Há recordações que te são tão estranhas, tão incríveis, tão
fora do reino do plausível que tens dificuldade em conciliá-las com o facto de
seres a pessoa que passou pelas situações de que estás a lembrar-te. Aos
dezassete anos de idade, por exemplo, num voo de Milão para Nova Iorque, no
regresso da tua primeira viagem ao estrangeiro (para visitar a irmã da tua mãe
em Itália onde vivia havia doze anos) sentaste-te ao lado de uma rapariga de dezoito
ou dezanove anos, atraente e muito inteligente, e, depois de uma hora de
conversa, passaram o resto da viagem a beijar-se com uma sofreguidão lasciva,
apalpando-se apaixonadamente na frente dos outros passageiros, sem a mínima
gota de vergonha ou timidez. Parece impossível que aquilo tenha acontecido, mas aconteceu. Mais estranho
ainda foi quando no ano seguinte, na manhã do último dia da tua excursão à
Europa, aquela que começou pela travessia do Atlântico num navio de estudantes,
entraste num avião no aeroporto de Shannon, na Irlanda, e deste contigo sentado
ao lado de outra rapariga bonita. Ao cabo de uma hora de conversa séria sobre
livros, faculdades e aventuras de verão, começaram os dois na marmelada,
atirando-se um ao outro com tal fúria que acabaram por se cobrir com uma manta,
e debaixo da manta as tuas mãos percorreram-lhe o corpo todo e entraram-lhe
pelas saias acima, e só graças a uma férrea força de vontade se coibiram de
entrar no território proibido da trancada pura e dura. Como pode ter acontecido
semelhante coisa? As energias sexuais da juventude são tão poderosas que a
simples presença de outro corpo pode servir de indução às relações sexuais? Se fosse
hoje não fazias o mesmo, nem sequer ousavas pensar em fazer o mesmo – mas também
já não és jovem.
Paul Auster, Diário de Inverno. Lisboa, ASA, 2012, p.
144-145.
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