais envelhecer, mas passar toda a vida, inocente e indiferentemente, junto as árvores e aos rios que só nos podem manter a calma e como que para sempre crianças em meio aos percalços do mundo! O casamento ou qualquer alegria perturbariam a clareza da visão que ainda possuo. Foi a ideia de perde-la que gritei no meu intimo: "Não, nunca hei de deixá-los por um amante ou um marido", pondo-me de imediato a caçar coelhos no mato, com os cachorros e Jeremy.
    Virginia Woolf

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  3. *
    Permite-me a pobreza envelhecer assim, sossegadamen-
    te, sem que no meu lar o lume se extinga. Plantarei em devido tempo a vinha delicada e, como camponês que
    sou, podarei eu mesmo as árvores de fruto.
    Não, a deusa Esperança não me trairá: o trigo abundará,
    os odres ficarão cheios de vinho novo, pois eu sou piedo-
    so, faço oferendas à terra e às velhas pedras das encruzi-
    lhadas. E dedico aos deuses do campo os primeiros fru-
    tos que a estação me dá.
    Não ambiciono riquezas que já foram dos meus antepas-
    sados nem as ricas colheitas desta terra que antes de mim
    meu avô semeou. Basta-me o suficiente, porque isso bas-
    ta também para que me possa deitar descansando o cor-
    po fatigado.
    Então, como saberá bem ouvir o vento fustigar e, de in-
    verno, adormecer calmamente escutando a água cantar
    sob o granizo.

    (Álbio Tibulo, escritor romano do séc. I d. C.)
    in OS HERDEIROS DO VENTO, Antologia apócrifa
    de Joaquim Pessoa.

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  4. O Velho e a Flor
    Vinicius de Moraes

    Por céus e mares eu andei
    Vi um poeta e vi um rei
    Na esperança de saber o que é o amor
    Ninguém sabia me dizer
    E eu já queria até morrer
    Quando um velhinho com uma flor assim falou

    O amor é o carinho
    É o espinho que não se vê em cada flor
    É a vida quando
    Chega sangrando
    Aberta em pétalas de amor

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  5. Françoise Hardy

    Coches aparcados, la noche
    Colgadas de las fachadas, cantan
    Como licenciados en ciencias
    ''''''exactas
    Los beatles, artistas, geométricos
    suspiros, cabalgan en un listín
    '''''''telefónico
    Los autodidactas, en las barras
    De hielo el zumbido de le Gaggia
    tetas e ingles kilométricas
    há estallado
    en algún lugar la guerra, dicen
    de desinfección, pero canta
    la canción de una pequeña pequeño-
    burguesa, la poca heróica alegría
    de un regreso a casa la lampe
    qui's’éteigne, le dernier bonheur
    '''''''''''es algo
    Que pertenece al ritmo del peatón,
    Penúltimos minutos, algún lamento,
    Paraísos perdidos, mujeres rubias
    o un paisaje, el mar, sin duda el mar
    verdimalva de Port Llegat
    ya estaba
    en la misma canción la imposible
    penumbra, el imposible rincón
    !!!!!! del noctámbulo
    Cosechero de faros apagados y sombreros
    de copa o fieltro errantes
    autor del célebre
    twist
    ''''''''''la noche complica la soledad.

    Manuel Vázquez Montalbán

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  6. Cançò Del Bon Amor

    Sa lluna encara no és posta,
    si alç es cap la veuré.
    Jo cant as mig des carrer
    bon amor, davant ca vostra.
    Davant ca vostra hi ha
    bon amor, dos garrovers
    m'agradaria ser arbre
    ventura em veuries més.
    Davant ta finestra hi ha,
    bon amor, un margalider
    jo no vull cap margalida
    que jo et vull a tu primer.
    Es vent diu que no m'estimes
    bon amor, jo no m'ho crec
    es vent xiula, mou els arbres
    però d'amor ell no en sap res.
    Quina cambra tens més blanca
    bon amor, que trista està,
    està plena de paraules
    que no vull escoltar.
    Sa lluna ara ja és posta
    bon amor, i tu no hi ets,
    estic cantant tota sola
    només m'acompanya es vent...

