Pela parte que me tocava, estava sempre contente por partir. Gostava de sair. Em casa, parecia que estava sempre à procura de um lugar para me esconder - às vezes das crianças, mas mais frequentemente das tarefas a fazer, do toque do telefone e da sociabilidade dos vizinhos. Queria esconder-me para me dedicar ao meu verdadeiro trabalho, o qual consistia numa espécie de apelo para partes remotas de mim mesma. Eu vivia em estado de sítio, sempre a perder o que justamente se pretendia conservar. Mas em viagem não existiam esses problemas. Podia estar a falar com Andrew, a falar com as crianças e a olhar para o que elas me apontavam - um porco num cartaz, um pónei num campo, um volkswagen numa plataforma giratória - ou a servir limonada em copos de plástico, sem que aqueles fragmentos deixassem de esvoaçar dentro de mim. Conseguia um equilíbrio básico, que me animava e dava esperança. Conseguia-o graças às minhas qualidades de observadora. De observadora, não de arquivista.
Alice Munro, O Progresso do Amor. Lisboa, Relógio d'Água, 2011, p. 92.
GENTE CINÉTICA!
ResponderEliminarÉ preciso que compreendam que estão a falar com um homem que despachou FINNEGANS WAKE na montanha-russa de Coney Island, penetrando sem dificuldade nos abstrusos arcanos de Joyce apesar dos violentos solavancos que me fizeram perder os dentes postiços.
Woody Allen, PARA ACABAR DE VEZ COM A CULTURA, Trad. de Jorge Leitão Ramos, Lisboa, Bertrand, 1980, p. 105.