sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Dessa viagem guardou poucas recordações (2). Anaïs Ninn

Dessa viagem guardou Elena poucas recordações, a não ser uma sensação de calor por todo o corpo, como se tivesse bebido uma garrafa inteira de um bom Borgonha, e bem assim um sentimento de raiva por ter descoberto um segredo que até ali todos tão cruelmente lhe haviam ocultado. Descobriu, com efeito, que nunca sentira as sensações descritas por D. H. Lawrence, e que tais sensações eram em dúvida alguma a explicação para aquela sua expectativa. Mas havia também outra coisa de que ela agora estava consciente. Uma coisa que sempre a mantivera numa permanente atitude de defesa contra qualquer possível experiência, um desejo de fuga que a arredava da sensualidade e do seu consequente desabrochar. Estivera várias vezes a pontos de ceder, mas sempre acabara por se refrear. As culpas atribuía-as a si própria, por tudo quanto perdera e ignorara.
Era a mulher submersa no livro de Lawrence, ainda metida para dentro, que enfim se oferecia, receptiva, como se tivesse sido despertada por mil carícias e se preparasse para a chegada de alguém.
Foi uma mulher nova que em Caux desceu do comboio.

Anaïs Ninn, "Elena", in Delta de Vénus. Cascais, Editora Bico de Pena, 2006, p. 97-98.

2 comentários:

  1. A VOZ DA SHARI'A

    [...]
    Atenção mulheres:
    Devem permanecer sempre em vossas casas. Não é próprio uma mulher vaguear sem destino pelas ruas. Se saírem, devem ser acompanhadas por um mahram, um parente do sexo masculino. Se forem apanhadas sozinhas na rua, serão espancadas e mandadas para casa.
    Não deverão. seja em que circunstância for, mostrar o vosso rosto. Cobrir-se-ão com a burca quando saírem. Se o não fizerem, serão severamente espancadas.
    São proibidos os cosméticos.
    São proibidas as jóias.
    Não devem usar roupa elegante.
    Não devem falar senão quando falarem convosco.
    Não devem cruzar o vosso olhar com o de um homem.
    Não devem rir em público. Se o fizerem, serão espancadas.
    Não devem pintar as unhas. Se o fizerem, perderão um dedo.
    As raparigas ficam proibidas de frequentar a escola. Todas as escolas para raparigas serão imediatamente encerradas.
    As mulheres ficam proibidas de trabalhar.
    Se forem culpadas de adultério, serão apedrejadas até à morte.
    Ouçam. Ouçam bem. Obedeçam. Allah-u-akbar.

    Khaled Hosseini, MIL SÓIS RESPLANDECENTES, Lisboa, Presença, 2013, pp. 215-216.

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  2. À primeira vista pode parecer incongruente ter a viagem deixado poucas recordações na protagonista e, simultaneamente, ter sido uma "mulher nova que em Caux desceu do comboio". Mas não é. De outra espécie de viagem se trata: vivida pelo corpo; não pela mente. Daí não ter recordações guardadas, mas mudanças intimamente vivenciadas, únicas capazes de transformar uma mulher numa mulher nova.

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