quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Sempre que viajava...(1). Anaïs Ninn

Enquanto esperava pelo comboio para Montreux, Elena ia observando os passageiros que a rodeavam. Sempre que viajava, despertava nela aquela curiosidade, aquela esperança, aquela ansiedade que se costuma sentir no teatro ao subir o pano.
Descobriu um ou dois individuos com quem teria gostado de falar e perguntou a si própria se eles iriam apanhar o mesmo comboio que ela, ou se estariam ali só a acompanhar outros passageiros. Os seus desejos eram vagos, impregnados de poesia. Se lhe perguntassem de chofre o que esperava, teria respondido: Le merveilleux. Era um desejo que não se localizava em nenhuma parte do corpo. A reflexão que haviam feito acerca dela, num dia em que acabava de criticar um escritor que encontrara, era assaz verdadeira: "Você não é capaz de vê-lo como ele na realidade é, pois não é capaz de ver ninguem tal qual é. Ficará decepcionada, porque você está sempre à espera de alguém".
Sim, estava sempre à espera de alguém - todas as vezes que a porta se abria,modas as vezes que ia a uma soirée, a uma reunião, todas as vezes que entrava num café, num teatro.
Nenhum dos indivíduos que ela escolhera para companheiro ideal de viagem subiu para o comboio. Abriu então o livro que tinha à mão. Era O Amante de Lady Chatterley.

Anaïs Ninn, "Elena", in Delta de Vénus. Cascais, Editora Bico de Pena, 2006, p. 97.

1 comentário:

  1. VULNERABILIDADES

    Acontece que, como todos sabem, sou muito vulnerável à beleza feminina. Todos nos sentimos indefesos perante alguma coisa, e a minha vulnerabilidade é essa. Vê-la cega-me para tudo o mais. Elas apresentam-se na minha primeira aula e eu sei, quase de imediato, qual é a rapariga para mim. Há uma história de Mark Twain em que ele foge de um touro e este olha para cima, para ele, que está escondido no alto de uma árvore, e pensa :"Você é o meu alimento, senhor." Bem, esse "senhor" transforma-se em "jovem senhora" quando a vejo entrar na aula.

    Philip Roth, O ANIMAL MORIBUNDO, Lisboa, Dom Quixote, 2006, pp. 9-10.

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