Da sombra dum céu nocturno
caía em chuva cinzenta
um hálito de outro mundo.
Vagos vislumbres de luz
quebravam raros a treva
e um medo indefinido
inclinava os arvoredos
- um vento frio corria.
Longos navios partiam
direitos ao mar do sonho
onde a tristeza se afoga
entre rochedos sem nome.
Tomam o rumo incerto
desse mar da pobre esperança
os navios desiguais
do sonho de cada um...
Para um ponto indefinido
nos horizontes do vago
partem naus cheias de luz,
de fé, de muita esperança;
partem os grandes navios
daqueles que muito sonham
ao lado daqueles barcos
pobres dum sonho pequeno
que parecem de papel
das almas que nada pedem.
Nas noites de cada dia
as velas cheias de vento
embaladas nas cantiga
de muita e doida esperança
vão partindo as caravelas
do sonho que vive um dia...
Adolfo Casais Monteiro, "Confusão" (1929). Poesias Completas. Lisboa, Portugália Editora, 1969, p. 15-16.
OUTRO BATEL
ResponderEliminar"De todos os pontos do horizonte surgem a cada instante as velas dos batéis de pesca, velas agudas, que se cruzam como asas simbólicas, que se perseguem, que se reviram e param, que prosseguem dispersas, precipitadas numa desordem de fuga, ou caminham reguladamente em grupos, de conserva, e tudo vai direito à barra, cuja entrada estreita um rochedo esconde.
Outro batel, com a vela toda panda, sai, sozinho, a barra e entra no mar saltando sobre as ondas de vidro verde, franjadas de espuma [...]"
Manuel Teixeira-Gomes, INVENTÁRIO DE JUNHO, Lisboa, Seara Nova, 1933, p. 83.