sábado, 21 de junho de 2014

Viajar segundo Montaigne (3)

Quanto ao argumento da velhice que contra mim brandem, respondo que é, pelo contrário, à juventude que cabe sujeitar-se às opiniões comuns e sacrificar-se pelos outros. Está ela em condições de satisfazer igualmente ao público e a si: nós já temos demasiado que fazer só connosco próprios. À medida que os bens naturais nos vão faltando, passamos a sustentarmo-nos com os artificiais. É uma injustiça desculpar a juventude por se entregar aos seus prazeres e proibir a velhice de os procurar. Jovem, eu cobria sob o manto da prudência os meus sentimentos joviais; velho, apaziguo os de tristeza com o desregramento. Aliás, as leis de Platão proíbem que se viaje antes dos quarenta ou cinquenta anos para tornar as viagens mais úteis e instrutivas; eu de melhor grado subscreveria essoutro segundo artigo das mesmas leis que as interdita depois dos sessenta - "Mas na vossa idade, já não regressareis de um tão longo périplo!" Que me importa? Não o empreendo nem com o intuito de regressar nem com o de ir até ao fim; tenciono apenas pôr-me em andamento enquanto andar me apraz. E passeio-me tão-só para me passear. Os que correm atrás de um benefício ou de uma lebre não correm; correm aqueles que o fazem por jogo e por exercício.
O meu itinerário pode- se interromper em qualquer ponto: não se baseia em grandes expectativas; cada jornada cumpre o seu objectivo. E a viagem da minha vida processa-se da mesma maneira. Vi, assim, bastantes lugares distantes onde desejaria haver-me detido. E porque não, de Crisipo, Cleantes, Diógenes, Zenão e Antípatro, todos eles sábios da seita mais carrancuda, abandonaram a sua terra sem nenhuma razão de queixa dela, movidos tão-só pelo intuito de mudarem de ares? Decerto o que mais me apraz nas minhas peregrinações é que não possa ir para elas com a resolução de estabelecer residência onde muito bem me aprouver, e que me seja sempre indispensável dispor-me a regressar, para me acomodar às maneiras comuns de proceder.
Se tivesse medo de morrer noutro lugar que não o do meu nascimento, se pensasse que, longe dos meus, morreria menos à vontade, dificilmente me ausentaria de França, nem sequer sairia da minha paróquia sem terror. Sinto a morte continuamente pinçar-me quer a garganta quer os rins. Mas sou feito de outro modo: a morte é uma e a mesma coisa para mim em qualquer parte. Se, todavia, tivesse que escolher, gostaria antes, creio-o, de morrer a cavalo, longe da casa e dos meus, que no meu leito. Há mais descoroçoamento que reconforto em fazer as últimas despedidas aos amigos.
[...] Para acabar de expor as minhas fraquezas, confesso que, viajando, nunca chego a nenhuma pousada onde não me passe pela cabeça perguntar-me se eu aí poderia tranquilamente estar doente ou moribundo.
[...] Tenho a compleição mais adaptável e a melhor boca do mundo. A diversidade dos usos nacionais não me afecta senão pelo prazer da variedade. Cada costume tem a sua razão.
[...] É um acaso raro, mas de inestimável consolo, dispor da companhia de um homem de bem, de juízo sólido e costumes conformes com os vossos, que goste de seguir convosco. Tenho enormemente sentido a falta de um assim em todas as minhas viagens. Mas uma tal companhia, preciso é tê-la escolhido e garantido à partida. Nenhum prazer me dá gosto se o não posso partilhar. Nem uma única feliz ideia me vem à mente que não me sinta irritado por havê-la tido sozinho sem ninguém a quem apresentá-la.

Montaigne, "Da Vaidade", in Ensaios (Antologia). Introdução, tradução e notas de Rui Bertrand Romão. Lisboa, Relógio d'Água, 1998, p. 249-314.

13 comentários:

  1. Cher Monsieur,

    Je viens de glisser l'Arbre des morts dans mon vieil exemplaire de " L'Eau et les Rêves ". Votre poème revit si bien le voyage dans la barque funèbre qu'il est pour le rêveur que je suis une variante inoubliable. Je pense à cette forêt de cercueils qui est peut-être la nature profonde de tous les grands deltas.

