Quando nos perguntam por que partimos, um tema emerge em todas as respostas: em Portugal abafava-se. Os horizontes estavam fechados, num país estreitamente controlado por um regime político que se dera por objectivo levar os portugueses a viver "habitualmente" - ou seja, sem inquietações nem sobressaltos, segundo os valores tradicionais.
Valentim Alexandre, in Pátria Utópica. O Grupo de Genebra Revisitado. Lisboa, Bizancio, 2011, p. 81
EM VILA LONGE
ResponderEliminarTriste é viver num lugar
Onde dormir não difere de morrer.
Mia Couto, O OUTRO PÉ DA SEREIA, Lisboa, Caminho, 2013, p. 159.
A expressão "viver habitualmente" é em si mesma asfixiante, pela falta de possibilidades que sugere. "Viver habitualmente" é viver de um determinado modo, sem pluralismo, de acordo com a perspetiva de quem manda e que, tomado como coisa natural, não pode ser posto em causa.
ResponderEliminarCuriosamente, no último congresso do CDS, Paulo Portas identificou "viver normalmente" como o objetivo que tem para o país neste momento.
Apesar de as circunstâncias atuais e o contexto destas palavras o poderem justificar, e sendo a situação política diferente da anterior a 25 de abril de 74 - é evidente uma espécie de persistência no discurso que constrange e que é confrangedora.
Ficou muito por resolver desse período histórico em Portugal, principalmente ao nível da consciência que dele têm as gerações mais novas. E embora as razões de emigração atual não sejam as que levavam os opositores do regime anterior a autoexilarem-se, continua a haver uma ausência de horizontes para quem quer viver em Portugal.
No artigo de Hannah Arendt "Verdade e Política", a autora considera a verdade o "sólo que pisamos", indispensável à política, embora consistindo numa categoria que lhe é exterior. E sem sólo os horizontes não são possíveis.
Quantas sequelas não terá em nós termo-nos habituado a "viver habitualmente" ao longo de tantos anos?