Na Páscoa de 1915 e em Maio de 1916, o director do Museu Etnológico Português, José Leite de Vasconcelos, viajou até ao Alentejo, a convite de amigos seus, com o objectivo de recolher artefactos para a instituição que dirigia. Visitou Alandroal, Évora, Vila Viçosa, Estremoz, Campo Maior, Elvas e Redondo. Dessa viagem e do que dela resultou para o acervo do Museu, deixou-nos um relatório circunstanciado (que há dias adquiri num alfarrabista): Entre Tejo e Odiana, Lisboa, Imprensa Nacional, 1917 (Separata de O Arqueólogo Português, XXI, n. 1-12 de 1916.
Um trecho deste relato (p. 12)
4 de Abril de 1915 - Neste dia, que era Domingo de Páscoa, proporcionou-me o Sr. Belo e sua Ex.ma esposa, a Sr.a D.a Mariana de Sousa Rosado Belo, uma útil e agradável excursão à aldeia do Rosário. Saímos do Alandroal, depois do meio-dia, e tomámos a estrada municipal, aos pedaços ladeada de eucaliptos e de olaias floridas. De uma e outra banda avistam-se montes, que com a sua cal branca vivificam a paisagem, de si muito nua.
Parámos em alguns, à procura de objectos que pudessem servir para o Museu. Já noutros meus trabalhos me tenho referido à limpeza e arranjo do interior das casas alentejanas: na sala de entrada vê-se sempre uma mesa enfeitada com bugigangas artísticas; das paredes pendem quadros ou espelhos; a cozinha é um museu de Etnografia: faiança colorida (geralmente da fábrica coimbrã), estendida com o arame num friso ou cimalha, que umas vezes faz parte do pano da chaminé, outras está fronteiro a ela; a cantareira (ou conjunto de louça comum, disposta por tamanhos no poial dos cântaros, e detrás destes); a estanheira; o copeiro recortado; a garfeira; uma mesinha baixa para a comida; bancos de troncos de árvores (chamados cavalos ou burros); tropeços de cortiça no chão para as crianças se sentarem ao lume. Este alinhamento físico está de acordo com o caracter dos Alentejanos, de ordinário pautados e sinceros no que dizem e fazem. Uma cantiga popular sintetiza perfeitamente as duas qualidades a que me refiro:
Nas terras do Alentejo
É tudo tão asseado!
As casas e os corações
Sempre tudo anda lavado!
A folha da oliveira (bis)
ResponderEliminarNão é larga nem comprida. (bis)
Nela se pode escrever (bis)
A história da minha vida
Não é larga nem comprida.
"Saias", Cancioneiro Popular Português, Alto Alentejo
Uma vez, no Alentejo, vendo uma alentejana a varrer e a lavar a rua à frente de sua casa, perguntei-lhe: "Então a senhora é que faz a limpeza da rua?" Ao que ela me respondeu prontamente: "Lixo que limpamos na rua não nos entra em casa!" Sabedoria popular, bem lógica, por sinal.
ResponderEliminarÉ muito interessante esta atenção de Leite de Vasconcelos às pequenas coisas, aos artefactos que aos olhares comuns passariam despercebidos. E ainda mais interessante reparar como ele inverte a ordem das coisas, por assim dizer: não é o museu de etnografia que se parece com as cozinhas mas o inverso.
Linda a quadra final: um tributo à mulher do Alentejo à boa e simples maneira popular. E digo à mulher porque os homens no Alentejo não mexem uma palha quanto à casa e ao respetivo asseio.