    Cette géographie structurée par la mort des hommes est au moins une vérité onirique.

    Et voici que vous sentez que cette forêt de la mort attire les nuages, qu'une frondaison de nuages plane nécessairement au-dessus de l'arbre des morts.

    Ah ! comme les poètes pensent bien ! comme ils rêvent loin !
    Merci Et très cordialement à vous

    Bachelard

    http://www.gastonbachelard.org/fr/ressources/bulletinsaagb/bulletins4.htm#lg

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  2. Grande é a diferença entre o turista e o viajante. O primeiro é uma criatura feliz, que parte por este mundo com a sua máqui- na fotográfica a tiracolo, o guia no bolso, um sucinto vocabu- lário entre os dentes: seu destino é caminhar pela superfície das coisas, como do mundo, com a curiosidade suficiente para passar de um ponto a outro, olhando o que lhe apontam, com- prando o que lhe agrada (...).
    O viajante é criatura menos feliz, de movimentos mais vagarosos, todo enredado em afetos, querendo morar em cada coisa, descer à origem de tudo, amar loucamente cada aspecto do caminho, desde as pedras mais toscas às mais sublimadas al- mas do passado, do presente e do futuro um futuro que ele nem conhecerá.
    (...)
    O viajante, em Roma, sente-se perdido, cercado por essas sobrevivencias que o solicitam, que se impõem ao seu pensamento, que exigem a sua atenção para velhíssimos pormenores de sua história. Que poderão elas dizer ao turista apressado, ao venturoso turista que passa por elas como as salamandras pelo fogo, sem se impressionar? O viajante olha as ruínas de Roma antiga, e já não pode dar um passo: elas o convidam a ficar, a escutá-las e entendê-las.

    Cecília Meireles, crônica "Roma, turistas e viajantes"

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  3. L’ANCRE DE LUMIÈRE
    A Marthoune.

    La mer semblait de pierre calcinée, mate et pourtant transparente et, à une grande profondeur, sur un lit de sable gris, je distinguais fort bien l’ancre lumineuse qui m’empêchait de dériver.
    Il était seul, mon bateau, seul au milieu de l’immensité noire et, seul à bord, penché au dessus de l’abîme, je ne quittais plus des yeux, minuscule et seule, elle aussi, dans le désert couvé par l’océan, cette croix de feu sous la courbe d’un sourire.
    Et, à force de fixer sur elle mon regard, elle m’apparut comme un visage, comme ton visage nocturne, mon amie. Les bras de l’ancre devinrent ta bouche, la tige dessinait la ligne de ton nez et le jas celle de tes sourcils. Si distant et si attachant, c’était bien ton visage qui brillait là-bas, qui liait ma barque à la terre malgré les ressacs et les courants, et continuait de veiller, même lorsque je scrutais l’horizon.
    — Lève l’ancre ! dit une voix soudaine.
    Alors, tu poussas un cri si déchirant que je m’éveillai à ton côté.
    Et notre lit tanguait dans l’ombre.

    In La Nuit Parle, Louis Guillaume

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  4. Discurso ao ignoto Romano

    Não está no mármore o teu nome.
    Nem teu perfil nem tua face
    nada revelam do que foste.
    Sabemos só que padeceste,
    como acontece a qualquer homem;
    que foste vivo e contemplaste
    o que faz entre a alma e o horizonte,
    e, com as grandes estrelas, viste
    os vácuos do céu, na alta noite.
    Cresceste como o bicho e a planta:
    - mas sabendo que há amor e morte.
    Houve um pensamento pousado
    entre as rugas da tua fronte
    e, dos teus olhos aos teus lábios,
    vê-se da lagrima o recorte.

    Por que foi talhado o teu rosto
    nessa pedra pálida e suave,
    ninguém se lembra. E as mãos que andaram
    nessa escultura, ninguém sabe.
    Poderoso foste? Do mundo
    que desejaste? Que alcançaste?
    Na raiz das tuas pupilas,
    que sonho existiu, na verdade?
    Como pensavas que era a vida?
    E de ti mesmo que pensaste?
    Diante desta bela cabeça,
    vendo-a de perfil e de face,
    entre os teus olhos e os do artista,
    qual terá sido a tua frase?

