E então Carlos Eduardo partira para a sua longa viagem pela Europa.
Um ano passou. Chegara esse Outono de 1875: e o avô, instalado enfim no
Ramalhete, esperava por ele ansiosamente. A última carta de Carlos viera de
Inglaterra, onde andava, dizia ele, a estudar a admirável organização dos
hospitais de crianças. Assim era: mas passeava também por Brighton, apostava
nas corridas de Goodwood, fazia um idílio errante pelos lagos da Escócia, com
uma senhora holandesa, separada de seu marido, venerável magistrado da Haia,
uma Madame Rughel, soberba criatura de cabelos de oiro fulvo, grande e branca
como uma ninfa de Rubens.
Depois começaram a chegar, dirigidas ao Ramalhete, caixas sucessivas
de livros, outras de instrumentos e aparelhos, toda uma biblioteca e todo um
laboratório — que trazia o Vilaça, manhãs inteiras, aturdido pelos armazéns da
Alfândega.
— O meu rapaz vem com grandes ideias de trabalho — dizia Afonso
aos amigos.
Havia catorze meses que ele o não via, o «seu rapaz», a não
ser numa fotografia mandada de Milão, em que todos o acharam magro e triste. E
o coração batia-lhe forte, na linda manhã de Outono, quando do terraço do
Ramalhete, de binóculo na mão, viu assomar vagarosamente, por trás do alto
prédio fronteiro, um grande paquete da Royal
Mail que lhe trazia o seu neto.
À noite os amigos da casa, o velho Sequeira, D. Diogo
Coutinho, o Vilaça — não se fartavam de admirar «o bem que a viagem fizera a
Carlos». Que diferença da fotografia! Que forte, que saudável!
Era decerto um formoso e magnífico moço, alto, bem feito, de
ombros largos, com uma testa de mármore sob os anéis dos cabelos pretos, e os
olhos dos Maias, aqueles irresistíveis olhos do pai, de um negro líquido,
ternos como os dele e mais graves. Trazia a barba toda, muito fina,
castanho-escura, rente na face, aguçada no queixo — o que lhe dava, com o
bonito bigode arqueado aos cantos
da boca, uma fisionomia de belo cavaleiro da Renascença. E o
avô, cujo olhar risonho e húmido trasbordava de emoção, todo se orgulhava de o
ver, de o ouvir, numa larga veia, falando da viagem, dos belos dias de Roma, do
seu mau humor na Prússia, da originalidade de Moscovo, das paisagens da
Holanda...
— E agora? — perguntou-lhe o Sequeira, depois de um momento
de silêncio em que Carlos estivera bebendo o seu conhaque e soda. — Agora que tencionas tu fazer?
— Agora, general? — respondeu Carlos, sorrindo e pousando o copo.
— Descansar primeiro e depois passar a ser uma glória nacional!
Eça de Queirós, Os Maias. Episódios da Vida Romântica. Porto
Editora. Colecção Clássicos da Literatura Portuguesa, p. 79-80
REGRESSAR A PORTUGAL
ResponderEliminar"Acordei envolto num largo e doce silêncio. Era uma Estação muito sossegada, muito varrida, com rosinhas brancas trepando pelas paredes - e outras rosas em moutas, num jardim, onde um tanquezinho abafado de limos dormia sob duas minosas em flor que rescendiam. Um moço pálido, de paletó cor de mel, vergando a bengalinha contra o chão, contemplava pensativamente o comboio. Agachada rente à grade da horta, uma velha, diante de uma cesta de ovos, contava moedas de cobre no regaço. Sobre o telhado secavam abóboras. Por cima rebrilhava o profundo, rico e macio azul de que meus olhos andavam aguados.
Sacudi violentamente Jacinto:
- Acorda, homem, que estás na tua terra!
Ele desembrulhou os pés do meu paletó, cofiou o bigode, e veio sem pressa, à vidraça que eu abrira, conhecer a sua terra.
- Então é Portugal, hein?... Cheira bem.
- Está claro que cheira bem, animal!
Eça de Queirós, A CIDADE E AS SERRAS, Porto, Lello & Irmão Editores, s.d., p. 155.