domingo, 29 de junho de 2014

De Esposende se avista o seu barco negro. Agustina Bessa Luis

Que desgostos trazia [D. Sebastião], que a morte lhe pareceu afável e desejável? Quando o povo o esperava, vindo do nevoeiro, é porque recordava qualquer coisa de invulnerável que ele tinha por virtude própria. Era como sir Lancelot , a quem o amor poupava e por isso também o respeitava a morte. Fruto verde e perdido, menino sem mãe nem pai! De Esposende se avista, se quisemos, o seu barco negro, que espera subir o rio como um bergantim funerário, um dia. Em certas tardes paradas de Inverno, além das dunas de Fão, uma vela corre, e, se cuidarmos ir retomá-la na barra - não a veremos mais. O mugido da sereia cobre o estalido da água.

Agustina Bessa Luis, "Memória de Esposende", in Alegria do Mundo, vol. II (Escritos dos Anos de 1970 a 1974). Lisboa, Guimarães Editores, 1998, p.

14 comentários:


  1. D. SEBASTIÃO
    REI DE PORTUGAL

    Louco, sim, louco, porque quis grandeza
    Qual a Sorte a não dá.
    Não coube em mim minha certeza;
    Por isso onde o areal está
    Ficou meu ser que houve, não o que há.

    Minha loucura, outros que me a tomem
    Com o que nela ia.
    Sem a loucura que é o homem
    Mais que a besta sadia,
    Cadáver adiado que procria?

    20-2-1933
    Mensagem. Fernando Pessoa. Lisboa: Parceria António Maria Pereira, 1934 (Lisboa: Ática, 10ª ed. 1972). - 42.

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    1. "Esperai! Caí no areal e na hora adversa
      Que Deus concede aos seus
      Para o intervalo em que esteja a alma imersa
      Em sonhos que são Deus.

      Que importa o areal e a morte e a desventura
      Se com Deus me guardei?
      É o que eu me sonhei que eterno dura,
      É esse que regressarei."

      Fernando Pessoa (1986) Mensagem, volume I. Porto: Lello & Irmão Editores (p. 1161)

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  2. A Lenda D'el Rei D. Sebastião
    José Cid

    Fugiu de Alcácer Quibir
    El Rei D. Sebastião
    Perdeu-se num labirinto
    Com seu cavalo real

    As bruxas e adivinhos
    Nas altas serras beirãs
    Juravam que nas manhãs
    De cerrado de Nevoeiro
    Vinha D. Sebastião

    Pastoras e trovadores
    Das regiões litorais
    Afirmaram terem visto
    Perdido entre os pinhais
    El Rei D. Sebastião

    Ciganos vindos de longe
    Falcatos desconhecidos
    Tentando iludir o povo
    Afirmaram serem eles
    El Rei D. Sebastião
    E que voltava de novo

    Todos foram desmentidos
    Condenados às gales
    Pois nas praias dos Algarves
    Trazidos pelas marés
    Encontraram o cavalo
    Farrapos do seu gibão
    Pedaços de nevoeiro
    A espada e o coração
    de El Rei D. Sebastião

    Fugiu de Alcácer Quibir
    El Rei Rei D. Sebastião
    E uma lenda nasceu
    Entre a bruma do passado
    Chamam-lhe o desejado
    Pois que nunca mais voltou
    El Rei D. Sebastião
    El Rei D. Sebastião

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  3. Abaixo el-rei Sebastião


    É preciso enterrar el-rei Sebastião
    é preciso dizer a toda a gente
    que o Desejado já não pode vir.
    É preciso quebrar na ideia e na canção
    a guitarra fantástica e doente
    que alguém trouxe de Alcácer Quibir.

    Eu digo que está morto.
    Deixai em paz el-rei Sebastião
    deixai-o no desastre e na loucura.
    Sem precisarmos de sair do porto
    temos aqui à mão
    a terra da aventura.

    Vós que trazeis por dentro
    de cada gesto
    uma cansada humilhação
    deixai falar na nossa voz a voz do vento
    cantai em tom de grito e de protesto
    matai dentro de vós el-rei Sebastião.

