Começou aí uma espécie de leitura que vai criar muitas desilusões a uns e a outros, mas na verdade podemos considerar uma benção o facto de essa nossa espécie de inocência - nossa, dos portugueses, menos hipercultivados e sofisticados em relação ao que já era a grande cultura europeia -, o facto de essa nossa ignorância divina não ter excluído da humanidade aqueles primeiros sujeitos com que nos encontrámos.
E não só os encontrámos humanos - e as expressões disso duraram anos através da outra Europa -, não só os considerámos divinos, mas achámos, como diz a carta de Pero Vaz de Caminha, que essas jovens brasileiras, que ainda não tinham nome, eram mais belas que as mulheres (peço desculpa) de Entre Douro e Minho.
Eduardo Lourenço, Conferência proferida em Guimarães, na Sociedade Martins Sarmento, a 23 de Janeiro de 2010, publicada com o título Pequena Meditação Europeia. Lisboa, Guimarães, 2011. p 29-30.
ALI ANDAVAM...
ResponderEliminarAndavam ali muitos deles ou quase a maior parte que todos traziam aqueles bicos d'osso nos beiços.
E alguns, que andavam sem eles, traziam os beiços furados e nos buracos traziam uns espelhos de pau que pareciam espelhos de borracha. E alguns deles traziam três daqueles bicos, a saber: um na metade e os dous nos cabos. E andavam aí outros quartejados de cores, isto é: deles a metade da sua própria cor e a metade de tintura negra, maneira d'azulada, e outros quartejados d'escaques.
Ali andavam entre eles três ou quatro moças, bem moças e bem gentis, com cabelos muito pretos, compridos, pelas espáduas; e suas vergonhas tão altas e tão çarradinhas e tão limpas das cabeleiras que de as nós muito bem olharmos não tínhamos nenhuma vergonha.
A CARTA DE PÊRO VAZ DE CAMINHA, Lisboa, Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 2000, p. 11.
Sem dúvida, seja por “uma espécie de inocência” ou não, o povo português possui esse extraordinário dom da universalidade. Costumo dizer que somos ótimos em extensão e péssimos em profundidade. Vejamos por exemplo, casos como o da Esmeralda, ou como o da menina russa(?) que acompanhou a mãe para o país natal. Todos se envolvem, todos opinam, geram-se enormes movimentos de solidariedade, escrevem-se livros, fazem-se peditórios para se resolverem os problemas dos outros, muitas vezes, para não dizer sempre, decidindo a favor de quem parece mais simpático e contra a lei vigente. E eu pergunto quantos problemas pessoais facilmente resolvíveis não carregarão nos ombros, tantas daquelas pessoas sem que os consigam ou queiram solucionar?
ResponderEliminarSerá a proximidade do mar, a névoa e a bruma, que Agustina diz moldar-nos a alma, que nos cria esta predisposição para transbordarmos de nós e sermos melhor a resolver a vida dos outros do que a nossa?
Quanto à beleza, E.L. Nem precisaria de pedir desculpa. Primeiro porque é um conceito, depois porque entra também nesta predisposição nossa para aceitar como melhor tudo o que vem de fora e é diferente.
Não me parece que se possa generalizar e dizer quais, se as brasileiras, se as portuguesas são mais bonitas. A diferença não está aí. A diferença reside no modo de estar na vida. Elas são mais alegres, despreocupadas e por isso também mais simpáticas do que nós.
Não sei dizer onde obtive a informação, possivelmente incorreta, mas li ou ouvi algures que o texto de Pêro Vaz de Caminha é pouco fiável, forjado numa fase mais tardia da nossa História, ou seja, falso.
ResponderEliminarSe calhar, trata-se de mais um dos casos em que aos portugueses custa a crer e a aceitar que uma atitude de compreensão e aceitação do outro tão invulgar para a época, nos possa ser atribuída com justiça.
Quanto mal dizemos de nós mesmos!