quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Não sei, nesta viagem, se irei a Portugal. Jorge de Sena

Santa Bárbara, 22 de Dezembro de 1972

Estou a cerca de um mês de partir para a Inglaterra, no meu "tour" de conferências por várias Universidades, para maior glória de uma pátria vil, que em lugar de se honrar com isso, se rói da inveja de quem sempre viveu a sua mesquinharia. Irei também a Paris, a Rennes e a Bruxelas. E só voltarei em fins de Março. Pelo menos respirarei Europa, farto que estou desta América que perdeu o último comboio da decência e dignidade. [...] Mas não fazes ideia da ignorância do mundo em que esta população [americana] é mantida - e os milhares que o têm visto não são suficientes para mudar as coisas. Todavia: Portugal está no bolso disto, e não no dos Mercados Comuns em que aliás entrou pela porta do cavalo. Mas para que me ralo eu com esta conversa? Toda a gente tem os governos que merece, e nós é que às vezes não merecemos o ter nascido aonde nos fizeram nascer (nem, o que é a mais trágica ironia, o pobre povo que nem sabe como usam da pele dele, como já dizia o velho Sá de  Miranda).
Não sei, nesta viagem, se irei a Portugal. É possível que, por pesquisas que tenha de fazer, salte a Madrid. Mas só pensar em ir a Lisboa (apesar dos amigos que tanto gosto de ver) dá-me dor de fígado.

Sophia de Mello Breyner - Jorge de Sena: Correspondência. 3a ed. Lisboa, Guerra e Paz, 2010, p. 143-144.

1 comentário:

  1. "Antes de entrar em Portugal como eu tinha saído com muito pouco conhecimento dele nem entendia que não era muito bom país para viver, mas nunca cuidei que era tão mau como o achei, porque além de não haver espécie de nenhuma dissipação, a gente não só é pouco sociável, mas absolutamente de nenhuma sociedade e segundo o meu parecer sumamente perniciosos nas companhias, porque não há mais que críticas, murmurações e uma inveja devorante. Julgue V. Ex.ª, meu Pai, que consolação esta para um homem que viveu quatro anos em França e quase o princípio da idade em que se começa a ter luz do mundo."

    Nuno G. Monteiro (selecção, prefácio e notas), MEU PAI E MEU SEMHOR MUITO DO MEU CORAÇÃO. Correspondência do conde de Assumar para seu pai, o marquês de Alorna, Lisboa, Quetzal, 2000, p. 67.

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