Regra geral, os primeiros viajantes não expressam admiração nos seus escritos. Claro que nos referimos àquela admiração princípio de todo o saber, como ensinava Aristóteles, e que, talvez por isso mesmo, não conseguiram a integração de forma inteligível e não meramente sensível, do desconhecido no conhecido, por manifesta falta de tempo e, em outras vezes, e tantas elas foram, por inadequado nível cultural, situação frequente entre as tripulações do Cabo da Boa Esperança e da matalotagem de outras singraduras.
Os que se deslocaram em viagem escreveram cartas narrativa, relações de viagem, diários ou assim chamados, elaboraram descrições de terras, traçaram esboços topográficos, reuniram elementos para os roteiros que, ao passarem de mão em mão, para serem recopiados, iam sendo simultaneamente acrescentados. Amontoaram um saber mais ou menos caótico, mas tiveram o grande mérito de trazer o nível descritivo para esta nova literatura, impondo-o, contribuição essa digna do maior relevo, sobretudo quando se conhece a sua acrescida dificuldade por comparação com a narração, como já tivemos ocasião de destacar no capitulo precedente.
João Rocha Pinto, A Viagem, Memória e Espaço. A Literatura Portuguesa de Viagens. Os Primeiros Relatos de Viagem ao Índico, 1597-1550. "Cadernos Revista de História Económica e Social", 11-12. Lisboa , Livraria Sá da Costa, 1989, p. 79-80.
O OUTRO
ResponderEliminarEis de meus companheiros rodeado
Vejo um estranho vir de pele preta,
Que tomaram por força, enquanto apanha
De mel os doces favos na montanha.
Torvado vem na vista, como aquele
Que não se vira nunca em tal extremo;
Nem ele entende a nós nem nós a ele,
Selvagem mais que o bruto Polifemo.
Começo-lhe a mostrar da rica pela
de Colchos o gentil metal supremo,
A prata fina, a quente especiaria;
A nada disto o bruto se movia.
Camões, OS LUSÍADAS, V, anotados e parafraseados por Campos Monteiro, Porto, Liv.ª Civilização, 1921. p. 328.