Encher a alma
Fez-nos bem, muito bem, esta demora:
Enrijou a coragem fatigada...
Eis os nossos bordões da caminhada,
Vai já rompendo o sol: vamos embora.
Este vinho, mais virgem do que a aurora,
Tão virgem que não o temos na jornada...
Enchamos as cabaças: pela estrada,
D'aqui inda este néctar avigora!...
Cada um por seu lado!... Eu vou sozinho,
Eu quero arrostar só todo o caminho,
Eu posso resistir à grande calma!...
Deixai-me chorar mais e beber mais,
perseguir doidamente os meus ideais,
E ter fé e sonhar - encher a alma
Camilo Pessanha, Clepsydra. Edição crítica de Paulo Franchetti. Lisboa, Relógio d'Agua, 1995
JULIEU E ROMETA
ResponderEliminar- Venho da parte do Rapaz do Mar - disse a gaivota. Ele manda-te dizer que já sabe o que é a saudade. E pediu-me para te perguntar se queres ir ter com ele ao fundo do mar.
- Quero, quero - disse a menina. Mas como é que eu hei-de ir ao fundo do mar sem me afogar?
- O frasco que te dei tem dentro suco de anémonas e suco de plantas mágicas. Se beberes agora este filtro passarás a ser como o Rapaz do Mar. Poderás viver dentro da água como os peixes e fora da água como as pessoas.
- Vou beber já - disse a menina.
E bebeu o filtro.
Então viu tudo à sua roda tornar-se mais vivo e mais brilhante. Sentiu-se alegre, feliz, contente como um peixe. Era como se alguma coisa nos seus movimentos tivesse ficado mais livre, mais forte, mais fresca e mais leve.
Um JOGO DO REVERSO (Tabucchi) baseado em Sophia de Mello Breyner, A MENINA DO MAR, Porto, Figueirinhas, 1974, pp.37-38.