    IGNOTO ROMANO esculpido
    por ignota mão, preservando
    no silencio da pedra o antigo
    rosto, que encobre a ignota sorte,
    parado entre sonho e suspiro,
    sem gesto, sem corpo, sem roupas,
    sem profissão nem compromisso,
    sem dizer a ninguém mais nada
    nem do amigo nem do inimigo. . .

    (E todos os homens – ignotos –
    com os olhos nesse claro abismo,
    sem saberem que estão parados
    ante um puro espelho polido!
    Ignoto Romano – soletram. . .
    E continuam seu caminho,
    certos de terem algum nome,
    com pena do desconhecido...)

    Abril, 1953
    Cecília Meireles
    In: Poemas Italianos

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  5. “Morrer bem significa morrer com decência, coerente consigo mesmo e no respeito dos vivos. Morrer bem é morrer em sua própria vida, voltado para ela e de costas para a morte, e essa boa morte indica mais delicadeza para com o mundo do que deferência pela profundidade do abismo”.

    Maurice Blanchot, O Espaço Literário, 1987

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  6. Amor

    Há certa hora, em que não precisamos de um Amor...
    Não precisamos da paixão desmedida...
    Não queremos beijo na boca...
    E nem corpos a se encontrar na maciez de uma cama...

    Há certas horas, que só queremos a mão no ombro, o abraço apertado ou mesmo o estar ali, quietinho, ao lado...
    Sem nada dizer...

    Há certas horas, quando sentimos que estamos pra chorar, que desejamos uma presença amiga, a nos ouvir paciente, a brincar com a gente, a nos fazer sorrir...

    Alguém que ria de nossas piadas sem graça...
    Que ache nossas tristezas as maiores do mundo...
    Que nos teça elogios sem fim...
    E que apesar de todas essas mentiras úteis, nos seja de uma sinceridade inquestionáveis...

    Que nos mande calar a boca ou nos evite um gesto impensado...
    Alguem que nos possa dizer:

    Acho que você esta errado, mas estou do seu lado...

    Ou alguém que apenas diga:

    Sou seu amor! E estou aqui!

    William Shakespeare

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  7. COMPANHEIROS

    quero
    escrever-me de homens
    quero
    calçar-me de terra
    quero ser
    a estrada marinha
    que prossegue depois do último caminho

    e quando ficar sem mim
    não terei escrito
    senão por vós
    irmãos de um sonho
    por vós
    que não sereis derrotados

    deixo
    a paciência dos rios
    a idade dos livros

    mas não lego
    mapa nem bússola
    porque andei sempre
    sobre meus pés
    e doeu-me
    às vezes
    viver
    hei-de inventar
    um verso que vos faça justiça

    por ora
    basta-me o arco-íris

    em que vos sonho
    basta-te saber que morreis demasiado
    por viverdes de menos
    mas que permaneceis sem preço

    companheiros

    Mia Couto

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  8. “A morte é uma viagem e a viagem é uma morte.”
    Gaston Bachelard

    Percebi que, na distância, sinto mais aqueles a quem quero … e vivo isso tão intensamente que é quase um dom este abrir a porta sem medo dos mosquitos… “Saúdo-vos e tiro o meu chapéu”… creio que “largo”… às vezes, como agora, é tal a distância que conservo de mim que me vejo quase… e isso emociona-me muito porque é de beleza intensa que faz doer até os olhos… fico tão feia quando choro… que nem me posso imaginar assim…

