quarta-feira, 27 de novembro de 2013

É esse o perigo de nos tornarmos ilhéus. D. H. Lawrence

Desta pequena ilha no espaço passava-se, estranhamente, aos grandes domínios obscuros do tempo, onde as almas que nunca morrem passam e repassam, em missões vastas e estranhas. A pequena ilha terrestre diminui, como um trampolim, e reduz-se a nada, porque dela se saltou, sem saber como, para o amplo mistério escuro do tempo onde o passado é vivo e vasto e o futuro não está isolado.
É esse o perigo de nos tornarmos ilhéus. Na cidade, quando se vai de polainas brancas e se evita o trânsito, com o medo da morte metido na espinha, está-se protegido dos terrores do tempo infinito. O momento é a ilhota no tempo de cada um, é o universo espacial que passa vertiginosamente à nossa volta.
Mas, quando nos isolamos numa ilha pequena no mar do espaço e o momento começa a inchar e a expandir-se em grandes círculos, vai-se a terra sólida e a nossa alma escura, nua, escorregadia, acha-se no mundo intemporal, onde os carros da chamada morte se precipitam pelas velhas ruas dos séculos e as almas se apinham nos caminhos a que nós, no momento, chamamos anos passados. As almas dos mortos estão vivas, de novo, e pulsam activamente em redor de nós. Estamos perdidos no outro infinito.

D. H. Lawrence, Amor no Feno e Outros Contos. Lisboa, Assírio & Alvim, 2010. Edição Biblioteca Editores Independentes, p. 127-128.

1 comentário:

  1. NA SELVA ESCURA

    No meio do caminho em nossa vida,
    eu me encontrei por uma selva escura
    porque a direita via era perdida.
    Ah, só dizer o que era é cousa dura
    esta selva selvagem, asp'ra e forte,
    que de temor renova à mente a agrura!
    Tão amarga é, que pouco mais é morte;
    mas, por tratar do bem que eu nela achei,
    direi mais cousas vistas de tal sorte.
    Nem saberei dizer como é que entrei,
    tão grande era o meu sono no momento
    em que a via veraz abandonei.
    Mas indo ao pé dum monte com assento
    lá onde terminava aquele val'
    que o coração me enchera de tormento,
    alto lhe vi nos ombros o cendal
    vestido já dos raios do planeta
    que leva à recta via cada qual.

    Dante Alighieri, A DIVINA COMÉDIA, I, trad. de Vasco Graça Moura, Lisboa, Bertrand, 1995, p. 31.

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