    Quem vai tocar a rebate
    os sinos de Portugal?
    Poeta: é tempo de um punhal
    por dentro da canção.
    Que é preciso bater em quem nos bate
    é preciso enterrar el-rei Sebastião.

    Manuel Alegre, O canto e as armas

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  4. Será que sim? Será que é assim? Que um acontecimento marcante pode encontrar-se (para sempre), nas circunstâncias certas, num lugar que lhe é próprio? Na memória capaz de o reacender? Como se nunca se completasse... O seu devir é eterno porque encontrou o seu eco.

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  5. “Respondeu Daniel na presença do rei e disse: O mistério que o rei exige, nem encantadores, nem magos nem astrólogos o podem revelar ao rei; mas há um Deus no céu, o qual revela os mistérios, pois fez saber ao rei Nabucodonosor o que há de ser nos últimos dias. O teu sonho e as visões da tua cabeça, quando estavas no teu leito, são estas: Estando tu, ó rei, no teu leito, surgiram-te pensamentos a respeito do que há de ser depois disto. Aquele, pois, que revela mistérios te revelou o que há de ser. E a mim me foi revelado este mistério, não porque haja em mim mais sabedoria do que em todos os viventes, mas para que a interpretação se fizesse saber ao rei, e para que entendesses as cogitações da tua mente. Tu, ó rei, estavas vendo, e eis aqui uma grande estátua; esta, que era imensa e de extraordinário esplendor, estava em pé diante de ti; e a sua aparência era terrível. A cabeça era de fino ouro, o peito e os braços, de prata, o ventre e os quadris, de bronze; as pernas, de ferro, os pés, em parte, de ferro, em parte, de barro. Quando estavas olhando, uma pedra foi cortada sem auxílio de mãos, feriu a estátua nos pés de ferro e de barro e os esmiuçou. Então, foi juntamente esmiuçados o ferro, o barro, o bronze, a prata e o ouro, os quais se fizeram como a palha das eiras no estio, e o vento os levou, e deles não se viram mais vestígios. Mas a pedra que feriu a estátua se tornou em grande montanha, que encheu toda a terra. Este é o sonho; e também à sua interpretação diremos ao rei. Tu, ó rei, rei de reis, a quem o Deus do céu conferiu o reino, o poder, a força e a glória; a cujas mãos foram entregues os filhos dos homens, onde quer que eles habitem, e os animais do campo e as aves do céu, para que dominasses sobre todos eles, tu és a cabeça de ouro. Depois de ti, se levantará outro reino, inferior ao teu; e um terceiro reino, de bronze, o qual terá domínio sobre toda a terra. O quarto reino será forte como ferro; pois o ferro a tudo quebra e esmiúça; como o ferro quebra todas as coisas, assim ele fará em pedaços e esmiuçará. Quanto ao que viste dos pés e dos artelhos, em parte, de barro de oleiro e, em parte, de ferro, será esse um reino dividido; contudo, haverá nele alguma coisa da firmeza do ferro, pois que viste o ferro misturado com barro de lodo. Como os artelhos dos pés eram, em parte, de ferro e, em parte, de barro, assim, por uma parte, o reino será forte e, por outra, será frágil. Quanto ao que viste do ferro misturado com barro de lodo, misturar-se-ão mediante casamento, mas não se ligarão um ao outro, assim como o ferro não se mistura com o barro. Mas, nos dias destes reis, o Deus do céu suscitará um reino que não será jamais destruído; este reino não passará a outro povo; esmiuçará e consumirá todos estes reinos, mas ele mesmo subsistirá para sempre, como viste que do monte foi cortada uma pedra, sem auxílio de mãos, e ela esmiuçou o ferro, o bronze, o barro, a prata e o ouro. O Grande Deus fez saber ao rei o que há de ser futuramente. Certo é o sonho, e fiel, a sua interpretação”.

    DANIEL 2: 27- 45. A REVELAÇÃO DO FUTURO DA HUMANIDADE

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  6. O sonho

    Sonhe com aquilo que você quer ser,
    porque você possui apenas uma vida
    e nela só se tem uma chance
    de fazer aquilo que quer.

    Tenha felicidade bastante para fazê-la doce.
    Dificuldades para fazê-la forte.
    Tristeza para fazê-la humana.
    E esperança suficiente para fazê-la feliz.

