O nascimento do romance europeu coincide com a decomposição do mundo medieval "afeiçoado segundo uma só ideia", organizado segundo uma só fé. O Deus de Pascal deixou a terra; a sua verdade, única e clara, escondeu-se. Don Quixote saiu de sua casa e não consegue reconhecer o mundo, subitamente opaco, contraditório e relativizado.
A partir desse momento, a sabedoria deixa de consistir na apropriação de uma verdade pré-existente e dada, mas na faculdade de perceber a complexidade das verdades relativas que se confrontam no vasto espaço do mundo onde já não existe juiz supremo.
Esta descoberta da relatividade é uma grandiosa descoberta do pensamento ocidental. O romance faz parte desta descoberta, confirma-a e desenvolve-a. Assenta neste novo estádio do mundo (do mundo relativizado sem o juiz supremo) e é a sua imagem.
O jogo romanesco consiste na criação de personagens; é um convite perpétuo a sair de si próprio (da sua própria verdade e da sua certeza) e de compreender o outro. O romance é assim um grande apelo à tolerância, um exercício imaginário de compreensão.
Milan Kundera, in Gérard Montassier (Coord.). Le Fait Culturel. Paris. Fayard, 1980. p. 268
"a verdade não é subjectiva, nem objectiva mas o contorno final e acabado da vida de cada um; a resposta dada, com recta intenção, ao justo apelo. Perguntar 'quem sou' é uma pergunta de escravo; perguntar 'quem me chama' é uma pergunta de homem livre."
ResponderEliminarM. G. Llansol, 1985, Lisboa, edições Rolim
(p. 139)
Esqueci-me do título do livro (parece-me):
ResponderEliminar"um falcão no punho"