Andava olhando os edifícios sob a chuva, de novo impessoal e onisciente, cego na cidade cega; mas um bicho conhece a sua floresta; e mesmo que se perca - perder-se também é caminho.
Clarice Lispector, A Cidade Sitiada. Rio de Janeiro, Editora Rocco, 1998 [1ª edição 1949], p. 182.
PERDIDO
ResponderEliminarOs olhos enevoavam-se-lhe, o peito comprimia-se, tremia de febre, o sangue latejava-lhe nas têmporas. Fugiu às vielas populosas da cidade comercial e atravessou várias pontes até aos bairros pobres. Aí viu-se assediado de mendigos e as emanações nauseabundas dos canais cortavam-lhe a respiração. Numa praça silenciosa, um daqueles recantos esquecidos e como que encantados que existem no coração de Veneza, sentou-se para descansar na borda de uma fonte, enxugou a fronte e apercebeu-se de que tinha de partir.
Thomas Mann, MORTE EM VENEZA, Lisboa, Pub. Europa-América, 1978, pp. 60-61.
"estas cidades, grés animal, as garrafas de sangue nos passeios,
ResponderEliminarprenunciam devagarmente um acordar translúcido. o que
movimentam no espaço, e aos bandos
os pássaros decifram sobre o musgo e a hera,
é o mesmo ar que na traqueia queima; e o cimento,
translúcido, o mesmo que nos braços percorreu as veias,
que nos olhos foi lava, que nos brilhou na boca
dizendo:estas cidades, grés animal, um acordar sem boca."
António Franco Alexandre, Poemas, Assírio & Alvim, p. 97.