    As pessoas mais felizes não tem as melhores coisas.
    Elas sabem fazer o melhor das oportunidades
    que aparecem em seus caminhos.

    A felicidade aparece para aqueles que choram.
    Para aqueles que se machucam
    Para aqueles que buscam e tentam sempre.
    E para aqueles que reconhecem
    a importância das pessoas que passaram por suas vidas.

    Clarice Lispector

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  7. "- O mar - confidencia-me - não tem esposa conhecida.
    Aprendo com ele a arte de cultivar a ausência.
    - A arte de fazer perigar os corpos - respondi-lhe -, tanto mais que o espaço foi condenado à morte, e a viagem destas naus não o resgatou.
    Saber e enfraquecer são um só.
    Haja, ou não, ventos contrários,
    correntes,
    motins,
    escorbuto,
    recifes escondidos,

    haja ou não,
    se não houver,
    se houver."

    Maria Gabriela Llansol (1988) Da Sebe ao Ser. Lisboa: Edições Rolim (p. 36)

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  8. Nem por ironia, era Agustina Bessa-Luís quem dizia que Manuel Alegre "é o melhor dos poetas assim-assim".

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    1. Este meu comentário devia ter ficado junto do poema de Manuel Alegre sobre El-Rei D. Sebastião.

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    2. Agustina Bessa Luís é uma talentosa escritora, para muitos, a melhor escritora do século XX, a par de Fernando Pessoa. Mas também é considerada por alguns, enquanto pessoa, como impiedosa, de ego inflamado, de mau feitio. Há escritos e críticas que a definem assim. Que é uma magistral artífice da palavra, é, com certeza.

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    3. Agora é como se já tivesse morrido, Agustina.
      Pessoas assim fazem falta. Dizem o que é preciso ser dito quando outros o não fazem.
      Só me lembrei do que ela dizia sobre Manuel Alegre porque o post era um excerto seu e o poema de Manuel Alegre do comentário era bastante fraquinho.
      Peço desculpa. Não quero ser desagradável. Gosto muito de outros textos que são comentários seus, MC.

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  9. ALMA-NEGRA
    Só retorno ainda
    se a neblina do Oeste
    me dá corpo e veste.
    Despida a maravilha,
    sou espécie quase finda:
    recluso liberado
    em minha ignota ilha.

    "Dois dias antes da coroação, Pedro Nunes, cosmógrafo-mor do Reino e mestre de El-rei em geometria, foi ter com a rainha [avó e regente] e disse-lhe:
    - Adiai o dia em que el-rei se entrega do governo. Por muito pouco que exerço a matemática que julga dos sucessos futuros, à conta do que tem de falível e cheia de incerteza, verifico que esse dia é tido como altamente nefasto. O juízo astrológico é que, começando a reinar nesta data, terça-feira, 20 de Janeiro de 1568, será o seu reinado instável, cheio de inquietação ordinária e de mui pouca dura.
    Agradeceu-lhe a rainha o zelo, mas estava tudo aparelhado, porquanto era o dia de S. Sebastião, e a cerimónia celebrou-se como fora previsto."

    Aquilino Ribeiro, "D. Sebastião", IN PRÍNCIPES DE PORTUGAL. SUAS GRANDEZAS E MISÉRIAS, Lisboa, Livros do Brasil, s.d., pp. 175.

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  10. A Última Nau
    Levando a bordo El-Rei Dom Sebastião,
    E erguendo, como um nome, alto, o pendão
    Do Império,
    Foi-se a última nau, ao sol aziago
    Erma, e entre choros de ancia e de presago
    Mystério.

    Não voltou mais. A que ilha indescoberta
    Aportou? Volverá da sorte incerta
    Que teve?
    Deus guarda o corpo e a forma do futuro,
    Mas Sua luz projecta-o, sonho escuro
    E breve.

    Ah, quanto mais ao povo a alma falta,
    Mais a minh'alma atlântica se exalta
    E entorna,
    E em mim, num mar que não tem tempo ou 'spaço,
    Vejo entre a cerração teu vulto baço
    Que torna.

    Fernando Pessoa, Mensagem

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