A meio da noite, quando dormimos profundamente, o nosso
autocarro entre numa pequena vila. As luzes da cidade são mortiças e os seus
edifícios estão em mau estado. Não há ninguém nas ruas. Mas, do alto das
janelas do autocarro, vemos uma casa cujas cortinas estão abertas. Talvez o
autocarro pare aí num semáforo. E, no meio de toda esta actividade, damos
subitamente por nós a olhar pelas cortinas abertas de uma casa numa rua
lateral, numa pequena vila onde não conhecemos ninguém, onde vemos pessoas a
fumar de pijama, a ler o jornal ou a ver as últimas notícias antes de
desligarem a televisão. Todos os que já viajaram de autocarro pela Turquia
durante a noite passaram por isto. Por vezes, o nosso olhar encontra-se com o
destas pessoas na privacidade das suas casas. Num instante, passamos de cem
quilómetros por hora para uma paragem completa, e deparamos com os detalhes
mais embaraçosos e íntimos das suas vidas vagarosas. Estes são momentos
ímpares, em que a vida nos mostra, desta misteriosa forma, que o mundo é feito
de muitas vidas diferentes e de muitas pessoas diferentes. Quando abrimos um
frigorífico, vemos recipientes diversos e tomates que nos fazem invejar essas
outra espécie de vida. Comparamo-nos com essas pessoas. Interessamo-nos por
este ou aquele aspecto das suas vidas, e gostaríamos de estar nessas mesmas
vidas. Sonhamos ser mais como essas pessoas, de nos tornarmos nelas. Ser atraído
por outra vida é compreender quanto as nossas próprias vidas são relativas, mas
também únicas.
Orhan Pamuk, Outras Cores. Ensaios Sobre a Vida, a Arte, os
Livros e as Cidades. Lisboa, Editorial Presença, 2009, p. 267.
Extraordinário este texto.
ResponderEliminarDá logo vontade de ler todo o livro de Pamuk.
- Isabel X -