28 de Agosto de 2009 [carta enviada em papel com o timbre do Royal Hotel, do Monte Estoril. Assina a carta o diplomata e poeta António Joaquim de Castro Feijó (1859-1917), sendo seu destinatário o 2º Visconde de Pindela, Vicente Pinheiro Lobo Machado de Melo e Almada (1852-1922), político que desempenhou cargos diplomáticos e na administração colonial]
Querido Amigo
Para te explicar convenientemente, e cabalmente, este profundo silencio em que me tenho mantido para contigo, teria de escrever longas páginas inúteis de psicologia e de lamentações mais amargas do que as de Jeremias.
Estou, como aqueles indivíduos que viveram demais (qui se sont survécu), à semelhança desses barcos sem leme, vogando à mercê do acaso e sem bem saber o que hei-de fazer. Prolonguei demais o meu congé. Devia ter partido ao chegar o Verão. Portugal, para quem não tem casa, só é habitável em Lisboa e no Avenida Palace. Tudo o mais, para quem um dia se refocilou no contacto da civilização, é detestável e até ordinário. Em chegado o Verão, como em Lisboa se respira mal, nem mesmo nos resta esse oásis do Avenida Palace. Daí todos os meus males e contrariedades. Fomos a Sintra passar quatro dias, antes de partirmos para Moreira da Maia - estivemos lá quatro semanas, todos doentes, e tanto, que ainda estamos combalidos. Sintra, com todas as suas belezas de mansão e alegria, é o lugar mais sujo e mais infecto do mundo. Pior que Marrocos. Até a água, a famosa água de Sintra, está inquinada! Apenas pudemos partir, fugimos para aqui, posta de parte a hipótese risonha de Moreira da Maia por causa de uma epidemia de bexigas que lá apareceu. Resta-nos apenas a casa do Vilar, para onde partimos dentro de dois ou três dias, passar o mês de Setembro, a ver se os pinheiros minhotos nos tonificam para a viagem da Suécia.
João Afonso Machado, Minhotos, Diplomatas e Amigos. A Correspondência (1886-1916) Entre o 2º Visconde de Pindela e António Feijó. Linda-a-Velha, DG Edições, 2007, p. 246.
Eis um texto marcadamente snob, o que não significa que não seja interessante.
ResponderEliminarEça deixou escola... mas para pior, claro.
E, no entanto, parecia bem prometedora a confissão do autor considerar-se parte dos indivíduos "qui se sont survécu"!
HOTEL CENTRAL
ResponderEliminarDecididos os convidados, fixado o jantar para uma segunda-feira, Ega teve uma conferência com o maître d'hotel do Central, em que lhe recomendou muita flor, dois ananases para enfeitar a mesa, e exigiu que um dos pratos do menu, qualquer deles, fosse "à la Cohen"; e ele mesmo sugeriu uma ideia: "tomates farcies à la Cohen"...
Eça de Queirós, OS MAIAS, Lisboa, Livros do Brasil, s.d., pp. 154-155.