quinta-feira, 25 de abril de 2013
Sob o cansaço da viagem. Fernando Pinto do Amaral
Quartos de hotel
Chegas sob o cansaço da viagem,
poisas a mala, despes o casaco
e eis mais um quarto de mais um hotel:
como numa memória descritiva,
fazes o inventário maquinal
de cada recanto, de cada objecto
- à entrada, os armários e a casa de banho,
e depois, mais ao fundo,
a cama que desejas confortável,
duas ou três cadeiras, um sofá,
ou um outro quadro com cenas campestres,
uma mesa que dê para escrever,
o minibar com as minibebidas
e a televisão das últimas notícias
em língua que consigas decifrar.
Acabas de apagar a última luz
e à espera do sono ainda perguntas:
Quem passou por aqui? Quem pernoitou
exactamente neste quarto, igual
a milhares de outros quartos em milhares de hotéis?
Que esperanças ou angústias respiraram
estas quatro paredes? Madrugadas
de sonho ou pesadelo, êxtases ou naufrágios
de corpos, como teu sobre esta cama
- e tudo isto imaginas no silêncio
que vem do corredor e agora te deixa
pouco a pouco submerso, afogado
no lento precipício que há dentro de ti.
Estás num quarto de hotel, apenas isso
- um quarto que, apesar deste poema,
esquecerás amanhã quando partires.
Fernando Pinto do Amaral, Pena Suspensa. Lisboa, Publicações Dom Quixote, 2004, p. 22-23.
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