    Maria del Mar Bonet, in "L'Aguilla Negra", 1981

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  7. "Passa os dias de Verão na casa do Vau debruçada sobre o mar algarvio. Foi aí que o DN encontrou Mário Soares na tarde de sexta-feira. Aos 81 anos diz esperar ainda tudo da vida. Pode estar pessimista sobre o imediato, mas depois olha para o mar azul que lhe cerca a porta e reconcilia-se com a vida. A batalha eleitoral já lá vai, agora continua a indagar os mistérios do universo, mas sempre com a política por perto."

    António José Teixeira, in "Não sou impressionável por um simples desaire" (Entrevista ao Dr. Mário Soares, por ocasião do seu 81º aniversário, ao Diário de Notícias, a 31 de Agosto de 2006)

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  8. Coisa bem diferente teria sido a vida para ambos se tivessem sabido a tempo que era mais fácil contornar as grandes catástrofes matrimoniais do que as misérias minúsculas de cada dia. Mas se alguma coisa haviam aprendido juntos era que a sabedoria nos chega quando já não serve para nada. Fermina Daza tinha agüentado com má vontade o jubiloso amanhecer do marido. Agarrava-se aos últimos fios de sono para não enfrentar o fatalismo de uma nova manhã de presságios sinistros, enquanto ele despertava com a inocência de um recém-nascido: cada novo dia era um dia a mais que se ganhava. Ouvia- o despertar com os gaios, e seu primeiro sinal de vida era uma tosse sem som nem tom que parecia de propósito para que ela também despertasse. Ouvia-o resmungar, só para inquietá-la, enquanto tateava em busca dos chinelos que deviam estar junto da cama. Ouvia-o buscar caminho até o banheiro aos tropeços pela escuridão. Ao cabo de uma hora no escritório, quando ela havia dormido de novo, ouvia-o voltar para se vestir, ainda sem acender a luz. Certa vez, num jogo de salão, lhe perguntaram como se definia a si mesmo, e ele tinha dito: "Sou um homem que se veste no escuro." Ela o ouvia sabendo muito bem que nenhum daqueles ruídos era indispensável, e que ele os fazia de propósito fingindo o contrário, assim como estava ela acordada fingindo que não. Os motivos dele eram certos: nunca precisava tanto dela, viva e lúcida, como nesses momentos de confusão.

    Gabriel Garcia Marquez, Amor nos Tempos de Cólera

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  9. Essa Pequena
    Chico Buarque

    “Meu tempo é curto, o tempo dela sobra
    Meu cabelo é cinza, o dela é cor de abóbora
    Temo que não dure muito a nossa novela, mas
    Eu sou tão feliz com ela
    Meu dia voa e ela não acorda
    Vou até a esquina, ela quer ir para a Flórida
    Acho que nem sei direito o que é que ela fala, mas
    Não canso de contemplá-la
    Feito avarento, conto os meus minutos
    Cada segundo que se esvai
    Cuidando dela, que anda noutro mundo
    Ela que esbanja suas horas ao vento, ai
    Às vezes ela pinta a boca e sai
    Fique à vontade, eu digo, take your time
    Sinto que ainda vou penar com essa pequena, mas
    O blues já valeu a pena”

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  10. CATATUA DE CRISTA AMARELA
    Só numa cidade assim
    onde o Mundo desembarca
    podeis encontrar-me, a mim,
    e lembrar Noé e a Arca....
    P'las Ramblas domesticado,
    olho redondo assestado,
    verborreico, não me calo
    e falo e falo e falo e falo

