domingo, 8 de dezembro de 2013

Mas, por lei, eu carecia de nudezes de mulher. João Guimarães Rosa

Digo mesmo de meu expor, falante de mulheres. Quando se viaja varado avante, sentado no quente, acaba o coxim da sela fala de amores. E eu surgia em sossego assim, passo compasso, o chapadão tão alargante. Lá o ar é repousos. Os Hermógenes andavam por bem longe. E nunca que pelotão de soldados havia de ali vir, por cima de nossas batidas. Sossego traz desejos. Eu não lerdeava; mas queria festa simples, achar um arraial bom, em feira-de-gado. Queria ouvir uma bela viola de Queluz, e o sapateado de pés dançando. Mas, por lei, eu carecia de nudezes de mulher. Nesses dias, moderei minha inclinação. Baixei ordens severianas: que todos pudessem se divertir saudavelmente, com as mulheres bem dispostas, não deixando no vai-vigário; mas não obrassem brutalidades com os pais e irmãos e maridos delas, consoante que eles ficassem cordatos. Estatuto meu era esse. Por que destruir vida, à-toa, à-toa, de homem são trabalhador? Zé Bebelo não teria outro reger... E vejo, pergunto: donde era que estava então o demo, perseguição? Devo redizer, eu queria delícias de mulher, isto para embelezar horas de vida. Mas eu escolhia – luxo de corpo e cara festiva. O que via com um desprezo era moça toda donzela, leiga do são-gonçalodo-amarante, e mulher feiosa, muito mãe-de-família. Essas, as bisonhas, eu repelia. Mas, daí então, me deram notícia do Verde-Alecrim. Joguei de galope. Torei o cavalo para lá.
Guia era um exato rapaz, vaqueiro goiano do Uruú. Esse me discriminou – o Verde-Alecrim formava somente um povoado: sete casas, por entre os pés de piteiras, beirando um claro riozinho. Meia-dúzia de cafuas coitadas, sapé e taipa-de- sebe. Mas tinha uma casa grande, com alpendre, as vidraças de janelas de malacacheta, casa caiada e de telhas, de verdade, essa era a das mulheres-damas. Que eram duas raparigas bonitas, que mandavam no lugar, aindas que os moradores restantes fossem santas famílias legais, com suas honestidades. Cheguei e logo achei que lugar tal devia era de ter nome de Paraíso.

João Guimarães Rosa, Grande Sertão: Veredas. In Ficção Completa. Editora Nova Aguilar, 1994, p. 752-753.

1 comentário:

  1. MENOS VALEM DADAS QUE TOMADAS?

    Os moradores desta prouincia som ydolatras,.e em tal maneyra pelos seus ydolos som tirados do seu syso. que creem de auer sua graça. se as proprias molheres e filhas derem aos caminhantes. porque qualquer caminhante que per elles passa e se for a casa de qualquer delles. loguo ho senhor da casa chama a molher e filhas.e todas as outras molheres que tem em casa. e mandalhes que em todallas cousas obedeçam ao hospede e a seus companheiros. e despoys deste mandado partese e leixa em a propria casa ho estrangeiro com seus companheiros assi como senhor della. nem presume mais tornar em quanto este outro hy quiser morar. E ho estrangeiro dependura ante as portas ho sombreyro ou a touca ou alguun outro synal. E quando ho senhor da casa se quer tornar pensando per ventura que seria ja partido. se vijr ho sinal ante a porta logo se torna. E assi ho estrangeiro pode hy estar dous ou tres dias.

    Marco Paulo, O LIVRO DE MARCO PAULO[..], conforme impressão de Valentim Fernandes, Lisboa, Oficinas Gráficas da Biblioteca Nacional, 1922, fl. 44r.

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