Todas as horas, todos os minutos,
São para mim a véspera da partida.
Preparo-me para a morte, como quem
Se prepara para a vida.
Em qualquer parte eu disse que a Beleza
Não nasce só mas sim acompanhada.
Não são palavras as que eu digo.
A minha boca pertence aos que me amam.
Mudos e sós.
À nossa volta todos os amantes
Sentir-se-ão tranquilos.
Um coração puro
É como o sol:
Brilha todos os dias.
Raul de Carvalho, Realidade Branca. Lisboa, Ed. do Autor, 1968, p. 31.
Sem dúvida!
ResponderEliminarOS AMANTES SEM DINHEIRO
ResponderEliminarTinham o rosto aberto a quem passava.
Tinham lendas e mitos
e frio no coração.
Tinham jardins onde a lua passeava
de mãos dadas com a água
e um anjo de pedra por irmão.
Tinham como toda a gente o milagre de cada dia
escorrendo pelos telhados;
e olhos de oiro
onde ardiam
os sonhos mais tresmalhados.
Tinham fome e sede como os bichos,
e silêncio
à roda dos seus passos.
Mas a cada gesto que faziam
um pássaro nascia dos seus dedos
e deslumbrado penetrava nos espaços.
Eugénio de Andrade, OS AMANTES SEM DINHEIRO, 1947-1949, IN ANTOLOGIA BREVE, Lisboa, Moraes Editores, 1980, p. 31.