    " Um manto de nuvens faiscando electricidade cavalgava do lado do mar. Teria largado a correr para me refugiar do aguaceiro que se avizinhava, mas as palavras daquele indivíduo começavam a fazer o seu efeito. Tremiam-me as mãos e as ideias. Levantei a vista e vi o temporal derramar-se como manchas de sangue negro entre as nuvens, cegando a lua e estendendo um manto de trevas sobre os telhados e as fachadas da cidade. Tentei apertar o passo, mas a inquietude carcomia-me por dentro e caminhava perseguido pelo aguaceiro com pés e pernas de chumbo. Abriguei-me debaixo do toldo de um quiosque de imprensa, tentando ordenar os pensamentos e decidir como proceder. Um trovão descarregou perto, rugindo como um dragão a enfiar pela embocadura do porto, e senti o solo tremer debaixo dos pés. A pulsação frágil da iluminação eléctrica que desenhava fachadas e janelas desvaneceu-se uns segundos mais tarde. Nos passeios encharcados, os candeeiros pestanejavam, extinguindo-se como velas ao vento. Não se via uma alma nas ruas e o negrume da falta de luz espargiu-se como um hálito fétido que ascendia das condutas que vertiam para os canos de esgoto. A noite fez-se opaca e impenetrável, a chuva uma mortalha de vapor. "Por uma mulher assim, qualquer um perde o senso comum..." Comecei a correr Ramblas acima com um único pensamento na cabeça: Clara."

    Carlos Ruiz Zafón, A SOMBRA DO VENTO, Lisboa, Pub. Dom Quixote, 2005, pp. 56.

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  11. Sábios são os conselhos contidos neste texto!
    Há qualquer coisa de irremediável em envelhecer, resultado de viver, de permanecer vivo.
    Com a idade, é forçoso o estoicismo. O epicurismo deve assumir a nitidez de uma escolha.

    A propósito, mais um poema de Herberto Helder:

    "como de facto dia a dia sinto que morro muito,
    melhor é pôr-me de lado quando alguém puxa dos números,
    agora parece que já ninguém nasce,
    as pessoas agora querem é morrer,
    e como não morrem bem porque no esplendor das obras as compensações são baixas,
    procuram a morte módica,
    vão todos juntos para as praias onde não há socorristas,
    praias do inferno sem nenhuma salvação,
    às vezes marcam-se encontros nos apogeus dessas tardes desmedidas,
    e quando lá chegam já vomitam os bofes,
    nestes lugares não há sombras que nos valham,
    estes lugares, diz alguém, nem precisam ser simbólicos,
    o poema agora por exemplo não tem simbolismo nenhum,
    morro dentro dele sem força para respirar,
    toda a gente a caminho de praias culminantes,
    toda a gente calada com medo que a praia se tenha ido embora,
    coisa única do paraíso, pensa ele,
    é saber que nem o inferno nem o paraíso podem mudar de condição e sítio,
    estátuas gregas nuas sem ponta de excitação, apenas
    solenes anúncios de churrascos,
    a morte não salva nada: começamos pelo menos a entender
    a cultura que nos sufoca,
    eu pelo menos deito os pulmões boca fora,
    mas de repente alguém diz: contudo
    diz: contudo já se inventou o ar condicionado
    (o ar condicionado na praia?)
    e a maravilha demoníaca desmorona-se,
    e outra vez: pai pai porque me abandonas?
    nenhum mito se cumpre,
    ninguém ainda acredita nos poderes sequer da erudição menos inexpugnável,
    nem o capítulo do amor quando ela vem vindo diuturna com fruta à escolha nas duas mãos,
    anda como quem dança, o cabelo apartado ao meio,
    vista de todos os ângulos como no cinema,
    magnificamente manobrada por esta luz não assim tão lenta que nos há-de a todos devorar,
    não, não me abandonaste,
    as tuas mãos abundantes congeminam milagres atrás de milagres,
    ah enfim qualquer coisa muito límpida,
    introduz aqui o capítulo infernal por todos os lados,
    o meu fato de banho não tem bolsos,
    pai, pai, porque me abandonas com a ironia em fato de banho,
    e a areia, e a luz, e o iodo, e essa água toda,
    como se o inferno fosse alegria apenas,
    em setembro,
    corpos mais nus do que se não tivessem fato de banho"

