Lá no alto tu e eu iremos;
pela Via Láctea tu e eu iremos;
pela estrada florida tu e eu iremos;
colhendo flores sem pararmos tu e eu iremos.
Poema dos índios Wintos
Versão de Herberto Hélder
Rosa do Mundo. 2001 Poemas Para o Futuro. Direcção de Manuel Hermínio Monteiro.
Lisboa, Assírio & Alvim, 2001, p. 154.
DE VERÃO
ResponderEliminar[...]
Nisto, parando, como alguém que analisa,
Sem desprender do chão teus olhos castos,
Tu começaste, harmónica, indecisa,
A arregaçar a chita, alegre e lisa
Da tua cauda um poucochinho a rastos.
Espreitam-te, por cima, as frestas dos celeiros;
O sol abrasa as terras já ceifadas,
E alvejam-te, na sombra dos pinheiros,
Sobre os teus pés decentes, verdadeiros,
As saias curtas, frescas, engomadas.
E, como quem saltasse, extravagantemente,
Um rego de água sem se enxovalhar,
Tu, a austera, a gentil, a inteligente,
Depois de bem composta, deste à frente
Uma pernada cómica, vulgar!
Exótica! E cheguei-me ao pé de ti. Que vejo!
No atalho enxuto, e branco das espigas
Caídas das carradas no salmejo,
Esguio e a negrejar em um cortejo,
Destaca-se um carreiro de formigas.
[...]
E enfim calei-me. Os teus cabelos muito louros
Luziam, com doçura, honestamente;
De longe o trigo em monte, e os calcadoiros,
Lembravam-me fusões de imensos oiros,
E o mar um prado verde e florescente.
[...]
Cesário Verde, POESIA COMPLETA 1855-1886, Lisboa, Pub. Dom Quixote, 2001, pp. 135-6-7.
Neste extraordinário legado que nos deixou Hermínio Monteiro, "Rosa do Mundo" de poemas, está implícita uma noção de tempo fascinante.
ResponderEliminarOs poemas são contemporâneos, no sentido que aprendemos com Agamben, em que ser contemporâneo é estar próximo da origem "que em nenhum ponto pulsa com mais força do que no presente". (1)
Quando essa origem se manifesta (presente), experienciamos contemporaneidade, ou seja, algo de ancestral, de original, de intempestivo.
Imagens do passado que alcançam plena legibilidade no futuro é o que está em causa. E a poesia é seu meio próprio de expressão, de que é exemplo este poema dos Índios Wintos. Transcendentes, "Poemas para o futuro", porque o futuro é o seu tempo e o seu lugar.
(1) Agamben, Giorgio (2009) "O que é o Contemporâneo?", Nudez. Lisboa: Relógio de Água Editores, p.69