A árvore aparece, as mais das vezes, habitada por pássaros. Tal acontece no paraíso terrestre de S. Amaro. [...]
Extensão da árvore que as alberga, as aves, dado o seu tipo de locomoção, são o mensageiro ideal para ligar a terra ao céu e trazer aos homens as mensagens dos deuses. Na antiguidade clássica, Eurípedes chama-lhes os "mensageiros dos deuses".
A hagiografia cristã serve-se delas como meio de transporte para o céu de alguns dos seus santos. É da pomba e do corvo que Noé se serve para procurar terra firme: mensageiros, aqui, da boa nova.
Esta relação com a divindade transformou-as em transmissoras da sabedoria divina, sendo comum na Antiguidade a adivinhação por meio do ovo das aves.
Podendo voar, a ave precede o homem na criação do mundo, visto que no Génesis o espírito de Deus, em forma de pomba, plana sobre as águas primordiais.
Maria Clara Almeida Lucas, "A Cidade Celeste na Hagiografia Medieval Portuguesa", in O Imaginário da Cidade. Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian/ACARTE, 1989, p. 89.
É interessante notar quanto, mesmo se desconhecemos os símbolos e os elementos evocativos da transcedência, nos movemos por reminiscências profanas que lhes correspondem.
ResponderEliminarLembro-me, por exemplo, de como nos sentimos atingidos de uma alegria e paz particulares ao ouvirmos pela primeira vez o som de pássaros cantando. Aconteceu-me um destes dias: sinal da proximidade da primavera. Parece que ficamos mais vivos.
Eugénio de Andrade fez um poema em que equiparou os pássaros a anjos, considerando-os o mais parecido com eles que há entre nós. Parece-me (até) que tomei conhecimento desse poema aqui (aliás, no blogue oqueeuandei). Se a memória não me atraiçoa.
Porque pode voar, a ave precederá o homem na criação do mundo quando, como espírito de Deus, plana sobre as águas primordiais. [....]
ResponderEliminarO canto dos pássaros, que de tanta importância se reveste nestas visões, ao lado do cantar dos anjos e da voz do Senhor, despertou desde sempre o interesse dos religiosos, mas também dos poetas, originando obras como A LINGUAGEM DAS AVES de Fariod-din-Altar, clássico da literatura persa do século XII.
Durante a Idade Média é conhecida a fortuna que teve o canto das aves nos romances dos trovadores. Carregados de erotismo, levaram a Igreja a proibir a sua leitura, quando não a impedir, com sábios e ameaçadores conselhos, os jovens de ambos os sexos de ouvir o cantar das aves, que então surgiam como auxiliar precioso aos apaixonados. Daqui ficou a conotação amorosa e brejeira atribuída ao rouxinol e que prevaleceu durante muito tempo na literatura popular.
Maria Clara de Almeida Lucas, A LITERATURA VISIONÁRIA NA IDADE MÉDIA, Lisboa, ICLP, (Min. da Cult.), 1986, p. 93.