Arrastei a minha mala de novo para o café na Place St. Michel. Subitamente, sem um homem, vi como ela era pesada. Eu não tinha feito a mala à espera de viajar sozinha. A minha mala estava cheia de guias turísticos, um pequeno gravador para o artigo que não chegara a escrever, blocos de notas, os meus rolos de cabelo eléctricos, dez exemplares do meu primeiro livro de poemas. Alguns deles eram para ser dados a um agente literário em Londres. Outros, eu levava simplesmente por causa da insegurança; "crachats" de identificação para mostrar a quem quer que eu conhecesse. Destinavam-se a provar que eu não era uma mulher vulgar. Destinavam-se a provar que me devia ser dado um salvo conduto. Eu agarrava-me desesperadamente ao meu estatuto como uma excepção porque, sem ele, eu não passava de mais uma mulher sozinha, no engate.
- Tenho a tua morada? - perguntou Adrian antes de partir no Triumph.
- Está no livro que te dei, na última página.
Mas ele tinha perdido o livro.
Eriça Jong, Medo de Voar. Mem Martis, Europa-América, 1973, p. 244.
A viagem pode, como é o caso, criar situações novas, propícias ao confronto concosco mesmos fora dos parâmetros do dia a dia.
ResponderEliminarDesperta então uma vulnerabilidade a que os códigos habituais não se adequam, a que não se pode responder como é costume. Algo que transcende as nossas circunstâncias próprias e as põe em causa. Que mexe connosco.
O anonimato é uma situação mais livre mas, muitas vezes, é difícil suportar essa liberdade. Principalmente para quem está habituado a ser reconhecido pelos demais. Falta-lhe o retorno de quem se vê confirmado pelo olhar dos outros.
Muito interessante este texto.