Pouco depois, o patrão mandou-me chamar e fiquei aborrecido porque pensei que me ia dizer para telefonar menos e trabalhar mais. Não era nada disso. Declarou que me ia falar num projecto ainda muito vago. Queria apenas a minha opinião sobre o assunto. Tencionava instalar um escritório em Paris, para tratar directamente com grandes companhias e perguntou-me se eu estava disposto a ir para lá. Poderia assim viver em Paris e viajar durante parte do ano. "Você ainda é novo e creio que essa vida lhe agradaria". Disse que sim, mas que no fundo me era indiferente. Perguntou-me depois se eu não gostaria de uma mudança de vida. Respondi que nunca se muda de vida, que em todo os casos, todas as vidas se equivaliam e que a minha, aqui, não me desagradava. Mostrou um ar descontente, disse que eu respondia sempre à margem das questões, e que não tinha ambição, o que para os negócios era desastroso. Voltei para o meu trabalho. Teria preferido não o descontentar, mas não via razão nenhuma para modificar a minha vida. Pensando bem, não era infeliz. Quando era estudante, alimentara muitas ambições desse género. Mas quando abandonei os estudos, compreendi muito depressa que essas coisas não tinham verdadeira importância.
Albert Camus, O Estrangeiro. Lisboa, Livros do Brasil, s/d. p. 75-76.
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