    Foi muito difícil recomeçar a viagem depois do acidente… pela primeira vez, encontrei-me sem lucidez… não estava certa de não ter perecido… recordo ainda agora com clareza o carinho do Pedro que me obrigou a jurar que não regressaria naquela tarde à Quinta da Pedra… mas tinha aulas na manhã seguinte e não queria dar tempo ao corpo para descansar da anestesia… se sentir sono, paro e durmo um pouco… e senti mesmo… mas na auto-estrada teria que aguardar por uma estação de serviço e havia uma a dez quilómetros… quando despertei, vi-me em direcção ao separador central, fechei os olhos, retirei o pé do acelerador, as mãos do volante e adeus… tudo se passou como num 3D… nada doeu… quando o carro parou, a medo, abri os olhos, tentei mexer os pés, as mãos, vi fumo e num sentimento de sobrevivência, abri a porta do carro e saí… comecei a fazer gestos aos veículos que passavam e em segundos, apareceram dois bombeiros que me imobilizaram e fui levada pelo INEM para um hospital… sempre fecho os olhos quando não quero olhar… quando os voltei a abrir, por instinto, tinha o meu filho emocionado ao lado da minha maca … ele apertou a minha mão e eu pensei que provavelmente ainda estava viva…e sem um único arranhão, concluímos depois.
    Nos quinze dias que se seguiram, tive dificuldade, muita dificuldade, para perceber que não tinha terminado ainda a viagem… hoje, o modo como viajo é diferente… gosto muito de avião pela forte emoção de pensar que, em caso de acidente, como não pode encostar à direita, termina tudo… e o tudo é hoje tão pouco que a formiguinha não sente qualquer receio…

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  9. "Encontrava-me agora na ilha onde nascera; muitos anos de ausência seguida, e estava ali. Para morrer? O meu centro, o âmago, era esta terra que afinal eu não reconhecia como esperava, com alvoroço, com uma emoção porventura amarga, difícil, mas não desta maneira recuada, como se eu não fosse vulnerável aos prestígios da minha tradição. Aquilo que a vista me dava, basaltos, espumas, corolas altas fremindo, corolas animais, e as ruas e casas, os nomes, evocações de pessoas, factos, instantes vertiginosos e misteriosos, o tormento e o júbilo, os pactos irrevogáveis com o destino próprio, ali, naquele sítio - nenhuma dessas experiências, nada, nenhuma imagem confirmada pelo olhar, ou esse odor de vaza marinha, de jasmins, e o vento trazido das montanhas, nada era vivo, actual, reiterado, circulatório, nada me reatava, um ímpeto do espírito, uma religação; eram coisas, aquelas, conferidas como realidades independentes de mim, arranjos do espaço que uma espécie de indiferença lúcida achava irrecusáveis mas irrecuperáveis na consciência, a consciência não fora abalada. Eu não reconhecia o mundo, aquele. Poderia então morrer, insensível, ali? Só morremos de nós mesmos, e se existe uma figura topográfica, geográfica, talvez seja escolhida ou imposta pela inspiração que dirige profundamente a nossa vida. Esta ilha não se integrava na minha ordem espiritual e fora nela contudo que eu arrecadara os ganhos fundamentais, os primeiros, naquelas imagens, nos acontecimentos por assim dizer nascidos nesses lugares, nascidos deles, ali concebera como reitoria irreversível e inocente aquilo que, com alguma veracidade, alguma retórica, alguma fé, se chamaria destino."
    Herberto Helder (2013) Servidões. Porto: Assírio & Alvim Editores (p.p. 16 - 17)

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  10. CEGONHA 3
    Não há duas sem três?
    Então, tomem-me lá outra vez!
    Mas agora, de regresso ao ninho
    reconheço:
    há momentos...
    antes acompanhado que sozinho.

