- Velha, não [Margarida tinha 20 anos]; mas enfim... o tempo não passa só para quem viajou muito como o tio. Quem me dera!...
- Viajar ou envelhecer?
- Talvez as duas coisas...
Sentiu sede de se abrir toda ao tio, explicar aqueles dois pontos que ele isolara tão bem a rasto da recordação do seu dia de anos no Pico; mas não achou palavras sensatas, ou pelo menos capazes de serem ditas ali de selim a selim, nos campos tão bonitos. As culturas começavam a cobrir-se das primeiras flores singelas; os olhinhos das árvores abotoavam discretamente. O verde-negro dos pastos, o verde dos Açores, quente e húmido, emborralhava-se até longe. Os cavalos seguiam de cabeça comprida, fazendo vibrar de vez em quando as ventas.
... Envelhecer não seria; mas deixar passar um grande espaço de tempo, como um troço de filme em branco, fechar os olhos ao peso daquela doçura da volta, tapar os ouvidos como quem teve um mau dia e chorar ao meter-se na cama moída, gasta... Na manhã seguinte acordar, mas passados uns anos, longe do Faial, ou noutro Faial só com o caminho à roda, o Pico em frente... gaivotas... sem ninguém.
O tio tinha dito: " viajar ou envelhecer?" Margarida gastara a resposta naquele silêncio e os olhos nas orelhas do cavalo.
Vitorino Nemésio, Mau Tempo no Canal. 3a edição. Lisboa, Leya, 2013, p. 116-117.
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