Cidades
Nunca será esta a cidade que amaste
no segredo da tua infância,
com livros e mapas junto do peito e os sonhos
de mares distantes e mulheres debruçadas
na amurada dos navios piratas.
Qualquer cidade é pouco para o que traz um sonho.
No entanto, ah, no entanto,
alguns lugares na terra pensaste
que podiam tornar-se uma morada. Mas logo partias
e o encanto de mudar de abrigo se te fazia destino,
destino de adivinhar a linha da costa
a desenhar-se pouco a pouco no horizonte.
Entretanto olhavas as mulheres debruçadas
nas amuradas dos navios.
A nada podemos em verdade chamar nosso.
Tudo é partir e o próprio amor
não passa de um incerto percurso na terra.
Qualquer cidade é aquela mesma cidade
que amaste no segredo da infância,
enquanto os olhos das mulheres
desenham o teu perfil no horizonte de uma perdida costa.
Luis Filipe Castro Mendes, A Misericórdia dos Mercados. Lisboa, Assírio & Alvim, 2014, p. 54.
Gosto da coincidência entre o sonho da infância e o que acontece a quem é invocado no poema, mesmo quando pareça não estar a cumpri-lo.
ResponderEliminarComo é dito, "Tudo é partir e o próprio amor / não passa de um incerto percurso na terra."
"Qualquer cidade é pouco para o que traz um sonho." Daí a necessidade de partir. De não ficar numa cidade.
Também o desenho é central neste poema. O desenho do percurso, do destino, do perfil no horizonte.
É um poema que se vai descobrindo a pouco e pouco.
Gosto de poemas assim.
CANÇÃO DE ANTES DE PARTIR
ResponderEliminarTransforma a manhã numa chave e deita-a a um poço,
Devagar, minha bela lua, devagar.
Que o sol da manhã se esqueça de nascer a oriente,
Devagar, minha bela lua, devagar.
Khaled Hosseini, O MENINO DE KABUL, Lisboa, Relógio d'Água, 2005, p.161.