domingo, 8 de setembro de 2013

Vivemo-nos como uma ilha. Eduardo Lourenço

Mas seria apressado concluir que essa expressão lá fora não tem função alguma. É em relação a ela, no interior da sua referência indeterminada e vazia, que o cá dentro ocupa o espaço inteiro da nossa identidade, simultaneamente efectiva e afectiva, real e imaginária.
Eu podia ter poupado estas considerações pleonásticas, repetindo-me e sintetizando tudo, como já o fiz: somos uma ilha. Quer dizer, independentemente da nossa situação geográfica ou do lugar que nós desenhamos na História ou a História nos desenhou, vivemo-nos como uma ilha. A expressão cá dentro dá forma a esse viver connosco, a esse estar connosco, cercados de mundo, que visto e sentido do interior da ilha que somos, ou da nossa interioridade simbólica, é um lá fora que, em última análise, nada altera o sentimento de intimidade, de conforto, de plenitude que nos confere a ideia do cá dentro.

Eduardo Lourenço, "Lá fora e cá dentro, ou o fim de uma obsessão". In Destroços. o Gibão de Mestre Gil e Outros Ensaios. Lisboa, Gradiva, 2004, p. 162-163.

1 comentário:

  1. "Vivemo-nos como uma ilha", mas formamos arquipélagos...

    ResponderEliminar