sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Véspera da partida. Raul de Carvalho

Todas as horas, todos os minutos,
São para mim a véspera da partida.

Preparo-me para a morte, como quem
Se prepara para a vida.

Em qualquer parte eu disse que a Beleza
Não nasce só mas sim acompanhada.

Não são palavras as que eu digo.
A minha boca pertence aos que me amam.

Mudos e sós.
À nossa volta todos os amantes
Sentir-se-ão tranquilos.
Um coração puro
É como o sol:
Brilha todos os dias.

Raul de Carvalho, Realidade Branca. Lisboa, Ed. do Autor, 1968, p. 31.


2 comentários:

  1. OS AMANTES SEM DINHEIRO

    Tinham o rosto aberto a quem passava.
    Tinham lendas e mitos
    e frio no coração.
    Tinham jardins onde a lua passeava
    de mãos dadas com a água
    e um anjo de pedra por irmão.

    Tinham como toda a gente o milagre de cada dia
    escorrendo pelos telhados;
    e olhos de oiro
    onde ardiam
    os sonhos mais tresmalhados.

    Tinham fome e sede como os bichos,
    e silêncio
    à roda dos seus passos.
    Mas a cada gesto que faziam
    um pássaro nascia dos seus dedos
    e deslumbrado penetrava nos espaços.

    Eugénio de Andrade, OS AMANTES SEM DINHEIRO, 1947-1949, IN ANTOLOGIA BREVE, Lisboa, Moraes Editores, 1980, p. 31.

    ResponderEliminar