    Herberto Helder (2014) A Morte sem Mestre. Porto: Porto Editora (p.p. 31 - 33)

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  12. ÀCERCA DA NATUREZA

    I

    Éguas que me levam, a quanto lhes alcança o ímpeto, caval-
    gavam,quando numes levaram-me a adentrar uma via loquaz,
    que leva por toda cidade quem sabe à luz; por ela
    era levado; pois por ela, mui hábeis éguas me levavam
    puxando o carro, mas eram moças que dirigiam o caminho.

    O eixo, porém, nos meões, impelia um toque de flauta
    incandescendo (pois, de ambos os lados, duas rodas
    giravam comprimindo-os) porquanto as filhas do sol
    fustigassem a prosseguir e abandonar os domínios da Noite,
    para a luz, arrancando da cabeça, com as mãos, os véus.

    Lá ficam as portas dos caminhos da Noite e do Dia,
    pórtico e umbral de pedra as mantém de ambos os lados,
    mas, em grandiosos batentes, moldam-se elas, etéreas,
    cujas chaves alternantes quem possui é Justiça rigorosa.

    /…/
    VIII

    Ainda uma só palavra resta do caminho:
    Que é; sobre este há bem muitos sinais:
    Que sendo ingênito também é imperecível.
    Solitário, íntegro como intrépido e sem meta;
    Nem nunca era nem será, pois é todo junto agora,
    Uno, continuo; pois que origem sua buscarias?
    Por onde, de onde se distenderia? Não permitirei que tu
    Digas nem penses que do não ente: pois não é dizível nem
    pensável que seja enquanto não é. E que necessidade o teria
    impelido, depois ou antes, a desabrochar começando do nada?
    Assim, ou é necessário existir totalmente ou de modo algum.
    Tampouco do ente, nunca força de fé permitirá
    surgir algo para além do mesmo; por isso Justiça nem
    deixa vir a ser nem sucumbir, afrouxando amarras,
    mas mantém; a decisão sobre tais está nisto:
    é ou não é. Mas já está decidido, por necessidade,
    qual deixar como impensável e inominado – pois é um
    caminho não verdadeiro – e qual há de ser, por existir e ser verídico.
    Como existiria depois, o que é? Como teria surgido?
    Pois se surgiu, não é, nem se há de ser algum dia.
    Assim origem se apaga como o insondável ocaso.
    Nem é divisível, pois é todo equivalente:
    Nem algo maior lá que o impeça de ser contínuo,
    Nem algo menor, mas é todo pleno do que é.
    Por isso é todo contínuo: pois ente a ente acerca
    Além disso, imóvel, nos limites de grandes amarras
    Fica sem partida, sem parada, já que origem e ocaso
    Muito longe se extraviaram, rechaçou-os fé verdadeira.
    O mesmo no mesmo ficando, sobre si mesmo pousando
    E assim, aí fica firme, pois poderosa Necessidade
    Mantém nas amarras do limite, cercando-o por todos os lados,
    Porque é norma o ente não ser inacabado.
    Pois é não carente, não sendo, careceria de tudo.
    O mesmo é o que é a pensar e o pensamento de que é.
    Pois sem o ente, no qual está apalavrado,
    não encontrarás o pensar. Pois nenhum outro nem é
    nem será além do ente, pois que Partida já o prendeu
    para ser todo imóvel; assim será nome, tudo
    quanto os mortais instituíram persuadidos de ser verdadeiro,
    surgir e também sucumbir, ser e também não,
    e alterar de lugar e variar pela superfície aparente.

    Parménides

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