"Reconheces-me tu, ar, cheio dos lugares que uma vez foram meus?" É um verso de Rainer Maria Rilke que neste livro é recorrente. Alguém está a regressar a um lugar que conheceu noutros tempos e pede ao ar (o espírito do lugar?) que o reconheça, porque ele próprio não reconhece já esses lugares. Não reconhece o que contemplou noutros tempos nem o que nesse tempo sentia ao contemplar: as suas emoções, o seu eu de então. Cada lugar a que chegamos de viagem é uma espécie de radiografia de nós próprios. Muitas vezes, ingenuamente, tiramos fotografias com a ilusão de levarmos alguma coisa connosco. Mas as imagens são apenas a pele, pura aparência: o que esse lugar provoca em nós ao contemplá-lo e vivê-lo não é fotografável. Acontece o mesmo com os sonhos. Impelidos pelo desejo de comunicar a emoção sentida a alguém e quase com espanto damo-nos conta de que a história daquele sonho era banal, era um sonho como outro qualquer: assim, ao contá-lo, não comunica nenhuma emoção, nem em quem nos escuta nem a nós próprios que o contamos. O que é que tinha então de tão especial para ter provocado tanta emoção? Nada. O importante daquele sonho não era o que acontecia, mas a maneira como o estávamos a viver: o sonho era a nossa própria emoção. Com um lugar é a mesma coisa. Contá-lo não significa descrevê-lo, mas conseguir transmitir, mesmo numa ínfima parte, as emoções que suscitou.
António Tabucchi, Viagens e Outras Viagens. P. 178-179.
O lugar, o sonho são "a nossa própria emoção"... Vai-se ver e é assim com muitas mais coisas ainda. Com a vida. Mas acredito que os lugares podem despertar de um modo especial emoções até então desconhecidas e, por isso, inexistentes.
ResponderEliminarHá uma subjetividade intrínseca a tudo isto que é em si mesma uma mar de possibilidades. Quantas perdemos? Quantas ganhamos? O que mais importa é a disponibilidade para seguir o olhar e ver à nossa volta o que em nós é aquilo que nos rodeia.