terça-feira, 11 de março de 2014

Eu vou sozinho. Camilo Pessanha

Encher a alma

Fez-nos bem, muito bem, esta demora:
Enrijou a coragem fatigada...
Eis os nossos bordões da caminhada,
Vai já rompendo o sol: vamos embora.

Este vinho, mais virgem do que a aurora,
Tão virgem que não o temos na jornada...
Enchamos as cabaças: pela estrada,
D'aqui inda este néctar avigora!...

Cada um por seu lado!... Eu vou sozinho,
Eu quero arrostar só todo o caminho,
Eu posso resistir à grande calma!...

Deixai-me chorar mais e beber mais,
perseguir doidamente os meus ideais,
E ter fé e sonhar - encher a alma

Camilo Pessanha, Clepsydra. Edição crítica de Paulo Franchetti. Lisboa, Relógio d'Agua, 1995

1 comentário:

  1. JULIEU E ROMETA

    - Venho da parte do Rapaz do Mar - disse a gaivota. Ele manda-te dizer que já sabe o que é a saudade. E pediu-me para te perguntar se queres ir ter com ele ao fundo do mar.
    - Quero, quero - disse a menina. Mas como é que eu hei-de ir ao fundo do mar sem me afogar?
    - O frasco que te dei tem dentro suco de anémonas e suco de plantas mágicas. Se beberes agora este filtro passarás a ser como o Rapaz do Mar. Poderás viver dentro da água como os peixes e fora da água como as pessoas.
    - Vou beber já - disse a menina.
    E bebeu o filtro.
    Então viu tudo à sua roda tornar-se mais vivo e mais brilhante. Sentiu-se alegre, feliz, contente como um peixe. Era como se alguma coisa nos seus movimentos tivesse ficado mais livre, mais forte, mais fresca e mais leve.

    Um JOGO DO REVERSO (Tabucchi) baseado em Sophia de Mello Breyner, A MENINA DO MAR, Porto, Figueirinhas, 1974, pp.37-38.

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