Trago notícias da fome
que corre nos campos tristes:
soltou-se a fúria do vento
e tu, miséria, persistes.
Tristes notícias vos dou:
caíram espigas da haste,
foi-se o galope do vento
e tu, miséria, ficaste.
Foi-se a noite, foi-se o dia,
fugiu a cor às estrelas:
e, estrela nos campos tristes,
só tu, miséria, nos velas.
Carlos de Oliveira, Trabalho Poético, Lisboa. Assírio & Alvim, 2003, p. 35
OLHEMOS OS SAPOS, AMIGOS! OLHEMOS OS SAPOS!
ResponderEliminarBambo, o sapo! Criou-se ao deus-dará, como tudo o que é bom. Sem pressas, confiado no tempo e na fortuna, foi estendendo a língua pelos anos adiante até se fazer o homem que depois era, largo grosso, atarracado. Trouxe logo do berço os olhos assim saídos e redondos, e aquelas pernas de trás em dobradiça, no mesmo instante um banco ou uma catapulta. E também a boca de pasmo, com que pelas noites adiante engolia a imensidade do céu, lhe veio de nascença aberta e vazia como um poço. Mal gatinhava ainda nas beiradas do charco em que nascera, já o corpo lhe pedia mundo, terras novas. E devagar, moroso, a suar o visco que o defendia de tudo, à chuva e ao vento, umas vezes a morrer de fome, outras entoirido de fartura, tanto andou, que não havia segundo da sua criação que tão profundamente conhecesse a veiga de Vilarinho.
Miguel Torga, "Bambo" IN BICHOS, Coimbra, ed. do autor, 1978, p. 60.