Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te perco
conheço tão bem o teu corpo
sonhei tanto a tua figura
que é de olhos fechados que eu ando
a limitar a tua altura
e bebo a água e sorvo o ar
que te atravessou a cintura
tanto tão perto tão real
que o meu corpo se transfigura
e toca o seu próprio elemento
num corpo que já não é seu
num rio que desapareceu
onde um braço teu me procura
Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te perco
Mário Cesariny de Vasconcelos, Pena Capital. Lisboa, Assírio & Alvim, 2004, p. 30
"Onde um braço teu me procura"
ResponderEliminarUma intensidade delicada, poética, que dói.
Este mesmo poema volta a ser publicado noutro livro de Cezariny - Uma Grande Razão poemas maiores - (Lisboa, Assírio & Alvim, 2007, p. 66). Mas desta vez sem repetir no final os dois primeiros versos. Termina: "onde um braço teu me procura".
ResponderEliminarNOCTURNO
ResponderEliminarEram, na rua, passos de mulher.
Era o meu coração que os soletrava.
Era, na jarra, além do malmequer,
espectral o espinho de uma rosa brava...
Era, no copo, além do gin, o gelo;
além do gelo, a roda de limão...
Era a mão de ninguém no meu cabelo.
Era a noite mais quente deste verão.
Era, no gira-discos, o "Martírio
de São Sebastião", de Debussy...
Era, na jarra, de repente, um lírio!
Era a certeza de ficar sem ti.
Era o ladrar dos cães na vizinhança.
Era, também, um choro de criança...
David Mourão-Ferreira, INFINITO PESSOAL OU A ARTE DE AMAR, Lisboa, Guimarães Editores, 1962, p. 37.