Levantei-me muito cedo,
eram talvez sete e meia,
e ainda quase a medo
veio-me então à ideia
que era dia de viagem.
Arranjámos-nos depois,
havia pouca bagagem,
e saímos logo os dois.
Fui levar-te ao aeroporto
e na espuma da manhã,
ao volante, ia absorto
a pensar que a vida é vã
sem o teu corpo ao meu lado,
sem a certeza de um beijo
quando acordo estremunhado
e entre os lençóis mal vejo
na desfocada penumbra
da primeira luz do dia
esse olhar que me deslumbra
e a cada instante me guia
os gestos inconscientes,
os passos das à toa
por cidadãos tão ausentes
como agora está Lisboa.
Mas pronto, fiquei sozinho:
lá vai o teu avião
a seguir o seu caminho,
conduzido pela mão
que dá rumo à nossa vida.
Queria agarrar-lhe uma asa,
esquecer-me da despedida
e não regressar a casa.
Fernando Pinto do Amaral, Poesia Reunida, 1990-2000. Lisboa, Publicações Dom Quixote, 2000, p. 287-288.
MÃOS
ResponderEliminarSob a forma de mão apareceu a ternura,
um dia, no teu queixo.
Alexandre O'NEILL, NO REINO DA DINAMARCA, Lisboa, Guimarães Editores, 1968, p.73.