Viajar? Para viajar basta existir. Vou de dia para dia, como de estação para estação, no comboio do meu corpo, ou do meu destino, debruçado sobre as ruas e as praças, sobre os gestos e os rostos, sempre iguais e sempre diferentes, como, afinal, as paisagens são.
Se imagino, vejo. Que mais faço eu se viajo? Só a fraqueza extrema da imaginação justifica que se tenha que deslocar para sentir.
«Qualquer estrada, esta mesma estrada de Entepfuhl, te levará até ao fim do mundo.» Mas o fim do mundo, desde que o mundo se consumou dando-lhe a volta, é o mesmo Entepfuhl de onde se partiu. Na realidade, o fim do mundo, como o princípio, é o nosso conceito do mundo. É em nós que as paisagens têm paisagem. Por isso, se as imagino, as crio; se as crio, são; se são, vejo-as como às outras. Para quê viajar? Em Madrid, em Berlim, na Pérsia, na China, nos Pólos ambos, onde estaria eu senão em mim mesmo, e no tipo e género das minhas sensações?
A vida é o que fazemos dela. As viagens são os viajantes. O que vemos, não é o que vemos, senão o que somos.
Livro do Desassossego por Bernardo Soares. Vol.II. Fernando Pessoa. (Recolha e transcrição dos textos de Maria Aliete Galhoz e Teresa Sobral Cunha. Prefácio e Organização de Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1982. p. 387.
Leio um texto afirmando que é indispensável viajar, e concordo. Então dito "daquele" modo, até dá vontade de começar logo a fazer as malas.
ResponderEliminarLeio um texto, como este, dizendo que para qualquer viagem nos transportamos a nós mesmos e que a verdadeira viagem tem de ser dentro de cada um de nós e não depende de viajar, e concordo, com o mesmo entusiasmo e vontade de agir desse modo.
Quem nunca sentiu algo assim? Contraditório? Plural?
É por isso que eu gosto da natureza humana.
Esta adesão à linguagem e à respetiva eficácia, ao pensamento nela contido e à capacidade de conduzir à ação.
Uma maravilha!