    "Por se ter soltado uma ferradura da pata dianteira do cavalo atrelado aos varais, no começo da subida do monte Taurira, o postilhão desmontou, arrancou a ferradura e guardou-a no bolso; como a subida era ainda de umas cinco ou seis milhas, e como dependíamos sobretudo daquele cavalo, fiz questão que voltássemos a aplicar a ferradura o melhor possível; mas como o postilhão tinha deitado fora os pregos, e o martelo que vinha na mala da sege de nada servia sem eles, aceitei continuar assim.
    Ainda não tinha subido uma meia milha quando, ao chegar a uma parte pedregosa da estrada, o pobre diabo perdeu a segunda ferradura, que lhe caiu da outra pata dianteira.
    Saí então da sege muito seriamente; e ao ver uma casa à esquerda, a cerca de um quarto de milha, depois de muito insistir, consegui que o postilhão se dirigisse para lá. O aspecto da casa, e de tudo ali à volta, conforme nos fomos aproximando, depressa me reconciliou com o acidente. Era uma pequena casa de quinta, cercada por uns vinte acres de vinha e outro tanto de milho; junto à casa, de um dos lados, estava uma "potagerie" de um acre e meio, cheia de tudo o que pode encher de abundância a casa de um camponês francês; e do outro lado havia uma pequena mata suficiente para lhe fornecer com que a arranjar.
    Eram umas oito da tarde quando lá chegámos - de forma que deixei o postilhão fazer o que tinha a fazer o melhor que pudesse - e quanto a mim, fui direito à casa.
    A família era composta por um homem de cabelos brancos e a sua mulher, mais cinco ou seis filhos e genros com as respectivas mulheres e uma feliz genealogia de todos eles.
    Estavam todos à mesa a comer a sopa de lentilhas; um pão grande de trigo estava no meio da mesa; e um jarro de vinho em cada extremo prometia alegria a cada uma das etapas do repasto. Era uma festa de amor."

    Laurence Sterne, UMA VIAGEM SENTIMENTAL POR FRANÇA E ITÁLIA PELO SR. YORICK, Lisboa, Edições Antígona, 1999, pp. 209-210.

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  11. “I woke up as the sun was reddening; and that was the one distinct time in my life, the strangest moment of all, when I didn't know who I was - I was far away from home, haunted and tired with travel, in a cheap hotel room I'd never seen, hearing the hiss of steam outside, and the creak of the old wood of the hotel, and footsteps upstairs, and all the sad sounds, and I looked at the cracked high ceiling and really didn't know who I was for about fifteen strange seconds. I wasn't scared; I was just somebody else, some stranger, and my whole life was a haunted life, the life of a ghost.”
    ― Jack Kerouac, On the Road

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  12. Holy time in eternity holy eternity in time holy the
    clocks in space holy the fourth dimension holy
    the fifth International holy the Angel in Moloch!
    Holy the sea holy the desert holy the railroad holy the
    locomotive holy the visions holy the hallucina-
    tions holy the miracles holy the eyeball holy the
    abyss!
    Holy forgiveness! mercy! charity! faith! Holy! Ours!
    bodies! suffering! magnanimity!
    Holy the supernatural extra brilliant intelligent
    kindness of the soul!”
    ― Allen Ginsberg, Howl and Other Poems

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  13. Así, pues, desenterró al marido el 20 de Diciembre. Lo vimos colocado, dentro de una caja de plomo, recubierta con outra de madera, todos los embajadores presentes, a los cuales, una vez abierta la caja, nos llamó para que reconociésemos el cuerpo... En una carruaje tirado por cuatro caballos traídos de Frisia hacemos su transporte. Damos escolta al féretro, recubierto con regio ornato de seda y oro. Nos detuvimos en Torquemada...En el templo parroquial guardan el cadáver soldados armados, como si los enemigos hubieran de dar el asalto a las murallas. Severísimamente se prohíbe la entrada a toda mujer.
    La queman los mismos celos que la atormentaban cuando vivía su marido...
    A juicio mío ninguma época vio un cadáver sacado de su tumba, llevado por un tiro de cuatro caballos, rodeado de funeral pompa y de una turba de clérigos entonando el Oficio de Difuntos. Como en triunfo, desde la ciudad de Burgos en jornadas nocturnas, aquí lo trajimos y aquí lo velamos...
    Pedro Mártir Angleria, Epistolario

    De todas formas, al principio (Rey Felipe el Hermoso) fue enterrado en la Cartuja de Miraflores. Y Juana lo había aceptado. Pero de pronto, recordando el deseo de su marido de ser enterrado en Granada, ordenó que fuera desenterrado y sacado de la Cartuja. T elo en pleno invierno. (...), ella se mantuvo firme, iniciando así aquel macabro viaje por los caminhos de Castilla La Vieja: de Burgos a Torquemada, de Torquemada a Hornillos, de Hornillos a Tórtoles, de Tórtoles a Arcos, y de Arcos a Tordesilhas.
    Manuel Fernández aÀlvarez, Juana lá Loca

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